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Epistemologias e os processos de ensino-aprendizagem

CAPÍTULO 3 – PROCEDIMENTOS REFLEXIVOS E METODOLÓGICOS

3.1 Epistemologias e os processos de ensino-aprendizagem

Considerando as maneiras possíveis de refletirmos sobre as concepções de ciência e os processos de ensino e aprendizagem, parte do entendimento de que esses temas possuem certa complexidade e são mutáveis ao longo do tempo.

Segundo Krasilchik (2011), diversos profissionais vêm tentando, há muito tempo, explicar como ocorre o processo de aprendizado das ciências, elaborando uma série de teorias que, por vezes, são aceitas e acabam por balizar o trabalho do professor em sala de aula, influenciando diretamente os processos de ensino- aprendizagem, bem como os processos e materiais utilizados.

Essas teorias são constituídas e acabam por se enquadrar em determinadas epistemologias. Assim, toma sentido caracterizarmos, ainda que brevemente, três epistemologias, conforme sugerido por Pechliye (2018, p. 15), sendo elas: a empirista, a inatista e a interacionista. Ao falarmos de epistemologia, pensamos em evidenciar a origem do conhecimento, sua gênese, apresentando como este é entendido de acordo com o contexto histórico-cultural em que é produzido e vivenciado.

É possível considerar que as epistemologias acabam por abarcar abordagens de ensino e aprendizagem, carregando, não de forma determinista, a concepção de ciência de determinada época.

3.1.1 Sobre a epistemologia empirista

Mizukami (1986), Becker (1994), Mauri (2006) e Freire (2011), respectivamente, nos orientam que a epistemologia empirista pode ser compreendida

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e discutida partindo-se da abordagem tradicional, da pedagogia diretiva, de conhecer as respostas corretas, e da educação bancária.

Ainda que tenhamos o entendimento de que o empirismo não exclusivamente é único, e que também é possível considerar que as diversas abordagens supracitadas apresentem especificidades, conforme nos lembra Pechliye (2018), é fato que nelas o estabelecimento da relação professor-educando constitui- se de forma verticalizada, ou seja, ao professor cabe o papel de apresentar os conteúdos necessários e, ao educando, cabe o papel de reter tais conteúdos, sem a ocorrência de um diálogo entre ambos, caracterizando tal processo como sendo promotor de uma educação bancária, mecânica e, por si só, pouco reflexiva.

Sobre a modificação em relação ao empirismo, Pechliye (2018, p. 16) nos auxilia com a seguinte reflexão:

O empirismo pode ser sutilmente modificado quando aparentemente damos voz ao aluno, mas no fundo o objetivo continua sendo que ele repita o que o professor ensinou, sem críticas nem reflexão. Assim, o controle do comportamento observável, a partir de reforços positivos ou negativos, para a obtenção de padrões esperados pode estar presente.

Considerando o exposto por Pechliye (2018) e concordando com Mauri (2006), surge também a equívoca ideia de que os conhecimentos devem ser elencados pelo professor em ordem e seleção de importância, produzindo uma réplica dos conhecimentos externos ao ambiente escolar. Neste processo, o professor seleciona os conteúdos mais conhecidos, objetivando que os educandos, por métodos mnemônicos, consigam reproduzi-los com maestria.

3.1.2 Sobre a epistemologia inatista

De acordo com a epistemologia inatista, os educandos possuem saberes prévios, cabendo ao professor apenas estruturá-los de forma assertiva, transformando-os em conhecimento. Assim, o professor deve apenas realizar seu papel de facilitador da aprendizagem, interferindo de forma mínima no processo de aprendizagem, despertando no educando o conhecimento que este já possui.

Tal abordagem permite uma relação com a pedagogia não diretiva, em que o indivíduo já possui o conhecimento programado geneticamente, devendo o professor somente estimulá-lo a despertar (BECKER, 1994). Tendo abordagem

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semelhante, conforme destaca Pechliye (2018), temos a abordagem humanista, lembrada também por Mizukami (1986), em que o educando ocupa o papel central nos processos de elaboração e criação do conhecimento, apresentando também pouca interferência do professor sobre tais processos.

Toma-se como importante destacar que a visão do professor como facilitador da aprendizagem está presente nas diversas abordagens epistemológicas, contudo, possuindo significados diferentes para cada uma delas. Há que se ter cuidado ao se discutir tais questões, justamente por possuírem noções de papéis semelhantes, mas não iguais para a ação docente e para o processo de ensino e aprendizagem.

3.1.3 Sobre a epistemologia interacionista

A epistemologia interacionista destaca o professor como sendo um facilitador da aprendizagem, propiciando situações de diálogos problematizadores, tendo como base a realidade vivenciada pelo educando, segundo Pechliye (2018). É a partir dessa realidade que o educando produzirá reflexões críticas sobre o mundo em que vive, formando então uma consciência crítica, como nos lembra Freire (2011).

Há que percebermos que na abordagem epistemológica interacionista, o foco não mais se detém sobre o professor, educando ou mesmo objeto, mas sim, na interação produzida entre esses três atores. Mauri (2006) indica que, por mais que a interação se coloque como necessária, é importante salientarmos que a construção do conhecimento é realizada pelo indivíduo e por seu grupo, levando-se em conta as possibilidades que lhes são dadas e os conhecimentos prévios já construídos de forma significativa.

Sobre a construção significativa citada, cabe-nos ressaltar que a construção do conhecimento é processual, não obedecendo a uma linearidade, tornando e tomando maior complexidade ao longo das novas experiências e intensificação dos diálogos gerados.

Coll e Solé (2006) refletem que uma parte da abordagem construtivista8

possui como base a epistemologia interacionista, permitindo ao professor um

8 Não nos detivemos a explorar com profundidade a abordagem construtivista, todavia, reconhecemos sua complexidade enquanto tese epistemológica caracterizada por reconhecer o papel do educando enquanto

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referencial sólido para fundamentar suas decisões em relação ao planejamento e no decorrer dos processos de ensino-aprendizagem.

Segundo Pechliye (2018, p. 18), é a partir de tal referencial fundamental que podem ser obtidos critérios oportunos para “comparar materiais didáticos, elaborar instrumentos coerentes de avaliação e elaborar unidades didáticas etc.”, permitindo que o professor produza mudanças significativas nos processos de ensino- aprendizagem.

Para Mauri (2006), sob a óptica da construção de conhecimentos, o processo de aprendizagem é constituído por duas vertentes, tanto como produto, como também enquanto processo, sendo este último compreendido como o percurso que os educandos, de forma pessoal, elaboram seus conhecimentos.

Nessa relação de construção de conhecimentos, o aprender não se constitui apenas como a possibilidade de apropriação de saberes ou seu acúmulo sobre determinado tema ou assunto, mas também como produtor de competências e habilidades que permitirão que os educandos continuem aprendendo por meio de interação e reflexão com novos temas.

Após o exposto, partimos a refletir, ainda que brevemente sobre a constituição dos currículos que, de forma geral, continuam a utilizar princípios pertencentes à abordagem da epistemologia empirista.

Cabe-nos considerar ainda que alguns currículos, por mais que possam apresentar propostas voltadas à interação, na prática, pouco se tem essa ocorrência, apresentando-se como fragmentadores dos conteúdos, tornando-os puramente disciplinares.

Assim, as três epistemologias apresentadas nos permitem a reflexão de como as atividades, dentro de um contexto de ensino de Ciências, em especial em Biologia, são produzidas, reproduzidas por meio dos diversos materiais didáticos e, dentro das possibilidades, realizadas em sala de aula pelo professor e educandos, levando-nos a também pensar sobre o currículo escolar.

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