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5. CAMINHOS DE MEMÓRIAS: UMA INVENSÃO HISTÓRICA POSSÍVEL

5.1 Era uma vez um Grupo Escolar seus alunos deixavam seu lugar de origem,

Desde a criação, ainda no século XIX, das primeiras instituições de ensino próprias a promover a formação de professores – as chamadas Escolas Normais -, os conceitos e

concepções acerca da formação de professores têm sofrido contínuas e importantes transformações. Nos detendo aos dias de hoje, a formação docente é entendida, por alguns, como qualquer processo vivenciado por professores em cursos que tenham como intenção prepará-los para atuarem em sala de aula (MORAIS, 2017), e por outros, como uma síntese da história pessoal dele professor, já que a história de um indivíduo, por mais particular que seja, mantém forte ligação com condições e relações históricas, sociais e culturais mais gerais (VIRGINIO, 2009).

A formação inicial e a formação continuada ou contínua de professores são algumas das concepções mais usualmente mobilizadas, hoje em dia, para se referir ao processo de formação de docentes. Esta formação aparece geralmente com o sentido de “dar forma”, modelar algo ou alguém de acordo com um padrão que se presume ser o melhor (MORAIS, 2017). Ela se desenvolve basicamente em cursos institucionalizados, nos quais a formação inicial corresponde aos cursos de graduação em licenciaturas ou os cursos das Escolas Normais, já a formação continuada (ou contínua), destinada a professores que já se encontram em atuação no ensino, corresponde aos cursos de treinamento, capacitação, aperfeiçoamento e outros.

Morais (2017), ressalta, no entanto, que antes, durante e depois da realização desses cursos de formação de professores outros movimentos acontecem e atravessam as

“normalidades” e “intencionalidades” clássicas da formação que esses cursos propõem. Para o autor, as Casas do Estudante e as relações familiares, por exemplo, são espaços que proporcionam experiências formativas que atravessam a formação institucional de professores, pois quando são mobilizados a criarem narrativamente suas histórias esses sujeitos formandos apontam de forma expressiva as experiências vividas nesses espaços. Foi movido por esta ideia que Morais (2017) passou a investigar a migração como outro possível “atravessador” da formação de professores (de matemática) no estado do Rio Grande do Norte.

Os diversos movimentos que atravessam a formação de professores, os marcando e compondo o conjunto de suas experiências narráveis, são também, de algum modo, formação. Desse ponto de vista, é possível considerar uma perspectiva de formação docente que não somente a consagrada e usual, aquele que ocorre em cursos formais, mais outra mais ampla que trate “essa formação como uma formação de sensibilidades” (MORAIS, 2017). Esses processos de formação de sensibilidades, no entanto, são sempre inalcançáveis, inacessíveis e indizíveis em sua plenitude – e sempre o serão. Contudo, entendemos que seja possível atribuir signos e significados plausíveis que falem sobre os modos de se formar, modos de se subjetivar.

A escuta atenta dos relatos orais dos professores interlocutores deste estudo revela que o processo de “formação acadêmica” deles é marcadamente atravessado pelo fenômeno dos

deslocamentos de populações nordestinas em busca de melhores condições de vida. Nos relatos destes professores a ideia de deslocamento aparece com frequência, a professora Santilia, por exemplo, lembra que nasceu na cidade de Valença do Piauí (estado do Piauí), em 1952, e em 1956 deixou sua cidade natal rumo ao Maranhão. Já a professora Adelícia relata ter nascido no povoado do Lago Grande, em 1960, mas que seus pais vieram da região de Barra do Corda (estado do Maranhão) e São Domingos do Maranhão (estado do Maranhão). A professora Maria Helena também nasceu no povoado do Lago Grande, mas seus pais vieram da cidade de Arraial (estado do Piauí). O professor Manoel Fábio nasceu no povoado Lago Grande e seus pais são da região de Barra do Corda. E a professora Silza nasceu em Imperatriz (estado do Maranhão), mas seus pais vieram do Piauí.

