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5 PROCESSOS DE ESCOLARIZAÇÃO DE LUANA

5.2 EPISÓDIOS DE LINGUAGEM

5.2.6 Episódio 6: A Fórmula Mínima

Professora: eu vou chamar agora, quem já fez as páginas 66 a 69 e o estudo dirigido. Vou chamar pela ordem de chamada.

Luana: _ “Tia” o meu falta número 2 e 9

Professora: eu vou te chamar, só um minutinho.

Pesquisadora: isso daqui não é difícil não Luana. Abra seu livro. Professora: _Luana!

Pesquisadora: _ A professora está chamando, agora é você. Ela continuou folheando o livro.

Professora: Luana!

Pesquisadora: _ Luana... Luana... agora é a sua vez (insisti) Luana: não! Faltam 2!

Professora: não tem problema se tiver dúvida, pode me dar.

Luana: você vai ajudar da 67 a 69 também? (Perguntou Luana para a professora)

Professora: _ Sim, tudo!

Luana: enquanto ela olha o caderno vou beber água Pegou sua garrafinha que estava sobre a mesa.

Professora: _ Luana, vi o que você não conseguiu fazer, na hora que eu explicar preste atenção. Eu pedi muitos [exercícios] porque eu não iria estar aqui. E o outro exercício, da ligação iônica, conseguiu fazer?

Luana pareceu perdida.

Pesquisadora: _ Sim, ela fez. Está tudo aqui (entreguei o caderno dela). Luana: _ Depois da hora do recreio a M vai embora, que pena! Dia 14 não tem aula, tem conselho de classe.

Professora: esquematize no caderno a fórmula molecular e fórmula estrutural do gás cloro.

Luana: _ O que é uma formula molecular?

Professora: _ A fórmula mínima vem de uma ligação iônica, a formula molecular vem de uma ligação covalente. São correspondentes, entendeu? Luana: então eu faço a fórmula molecular em vez da fórmula mínima? Professora: isso mesmo! (SALA DE AULA, junho/2018).

A linguagem literal parece ser uma grande barreira no sucesso da comunicação das pessoas com autismo, vimos essa dificuldade na intervenção pedagógica feita professora de Química (Episódio 6). Primeiramente, a professora anunciou que chamaria os estudantes quem já tivessem feito os exercícios das páginas do livro que haviam sido solicitadas, imediatamente Luana avisou que não fez 2 das atividades propostas. A enunciação da Luana, a priori, não foi entendida pela professora que a chamou para entregar o caderno, novamente o silêncio foi a opção de Luana seguida da ação de não se apresentar a professora. Constatamos uma fragilidade no discurso argumentativo, em que é necessário que o enunciador/co- enunciador disponha de um fato ou ideia que comprove uma afirmação ou objeção.

Somente após a insistência da professora de Química e a reconstrução do que havia enunciado, Luana pode compreender que mesmo o caderno estando incompleto poderia ser entregue para correção. Sendo assim, destacamos que quando a professora a chama e Luana não se manifesta, não se trata de um comportamento dado pelas condições autísticas mas pela ausência argumentativa ou pela opção de não se colocar disposta ao diálogo. Do mesmo modo, destacamos a importância de explorar sequências argumentativas e os marcadores linguísticos, refletindo sobre a língua em exercício como atividade discursiva.

Por outro lado, Luana perde totalmente a atenção nos acontecimentos em seu entorno quando bebe a água da sua garrafinha, disposta sobre a sua mesa, como já mostramos anteriormente. Quando questionamos a mãe da Luana se percebia o distanciamento dela com o que acontece ao redor quando bebia água, a mãe disse “Não, bebe água normal” e quando perguntado se havia algum momento em que ela se isolasse dos acontecimentos ao redor, ela respondeu: “Só quando contrariada, vai para o quarto dela” e quando a pergunta foi se havia alguma orientação da mãe quanto a beber bastante água, ela relatou que “ela sempre teve dificuldade desde bebê para tomar água e até hoje tenho que insistir e lembrá-la a todo momento de beber água”. Observamos que essa insistência não é necessária na escola, pois Luana bebe água constantemente e quando negam a saída dela da sala para encher a garrafinha, ela informa que não pode deixar de beber água para não dar cistite, conforme nos relatou a professora especializada durante a entrevista realizada. Desse modo, as orientações da mãe foram associadas às aulas de

Biologia sobre o corpo humano, quando a professora tratou das doenças do sistema urinário.

Quando Luana não está bebendo água, está atenta e consegue elaborar questões coerentes com os conteúdos específicos da aula, no Episódio que apresentamos ela manteve o diálogo com a professora de Química sobre fórmulas até chegarem a um entendimento. De tal modo que, tanto para a pesquisadora quanto para a professora foi uma amostra de que Luana havia se apropriado daqueles conhecimentos e, naquele momento, a linguagem foi utilizada para reorganizar o pensamento, deixando vestígios de operações mentais realizadas com a palavra “correspondente”, determinando e indeterminando significações.

O diálogo que se estabeleceu entre a professora de Química e Luana foi conquistado e não possui receita, constitui-se nas práticas pedagógicas “inventadas” dito isso, problematizamos o desafio do trabalho articulado/colaborativo, trazido pela professora especializada que apontou que os encontros para planejamento com os professores de áreas são permeados pelo discurso do “não fazer”.

No Episódio 7, em três recortes da entrevista, apresentamos os desafios de a professora especializada realizar o trabalho articulado/colaborativo, além da complexidade dos conteúdos e as condições reais de aprendizagem da Luana. No Momento 1, o conteúdo específico da disciplina língua portuguesa em que a professora regente deseja a realização de atividades de metalinguagem; no Momento 2, transcrevemos a fala da professora especializada ao exemplificar a flexibilização curricular do estudo dirigido de língua inglesa e as estratégias para acessibilidade e apropriação da segunda língua; no Momento 3: o desabafo da professora especializada diante das angústias apresentadas pelos professores, oito áreas do conhecimento, diante das dificuldades no processo de escolarização da Luana.