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5 PROCESSOS DE ESCOLARIZAÇÃO DE LUANA

5.2 EPISÓDIOS DE LINGUAGEM

5.2.7 Episódio 7: Foco na Aprendizagem

Momento 1: Orações sindéticas e assindéticas?

Eu vejo que apesar de tudo ela está tendo bons resultados, avançando dentro daquilo que ela é capaz, fazendo umas adaptações mínimas, (...) no ano anterior há no relatório que ela ficou muito defasada em português, então para a professora de português hoje conseguir avançar no trabalho ela precisa voltar tudo. Então eu vejo lá: oração subordinada sindética e assindética. Nem eu gravei isso, nem eu compreendo isso, como vou mediar isso para ela? Então eu faço a adaptação das atividades mais minuciosa. [Eu] mando para casa atividades de verbos, acompanhando o mesmo nível do 9º ano mas explicando em destaque, porque é uma oração subordinada assindética: primeiro acha as conjunções. No outro dia, no planejamento, ela [a professorar de português] disse: “o próximo conteúdo é oração direta e indireta”, e eu disse: “o que é isso?” Não me lembro, eu já estudei mas me deu um branco. Então ela disse: ‘uma é com preposição e outra é sem preposição”. Então para [Luana] eu coloquei o que é preposição e fui marcando alguns exemplos para ela. [...] Assim como a turma da Ana chegou no 9º ano defasados em relação a língua portuguesa, e a professora viu que se ela seguisse com o livro eles não iriam acompanhar e como ela é professora de cursinho do pré preparatório do Ifes, ela vai acrescentando a matéria deles e quando ela acha pertinente ela entra com as páginas do livro, ela usa esse material de apoio (PROFESSORA ESPECIALIZA, junho/2018).

Momento 2: Flexibilização curricular nas provas

As provas de inglês são iguais, mais a gente tem buscado outros recursos para auxiliá-la na prova. [...] por exemplo, eu vi a prova e preparei um estudo dirigido para revisão, depois mostrei para a professora [regente], ela gostou e perguntou se podia distribuir para a turma também. Então com o estudo mais direcionado eu podia garantir que na hora da prova ela faria mais sozinha, ela por ela mesma. As provas adaptadas não são provas mais fáceis não, é uma prova com questões que ela dará conta, com perguntas mais diretas, sucintas, e às vezes fica um pouco menor. Então a nota dela foi aquela que ela realmente conseguiu tirar, foi mais real (PROFESSORA ESPECIALIZADA, junho/2018).

Momento 3: Tensões e conflitos

Eles acham que a gente estuda isso e precisa saber disso, e não é assim, na minha formação inicial eu estudei uma matéria ou outra sobre educação especial, o saber que eu tenho foi porque eu busquei a partir das necessidades que senti nas minhas experiências profissionais, não se trata de aprender antes, é preciso buscar. Ninguém foi me ensinando como trabalhar, eu fui pesquisando e criando meios para caminhar, dá muito trabalho? Dá. A parte teórica complementa, mas não é tudo. Eles acham que o pedagogo estuda para isso, é direcionado para isso. É muito comum na hora do planejamento eles falarem assim: “não sei avaliar”, “não tenho formação”, “não fiz pedagogia”, “não sei adaptar”, “o que você fizer está ótimo”, “ela não fica em sala”, “sempre digo para ela: ‘está me atrapalhando, fica aqui”, “não sei o que trabalhar”, “não sei quais objetivos colocar”, “não é justo avaliar ela assim enquanto com os alunos é de outro jeito”, “essa

atividade é muito fácil”, “ela não faz quando coloca em grupo”, “fala a nota que eu coloco”, “mas ela não sabe, não entende”’, “é melhor ela ficar na sua sala”, “tadinha né?” (PROFESSORA ESPECIALIZADA, junho/2018).

Certamente encontrar as possibilidades demanda envolvimento, compromisso e pesquisa, principalmente na elaboração de atividades que apresentem desafios condizentes com o processo de aprendizagem da Luana (Episódio 7). A professora especializada exemplificou a forma como realizou o trabalho articulado/colaborativo, no qual exercitou a reflexão sobre os conteúdos e flexibilizou o currículo tornando-o acessível à estudante.

Ao mesmo tempo em que reconheceu a sua limitação em relação a alguns conteúdos específicos de algumas disciplinas, o que é compreensível visto que o processo seletivo do município de Vitória/ES para o cargo de professor especializado na área de Deficiência Intelectual e Transtornos Mentais exige curso superior completo em licenciatura plena na área do magistério e curso complementar específico na área de deficiência mental/intelectual que totalize(m) carga horária mínima de 120 horas ou curso específico na área de deficiência mental/intelectual e/ou deficiências múltiplas ou deficiência física e/ou transtorno global do desenvolvimento que totalize(m) carga horária mínima de 120 horas ou curso de especialização na área de educação especial, que deverão obrigatoriamente enquadrar-se nas exigências das resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE).