As memórias do deslocamento explicitadas nos relatos orais desses professore estão ligadas ao fato de que os avós e pais desses professores tomaram parte no movimento conhecido como “frente nordestina de ocupação das terras maranhenses” (TROVÃO, 2008). Esta frente de ocupação se inicia, ainda que timidamente, na primeira década do século XX e se intensifica nas décadas posteriores até os anos 90 quando há uma redução do fluxo migratória para o Maranhão. A penetração de populações nordestinas em terras maranhenses se deu por três portas de entradas principais uma “via marítima, cuja a entrada se fez pelo Porto de Tutóia e as outras duas pelo Vale do Parnaíba, tendo com entra Floriano e Teresina” (TROVÃO, 2008, p. 24). Ainda segundo Trovão (2008), depois de entra no território maranhense essas populações se dirigiam, sobretudo, para regiões onde ainda havia terras livres e onde a presença de chuvas era mais frequente, essa ideia é corroborada pelos relatos de moradores da região estudada que pontuam como fator que marca a chegada dos primeiros habitantes na região de São José dos Basílios e Lago Grande exatamente a presença abundante de águas e terras livres.

O movimento de alteração nos quadros políticos (locais, regional e federal) e naturais tive implicações diretas nesse movimento de ocupações das terras maranhenses pelos nordestinos. O fenômeno das secas e os projetos político-administrativos de integração nacional e de colonização do interior do Brasil marcaram decisivamente esse movimento de ocupação.

O fenômeno das secas causou, ao longo da história, fortes impactos sociais, políticos, culturais, econômicos e ambientais no Nordeste. Desde a ocupação das terras nordestinas no século XVI se tem notícias da ocorrência desse fenômeno, segundo os registros de historiadores e pesquisadores de várias áreas do conhecimento foram várias as secas que ocorreram no Nordeste. Para se ter uma ideia, “desde 1559, quando o Padre Serafim Leite fez anotações sobre a primeira seca, em terras do Sertão da Bahia (...) até 2011, ocorreram 72 secas no Nordeste brasileiro” (CARVALHO, 2012). Como o aumento da densidade populacional da região, ao

longo dos últimos quatro séculos, as secas se tornaram mais frequentes e mais prejudiciais ao homem, por outro lado, nas últimas décadas um conjunto de políticas públicas e de ações da sociedade civil de combate as secas têm minimizado os impactos danosos desse fenômeno.

A região Nordeste e as secas estão tão intrinsecamente associadas que, inclusive, o termo “Região Nordeste” foi usada inicialmente, segundo o historiador Durval M. de Albuquerque Jr (2001), para designar a área de atuação da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), criada em 1919. Com isso, o discurso institucional cria o Nordeste como aquela parte do Norte que está sujeita às estiagens e que, por essa razão, deve receber atenção especial do poder público. Vale lembrar que até a década de 1920, a separação geográfica entre Norte e Nordeste ainda se encontrava em processo de concretização, por essa razão Albuquerque Jr. (2011) sugere que é só naquele momento (década de 1920) que começa a surgir nos discursos oficiais:

A separação entre a área amazônica e a área ‘ocidental’ do Norte, provocada principalmente pela preocupação com a migração de ‘nordestinos’ para a extração da borracha e o perigo que isto acarreta para o suprimento de trabalhadores para as lavouras tradicionais do Nordeste (ALBUQUERQUE JR., 2011, p. 68).

Nessa perspectiva, portanto, o Nordeste que se constitui, oficialmente, nos anos de 1910 – 1920 é em grande parte um filho das secas, um “produto imagético-discursivo de toda uma série de imagens e textos, produzidos a respeito deste fenômeno, desde que a grande seca de 1877 veio colocá-la como o problema mais importante desta área” (ALBUQUERQUE JR., 2011, p. 68).

Na segunda metade do século XIX, mais precisamente em 1877-79, houve aquela que é tida por muitos como a maior seca do Nordeste brasileiro, ela dizimou metade da população do estado do Ceará e quase todo o rebanho bovino (MAGALHÃES; DENYS; ENGLE, 2016). É importante lembrar que antes e durante o século XIX quase não havia estradas e não havia nenhum apoio sistemático das forças políticas aos flagelados pelas secas, com isso, retirantes “migravam a pé, andavam meses e meses e muito frequentemente morriam às margens dos caminhos (...) só no Ceará, 500.000 pessoas morreram por causa da seca de 1877-1879, além de outras 300.000 pessoas nas outras partes do Nordeste” (MAGALHÃES; DENYS; ENGLE, 2016).

