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2.2 A dinâmica da firma bancária

2.2.6 Equilíbrio e racionamento no mercado de crédito

Uma área de pesquisa na microeconomia bancária procura estudar o comportamento da oferta e demanda de crédito e entender como ocorre o equilíbrio neste mercado. Segundo a doutrina da disponibilidade (“availability doctrine”, desenvolvida no início dos anos de 1950), os bancos são limitados pela disponibilidade de fundos que eles podem atrair. Portanto, o crédito encontra-se sempre racionado e o equilíbrio no mercado de crédito ocorre puramente pelas condições de oferta. Neste contexto, a política monetária teria grandes impactos na determinação da oferta de crédito e da taxa de juros (FREIXAS; ROCHET, 1999).

O racionamento de crédito diz respeito a uma situação em que a demanda por empréstimos

de bancos comerciais excede a oferta de tais bancos, ao nível vigente da taxa de juros cobrada pelo empréstimo. Em outros mercados, o efeito de um aumento na demanda seria o aumento no preço do produto, o que geralmente não ocorre no mercado de crédito bancário. Distinguem-se duas formas de racionamento de crédito: i) racionamento de equilíbrio, o qual pode ser definido como o racionamento que ocorre quando a taxa de juros dos empréstimos encontra-se em um equilíbrio de longo prazo; e, ii) racionamento dinâmico, quando há racionamento de crédito no curto prazo e a taxa de juros não se apresenta em um nível ótimo de longo prazo (JAFFEE; MODIGLIANI, 1969).

Para justificar a existência de racionamento de crédito por parte dos bancos, Jaffee e Modigliani (1969) argumentam que, na presença de risco quanto ao resultado do empréstimo a ser concedido, reduzir o volume do mesmo aumentará a taxa esperada de retorno em virtude de reduzir a perda esperada decorrente da insolvência do agente tomador do empréstimo. Desta maneira, os bancos estariam agindo de forma racional ao restringir o crédito, pois estariam buscando aumentar seu retorno por meio de uma melhoria na qualidade de sua carteira de crédito, o qual poderia ser obtido concedendo empréstimos para agentes de menor risco.

Jaffee e Russel (1976) explicam como diferenças não observáveis na qualidade dos tomadores podem induzir racionamento de crédito. O trabalho elabora um cenário onde a

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probabilidade de inadimplência do tomador aumenta com o tamanho empréstimo. Desta forma, para algum dado tamanho do empréstimo, a probabilidade de inadimplência difere entre tomadores devido a fatores que os concessores não podem observar. Desde que os tomadores são indistinguíveis ex-ante, a taxa de juros do mercado incorpora um prêmio pelo risco de inadimplência dos tomadores de recursos de má qualidade por ventura existentes. Racionamento de crédito na forma de restrições sobre o tamanho do empréstimo, pode surgir pela seguinte razão: bons tomadores devem preferir as restrições de menor tamanho dos empréstimos, o que diminui a probabilidade de inadimplência média do mercado, reduzindo o prêmio da taxa de juros; os maus tomadores têm que acompanhar o mercado a fim de não revelarem a si mesmos.

Fried e Howitt (1980) justificam a existência de um racionamento no mercado de crédito bancário como sendo parte de um arranjo de compartilhamento de riscos entre o banco e seus clientes. Por meio deste arranjo, bancos e consumidores podem compartilhar os riscos associados a um futuro incerto. Se os empréstimos fossem negociados em leilões, então dos consumidores estariam expostos às flutuações na taxa de juros cobrada por esses recursos. O banco atua nas taxa de juros cobradas em seus empréstimos, evitando que as mesma variem como em um mercado de leilão, recebendo em troca, uma disposição por parte dos consumidores em pagaram uma taxa de juros média mais elevada. Para possibilitar que os bancos realizem este trabalho de amortecimento da taxa de juros, os mesmos podem utilizar de instrumentos como o racionamento de crédito.

Stiglitz e Weiss (1981, 1983) utilizam o conceito de seleção adversa para justificar a opção dos bancos em não aumentar as taxas de juros e racionar o crédito. Segundo os autores citados, um aumento na taxa de juros diante do aumento na demanda de crédito causaria uma redução na taxa de retorno esperada por parte dos bancos, na medida em que a probabilidade de inadimplência aumentaria. Duas razões foram apresentadas para uma possível relação inversa entre a taxa de juros cobrada e o retorno esperado do banco:

i. taxas de juros mais altas causam um processo de seleção adversa, ou seja, reduzem a

proporção de tomadores de empréstimos de baixo risco. O tomador de recursos, ao contrário do banco, conhece sua probabilidade de liquidar o empréstimo. Desta forma, o agente econômico com maior probabilidade de honrar a dívida deve, em média, estar disposto a contratar empréstimos a uma taxa de juros menor em comparação a indivíduos que têm uma menor probabilidade de honrar o empréstimo;

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ii. taxas de juros mais elevadas induzem os tomadores de empréstimos a praticar ações mais

arriscadas. Tal elevação causa a diminuição no retorno de projetos com grande chance de êxito. Assim, as firmas são induzidas a arriscar-se em projetos com menor probabilidade de sucesso, porém, com maiores retornos quando bem sucedidos.