Os desafios enfrentados pela professora especializada desnudam o imediatismo da prática pedagógica de alguns professores regentes, que se configura pela falta de discernimento de um fazer que se constrói em processo, a partir do vivido, e exige organização dos espaços, tempos e materiais necessários para alcançar os objetivos propostos na ação planejada. Sendo assim, torna-se vital a intencionalidade pedagógica e a sistematização do conhecimento para o sucesso do ensino e da aprendizagem, culminando na qualidade educacional.

Aferir a qualidade percorre pelo modo como desenvolve o conteúdo específico, vimos que a professora da Língua Portuguesa desejava realizar atividades de metalinguagem, então durante o planejamento com a professora especializada

encontraram um abismo. Para que essa pudesse colaborar com a professora regente precisou estudar novamente o conteúdo da aula para elaborar as atividades que tornariam o conhecimento acessível à Luana. Esta por sua vez, não só apresenta déficit no desenvolvimento da linguagem, como também uma defasagem de aprendizagem dos conteúdos dos anos anteriores.

De certo modo, retomar alguns pontos antes de introduzir conceitos mais complexos possibilitou a Luana acompanhar as aulas da professora de Língua Portuguesa. No entanto, quando discutimos sobre a operacionalização do trabalho articulado/colaborativo, a lacuna que existe entre os conhecimentos que são específicos da disciplina e sobre o autismo, frequentemente torna-se ponto de pauta.

Compreendemos que o trabalho articulado/colaborativo é um ponto de encontro no meio de uma via de mão dupla e ocorre pelo esforço bilateral, de tal modo que se os conhecimentos das duas tivessem sido compartilhados e juntas elaborassem a atividade, os próximos encontros de planejamento aconteceriam sobre uma nova perspectiva de articulação. Embora essa formatação é o passo inicial de um processo de trabalho ainda em construção, torna iminente e tangível vislumbrarmos momentos de dupla docência na organização de uma prática pedagógica, cujas metodologias e recursos sejam escolhidos por contemplar as especificidades dos estudantes da turma e ofertando a todos enriquecer o currículo ao potencializar as variadas formas de apropriação do conhecimento.

Essa nova configuração é viável nas condições reais de uma instituição que possui uma dinâmica própria, diferentemente da aposta que se faz e do crédito que se dá à organização pedagógica em que a professora especializada se aprofundará em todos os conhecimentos específicos das oito disciplinas que compõem o currículo previsto do 9º ano, além de mediar a aprendizagem com a estudante em sala de aula, planejar as atividades coletivamente com os devidos professores e pedagoga e, ainda, elaborar as atividades que serão ofertadas somente para aquela estudante. Tal crença torna-se demasiadamente utópica e afronta a perspectiva de uma educação inclusiva.

No planejamento com a professora de Língua Inglesa, foram pensados o conteúdo específico da língua e as estratégias metodológicas para acessibilidade e apropriação. Ainda que, a atividade tenha sido elaborada somente pela professora especializada, o uso do recurso foi disponibilizado pela professora de Inglês a todos os estudantes, oferecendo as mesmas atividades de revisão para a prova (Momento 2). Poderíamos afirmar que este é um exemplo em um nível maior de síntese, já se encontra em uma perspectiva inclusiva e seria mais um passo a favor da inclusão.

Certamente, o trabalho articulado/colaborativo exige o envolvimento de todos, o desabafo da professora especializada ao compartilhar as angústias dos demais professores diante do processo de escolarização da Luana, aponta também a sua frustração diante dos desafios que, muitas vezes, precisa enfrentar sozinha (Momento 3). As tensões e os conflitos emergem do desconforto, quer seja de ordem pessoal, quer seja de ordem coletiva, e se manifestam tanto por meio da linguagem quanto pelo comportamento. O fato é que, sendo Luana estudante da turma do 9º ano, todos os professores que atua com aquela turma estão envolvidos em seu processo de escolarização, de tal modo estão em um mesmo barco, remando contra a mesma maré, em que historicamente constatamos que um indivíduo sozinho não cria instituições nem mesmo muda o rumo desse processo civilizatório. Assim, reconhecer que somos parte de um grande “nós”, requer um sentimento de pertencimento maior do que o individualismo, tornando o discurso do “não fazer” a negação de um processo de conhecimento, com todas as suas tensões e conflitos, e de uma evolução cultural que é própria da espécie humana e potencialmente transformadora.

No Episódio 8, apresentamos como essas tensões e conflitos se evidenciaram na aula de História. Para maior observação dos detalhes dividimos esse Episódio em 5 momentos. No Momento 1, a importância da orientação para a atividade que perpassa pela linguagem oral e escrita; no Momento 2, a importância da atenção para compreender os elementos simbólicos, seus sentidos e significados em contexto; no Momento 3: o sentido do ditado e a organização do pensamento; no Momento 4: a importância da mediação aproximada e das estratégias que se configuram a partir da necessidade real; no Momento 5: a utilização de instrumentos de apoio, sobretudo a importância de planejar o momento para sua utilização.