Foi esse acontecimento catastrófico que despertou mais fortemente as populações e os políticos para a seriedade e gravidade do tema seca e “a partir de então teve início a formulação e aplicação de uma série de políticas públicas conduzidas pela ideia de formação de uma infraestrutura hídrica como diretriz ao desenvolvimento regional” (CAMPOS, 2012) e combate

aos impactos sociais das secas. Várias alternativas de políticas públicas foram propostas e implementadas ao longo do tempo, entre eles estão as políticas de “(...) açudagem (...), poços artesianos e tubulares, a transferência de água entre bacias hidrográficas e a construção de cisternas e outras ações pontuais” (CAMPOS, 2012).

Já no século XX, as severas secas de 1900, 1915, 1919, 1932, 1958 e 1979-83 continuaram a provocar desemprego, fome, sede, desnutrição e morte na região do semiárido nordestino. Em resposta as calamidades sociais intensificadas pelo fenômeno das secas o Governo Federal criou, em 1909, a Inspetoria de Obras Públicas Contra as Secas – IOCS, uma instituição permanente responsável pela construção e manutenção de obras de engenharia de combate a escassez de água. Mais tarde, em 1919, a IOCS foi transformada em IFOCS – Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas – e esta, em 1945, foi transformada no atual DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas. O DNOCS, hoje ligado ao Ministério da Integração Nacional, continuou executando as políticas de construção de açudes, estradas, pontes, portos, ferrovias, etc., mas também avançou nos estudos para o conhecimento da realidade social e econômica do Semiárido e da Caatinga.

A partir de 1945 foram criadas novas instituições de combate as secas. Estas instituições refletiam um novo entendimento mais amplo das variáveis que insidiam nos impactos das secas, pois até então as políticas tinham se concentrado na construção de estruturas físicas que minimizavam apenas a escassez de água. Assim, no final da década de 1940 foi criada a Superintendência do Vale do São Francisco – que hoje, chama-se Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (CODEVASF), e em 1952 foi criado o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), para ajudar a financiar as atividades econômicas da região e, finalmente, em 1959, impactados pelas consequências da seca severa de 1958, foi criada a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE54 com os objetivos de promover o desenvolvimento econômico da região e reduzir os impactos das secas. Tal desenvolvimento regional seria promovido através da criação de empregos vias industrialização da região e reorganização da economia para torná-la mais flexível e capaz de anexar regiões

54 A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, mais conhecida pela sigla Sudene, é uma autarquia

federal, subordinada ao Ministério do Interior, com sede em Recife, Pernambuco. O objetivo de sua criação foi a promoção e coordenação do desenvolvimento do Nordeste, região que para os fins da Sudene compreende os estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, e parte do território de Minas Gerais enquadrada no Polígono das Secas, e o território federal de Fernando de Noronha. O Presidente Fernando Henrique Cardoso resolveu extinguir a autarquia e, em 24 de agosto de 2001, foi criada a Agência de Desenvolvimento do Nordeste (ADENE). Durante a campanha presidencial de 2002, o candidato do PT, Luis Inácio Lula da Silva, prometeu extinguir a Adene e recriar a Sudene, assim como a Sudam. Cumprindo sua promessa, em 2007, recriou a Sudene e da Sudam (FGV CPDOC, 2017).

fronteiriças para abrigar as populações excedentes, especialmente as do Cerrados do oeste da Bahia e a Pré-Amazônia maranhense.

Em 1970 ocorre uma nova seca e a sociedade civil e as classes políticas se mobilizam novamente. Nesse novo contexto:

Governo Federal resolveu reprogramar os recursos do Nordeste e criar um Programa de Integração Nacional (PIN), além de um Programa de Redistribuição de Terras (Proterra). A solução para o problema dos deslocados da seca deveria ser, portanto, incentivar sua emigração para a Amazônia e, em paralelo, criar novas oportunidades no Nordeste – especialmente através da irrigação. Foram abertas estradas cortando o coração da Amazônia – incluindo a famosa Rodovia Transamazônica e a Rodovia Cuiabá-Santarém – e foram estabelecidos núcleos de colonização na Amazônia. Essa estratégia não perdurou por muito tempo, visto que a qualidade do solo sob a Rodovia Transamazônica não viabilizava a ocupação permanente para fins agrícolas (MAGALHÃES; DENYS; ENGLE, 2016, p. 30).