Além disso, Stiglitz e Weiss (1981, 1983) argumentam que aumentar o nível de garantias nos contratos de empréstimos não elimina o racionamento de crédito. Para chegar a tal conclusão, os autores delinearam um modelo em que os potenciais tomadores de empréstimos podem escolher entre um conjunto de projetos de investimento, cada qual com o seu risco de êxito. Cada tomador escolhe no máximo um projeto para desenvolver. Todos os indivíduos possuem a mesma função de utilidade, diferentes riquezas iniciais e, por hipótese, tem aversão a risco. Portanto, a escolha do projeto para empreender e o método de financiamento – auto financiamento através da riqueza inicial ou empréstimo bancário – será diferenciado de um indivíduo para outro. Além disso, considera-se que indivíduos de maior riqueza inicial são indivíduos que, no passado, tiveram sucesso com projetos de maior risco (os quais, geram maior retorno). Isto posto, um aumento nas garantias requeridas tem dois efeitos sobre o mercado de empréstimos: aqueles indivíduos que permanecem no mercado são os indivíduos que possuem maior riqueza inicial (pois suportam conceder um maior nível de garantias) e dispostos a empreender projetos mais arriscados (tomadores de maior risco); e os indivíduos que saíram do mercado são aqueles de menor riqueza inicial e tomadores de menor risco. Se o segundo efeito for suficientemente forte, esta exigência de reforço nas garantias significará uma queda nos retornos esperados por parte do concessor de empréstimos.

Bester (1985) chega a uma conclusão oposta à aquela obtida por Stiglitz e Weiss quanto ao resultado do aumento no requerimento de garantias. Aquele autor afirma que, em uma situação de equilíbrio, não haverá racionamento de crédito, pois os bancos competem pela definição de garantias e taxa de juros a serem exigidas dos tomadores de empréstimos. Este argumento esta fundamentado na hipótese de que os bancos decidem a respeito das taxas de juros e das garantias de seus empréstimos simultaneamente, ao invés de separadamente. O autor também considera que os requisitos de garantias podem ser explicados como uma resposta à informação imperfeita. Tais requisitos devem servir para revelar informação a respeito do risco de inadimplência dos tomadores de crédito. Tomadores de alto risco podem ser identificados, porque os mesmos preferem empréstimos com menores requisitos de garantias e taxas de juros maiores. Em um

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equilíbrio, o nível de garantias é negativamente relacionado com o risco dos projetos de investimento empreendidos pelos tomadores de crédito. Desta forma, não há racionamento de crédito, pois o mecanismo de sinalização, representado pelas garantias, possibilita ajustar a taxa de juros para cada tomador de recursos.

Para Chan e Kanatas (1985), as garantias também possuem o papel de revelar informações a cerca do tomador de empréstimos, sendo que os custos de transação de proporcionar tais garantias forçam os demandantes de crédito a elaborarem projetos de melhor qualidade. Aqueles autores argumentam que as garantias possuem um papel importante em contratos de empréstimo, em que há uma diferença nas avaliações de tomadores e concessores do crédito, em virtude de seus diferentes pontos de vista. Se o concessor tem um menor poder de avaliação, o tomador de empréstimos tem incentivos para oferecer garantias em troca de uma redução na taxa de juros.

Stiglitz e Weiss (1992) argumentam que deve haver racionamento de crédito em todos os contratos oferecidos, ainda que garantias sejam usadas otimamente (em conjunto com outros instrumentos, em particular, a taxa de juros cobrada) para diferenciar os tomadores de crédito quanto à sua probabilidade de inadimplência. Ainda segundo os mesmos, o racionamento de crédito pode ocorrer se três condições são satisfeitas:

i. Deve haver alguma incerteza residual (informação imperfeita) depois que os concessores

de empréstimo empregaram todos os meios disponíveis para diferenciar os requerentes de empréstimo e controlar seu comportamento;

ii. Os efeitos da seleção adversa/incentivo adverso diante de uma mudança na taxa de juros

ou nos termos não-preço do contrato (garantias, capital de contrapartida, etc) devem ser suficientemente fortes para o concessor usar totalmente este instrumento para alocar crédito;

iii. A oferta de fundos para empréstimo deve ser tal que, no equilíbrio Walrasiano (onde

demanda e oferta são iguais, considerando o uso de instrumento não-preço), o retorno esperado para o concessor de empréstimos é menor que para outros contratos em que existe racionamento de crédito.

Por fim, os autores salientam que a discrepância entre o retorno para o banco e o retorno total dos projetos de investimento tem importantes implicações no bem-estar social. Os bancos, no processo de escolha entre tomadores de crédito em potencial, não necessariamente escolhem entre

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empréstimos com maior retorno. Além disso, quando restringe-se o crédito através de política monetária, não são necessariamente os projetos com menor retorno que são restritos.