Uma nova grande seca ocorreu, em 1979-83, e levou a uma reavaliação das estratégias de ação do governo e a criação de “um ‘Projeto Nordeste’, que envolvia programas de desenvolvimento rural integrado, complementados por outros programas de saneamento rural, educação, saúde e reforma agrária” (MAGALHÃES; DENYS; ENGLE, 2016). Um dos principais financiadores desse “Projeto Nordeste” foi o Banco Mundial, que desde essa data inicia relações comerciais com os governos brasileiros e passa a apoiar financeiramente uma série de projetos de desenvolvimento no país.

Em 1990, outra seca levou a formulação de uma nova estratégia de ação das políticas de combate as secas. Com o apoio financeiro e técnico do Banco Mundial foram cridos

“projetos de desenvolvimento rural comunitário em que as comunidades locais – e não os governos estaduais - deveriam ser os principais responsáveis pelo planejamento e execução das ações” (MAGALHÃES; DENYS; ENGLE, 2016). Além disso, a partir da década de 1990 os esforços na área de gerenciamento de recursos hídricos da região foram intensificados, com a criação de novas instituições como a Companhia de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Cogerh) – no estado do Ceará -, e a Agência Nacional de Águas (ANA), que, embora tenha atuação nacional, tem também um foco na Região Nordeste e no problema das secas.

Na região do semiárido nordestino, quando ocorre uma grande seca a produção agrícola se perde, a produção pecuária é prejudicada ou dizimada e as reservas de águas superficiais se esgotam. Nessas condições, são as camadas mais pobres da população – sobretudo, as das zonas rurais -, que se tornam inteiramente vulneráveis e, como isso, a sobrevivência dessa população tem dependido, historicamente, das políticas públicas dos governos e do recurso à emigração para outras regiões ou para áreas urbanas do próprio Nordeste. O trabalho de Magalhães (2016)

nos dar uma ideia do estado de calamidade no qual se encontravam as populações nordestinas, na primeira metade do século XX, por causa das secas, neste texto o autor pontua que:

Em 1915, e depois em 1932, as autoridades governamentais resolveram criar campos de refugiados para ali manter as pessoas que migravam por causa das secas (...). Milhares de pessoas eram confinadas nesses abrigos, evitando-se assim (ou pelo menos reduzindo) a pressão sobre as cidades, que não estavam preparadas para recebê- los. Na prática, isso foi mais uma calamidade. Mesmo em 1958 ainda se praticou uma variante dessa estratégia. O autor deste capítulo visitou, nesse ano, a Hospedaria Getúlio Vargas, em Fortaleza: era um lugar onde os retirantes ficavam confinados, esperando a oportunidade de migrar para a Amazônia e torcendo pelo fim da seca. Era um quadro de dor e desespero (MAGALHÃES; DENYS; ENGLE, 2016, p. 26).

Intenso movimento migratório que marca as populações nordestinas ocorre tanto intrarregionalmente quanto extrarregionalmente. No primeiro caso, a migração ocorre geralmente por causa das secas, afetados pela estiagem, pequenos proprietários rurais, bem como posseiros e trabalhadores assalariados das fazendas que não têm acesso aos açudes e nem têm recursos para comprar água dos grandes fazendeiros migram do sertão árido para as áreas úmidas do litoral nordestino, nos locais onde se instalam, essas populações buscam trabalhos sazonais, esperando, tão logo a seca termine, para retornar aos seus lugares de origem. Esta forma de migração é considerada, pelos demógrafos, como temporária e reversível. No entanto, frequentemente, muitos migrantes resolvem não voltar para o sertão e se fixam nas cidades de grande e médio porte da região nordestina, como isso, tais migrantes acabam por sobreviver mediante trabalhos esporádicos, subempregos e morando em favelas, incrementando assim a população periférica e todos os problemas de ordem social das periferias das cidades.

A migração extrarregional, ou seja, a migração para outras regiões do pais tem sido uma constante na realidade das populações nordestinas. Por um conjunto diverso e complexo de fatores o Nordeste se tornou, sobretudo ao longo do século XX, uma área expulsadora da população mais pobre e, em muitos casos, esta expulsão foi financiada pelas próprias forças políticas locais e nacional. Para se ter uma ideia da magnitude dessa expulsão, de 1940 até 1995, a região do semiárido nordestina perdeu mais de 15 milhões de habitantes, que se dirigiram principalmente para as áreas do Sudeste, da Pré-Amazônia e da Amazônia, onde se formaram as frentes pioneiras (GASPAR, 2011). É importante ressaltar, no entanto, que:

A saída em massa de nordestinos está relacionada, predominantemente, às precárias condições de vida de grande parte da população, e ao agravamento das disparidades socioeconômicas entre as regiões brasileiras. Cabe salientar que os aspectos políticos, econômicos e sociais são muito mais determinantes, da significativa migração nordestina para outras partes do Brasil, do que propriamente os aspectos climáticos (GASPAR, 2011, p. 17).

A corrente migratória de nordestinos para o Maranhão, definitivamente, não se justifica apenas pelas secas ocorridas na região do semiárido brasileiro, mas também pelas mudanças na estrutura agrária dessa região, as condições de pobreza da população e pelos projetos político- administrativos de desenvolvimento do país. Tais projetos se tornaram a palavras de ordem no pensamento político brasileiro do início do século XX, a razão desta primazia dos projetos de desenvolvimento está, em parte, no fato de que até os anos de 1930 o país era visto “como uma sociedade tradicional, um país rural, agrário-exportador, com poucas

‘gentes’ e muitos ‘vazios territoriais’ a desbravar e ocupar” (FERREIRA, 2015). Com isso, as forças políticas empenhadas em mudar a imagem do país elaboram uma série de projetos com vista a esse fim e assim, “o período de 1930 a 1964 é marcado pelo projeto de realização de uma utopia: a conquista dos sertões, o preenchimento dos espaços supostamente vazios que levaria ao desenvolvimento e modernização da nação” (FERREIRA, 2015).

Nas primeiras três décadas do século XX a migração de nordestinos rumo aos vales úmidos do Maranhão se deu de forma “espontânea”, isto é, sem auxílio ou participação das forças políticas. Ao longo da década de 1930, no entanto, o governo do Maranhão, inspirado na utopia nacionalista de desenvolvimento do Estado Novo (1937 – 1945), realizou uma séria de obras de infraestrutura que viabilizaram indiretamente a intensificação do movimento migratório, digo indiretamente por que a intenção primeira de tais obras era o escoamento da produção agrícola e pecuária do estado. Das obras realizadas, em conjunto, pelo poder público estadual e federal a mais importante para o escoamento da produção e a circulação de pessoas foi, seguramente, a Estrada de Ferro São Luís – Teresina, iniciada em 1905, mas concluída semente em 1938. Além da Estrada de Ferro, no final da década de 1930, o estado possuía uma malha viária de 3768 Km de estradas carroçáveis, o que possibilitava o acesso mais fácil (de pessoas e mercadorias) a São Luís que era o grande centro consumidor e exportador do que era produzido e distribuidor do que era importado (FERREIRA, 2008).

A partir da década de 1950, uma séria de projetos com vistas a promover, ampliar o desenvolvimento e industrialização do país são idealizados, o Programa ou Plano de Metas do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902 – 1976), congrega esta séria de projetos e os canaliza principalmente para os setores de transporte, energia, indústria de base, alimentação e educação, sendo que os três primeiros são mais fortemente privilegiados no momento de execução das metas. No bojo desse Plano de Metas está a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, que tinha como objetivo promover e coordenar o desenvolvimento da região. A criação da SUDENE resulta, em parte, das consequências das secas e da percepção de que com a modernização do pais crescia a diferença econômica e social

entre o Nordeste e o Centro-Sul do país, o que exigia uma intervenção direta das forças política no sentido de mudar essa realidade.

No Maranhão, a SUDENE coordenou e supervisionou o I Plano Diretor Regional (1961), que tinha o objetivo de amplia a fronteira agrícola do país, absorver excedentes da força de trabalho rural do Nordeste e a ocupação das terras devolutas do noroeste maranhense, e o Projeto de Povoamento do Maranhão (1962), que tinha o objetivo de induzir a ocupação/colonização do Oeste maranhense (FERREIRA, 2015). Tais projetos cumpriam uma função estratégica para o governo federal que era a redução da evasão populacional do Nordeste aproveitando um fluxo migratório “espontâneo” que existia desde os primeiros anos do século