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DESENVOLVIMENTO E CAPITALISMO: ESBOÇO DE INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA

2.1.2 Momentos de síntese da acumulação capitalista: o desenvolvimentismo brasileiro

2.1.2.3 A Era Vargas

A Era Vargas, como ficou conhecido o período em que Vargas esteve no poder por 15 anos, portanto de 1930 até 1945, marca um ciclo importante da história do desenvolvimentismo brasileiro. A estratégia de incentivar a diversificação das atividades produtivas foi aos poucos mostrando resultados, ao mesmo tempo em que Vargas consegue conciliar-se com a oligarquia cafeeira federalizando, por exemplo, os problemas do café quando transfere as responsabilidades do Instituto do Café do Estado de São Paulo para o Conselho Nacional do Café.

A estratégia de substituição de importações, embora não seja criação do legado varguista, assume nesse momento uma expressão particular para o projeto de desenvolvimento. A crise de 1929 dificulta as importações, ao mesmo tempo em que encontra uma indústria de base com sinais de expansão, sobretudo, no eixo Rio-São Paulo e uma capacidade ociosa de vários setores, principalmente o têxtil. Contudo, tais dificuldades não atestam a desintensificação industrial. Ao contrário, as taxas de crescimento anual da indústria seguem superando o crescimento da agricultura (FURTADO, 2003)302. (Tabela 1).

300 FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2003. 301 Id., ibid.

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Tabela 1 - Taxas anuais de crescimento econômico – Brasil – 1920 a 1945

Anos Agricultura Indústria

1920 – 1929 4,4% 2,8%

1933 – 1939 1,7% 11,2%

1939 - 1945 1,7% 5,4%

Fonte: DINIZ, Eli. Empresário, estado e capitalismo no Brasil 1930-1945, p.67. Apud FAUSTO, Boris. Ob. Cit., 2003.

As taxas de crescimento anual da indústria nos permitem entender melhor o processo de industrialização posterior a 1930. Elas indicam um considerável avanço entre 1933 e 1939 e um ímpeto menor entre 1939 e 1945. Isso significa que a indústria se recuperou rapidamente dos anos de depressão iniciados em 1929, apesar de não se poder falar de uma consistente política industrializante, por parte do governo. (FAUSTO, 2003, p. 391).

A não renovação do equipamento industrial e as perturbações no comércio internacional, resultantes do início da Segunda Guerra Mundial, concorreram para que as taxas de crescimento caíssem entre 1939 e 1943. Lembremos porém que esse foi um período importante, do ponto de vista qualitativo, para a sustentação do processo de industrialização e sua expansão no após-guerra (Id., Ibid.).

Mas a intenção da Aliança, já anunciada na campanha, de diversificar a produção para além da prioridade que se dava ao café, transforma-se em realidade, sobretudo, numa produção agrícola voltada também para o mercado interno. O algodão, por exemplo, aumenta sua importância devido ao incentivo que se oferta à indústria têxtil e a produção de arroz, feijão, carne, açúcar, mandioca, milho e trigo sobe de 36%, em 1925-1929, para 48,3%, entre 1939 e 1943, no valor total das lavouras brasileiras.

Também como parte do núcleo duro dessa primeira fase do desenvolvimentismo varguista, os investimentos em infraestrutura não passaram ao largo das estratégias do governo. Com a Vale do Rio Doce, a Cia. Siderúrgica Nacional, entre outras empresas e medidas, a diversificação das atividades industriais foi impulsionada, fazendo com que novas atividades de base, como metalurgia, mecânica, material elétrico e material de transporte aumentassem sua participação no valor adicionado da indústria303.

O traço distintivo deste e do outro período varguista, o de 1951 a 1954, foi sem dúvida a ampliação do entendimento acerca das estratégias e alcance da política econômica. Isto é, Vargas não tarda a descobrir, como já fizera no governo do Rio Grande do Sul, que a aliança

303 Valor adicionado representa a diferença entre o valor da matéria-prima e o valor final do produto, resultante do processamento industrial. Fausto (2003, p.393) reforça: “As indústrias tradicionais — principalmente têxtil, vestuários e calçados, alimentos, bebidas, fumo e mobiliário —, apesar de constituírem ainda 60% do valor adicionado da indústria, tiveram sua participação relativa diminuída, pois, em 1919, representavam 72% desse valor. O crescimento das indústrias química e farmacêutica — inclusive perfumaria, sabões e velas — foi extraordinário, triplicando sua participação entre 1919 e 1939”.

189 com a classe trabalhadora é capaz de surtir efeitos maiores e melhores para o seu governo e para seu projeto de desenvolvimento do que aquelas medidas afetas ao âmbito da coesão social, de caráter positivista-funcionalista que utilizara no Rio Grande do Sul.

Desse modo, potencializa o aspecto estruturante das políticas sociais, pois nelas estão contidas as formas essenciais de reprodução social com impactos diretos, como já dissemos, na coesão social, mas também na sustentação de uma economia cujo mercado precisa se versatilizar. Porém, atenção: o aspecto estruturante das políticas sociais, tanto no varguismo quanto em outros momentos na história do capitalismo mundial, só se evidenciam ao se descortinar o mito de que a política social e a política econômica formam unidades distintas ou antagônicas. Ao contrário,

Compondo uma unidade, tanto a política econômica quanto a política social podem expressar mudanças nas relações entre as classes sociais ou nas relações entre distintos grupos sociais, existentes no interior de uma só classe. De outra parte, através de ambas aquelas políticas, é possível evidenciar-se a atuação do Estado no sentido de incentivar e ampliar o capitalismo monopolista no Brasil. Porém, embora constituindo um todo, elas formalmente se distinguem e às vezes dão a enganosa impressão de que tratam de coisas bem diferentes. (VIEIRA, 1983, p.10)304.

[A Política Social] Trata-se de estratégia voltada para o chamado desenvolvimento econômico e, consequentemente, para atuar na correlação de forças sociais, segundo as determinações daquele desenvolvimento. Considera-se, portanto, que qualquer política social aplicada pelo governo representa de certa maneira as relações entre o Estado e a Economia, durante a época em questão. Assim como a política econômica, também a política social revela, em seu nível lógico e em seu nível histórico, as transformações havidas nas relações de apropriação econômica e no exercício da dominação política, presentes na sociedade brasileira. (Id., Ibid., p.10)305.

Desse modo, a Educação, como política social, passa a ocupar lugar estratégico na agenda governamental, com o intuito de potencializar a formação de cidadãos capazes de responder ao ciclo de desenvolvimento proposto com a criação, em novembro de 1930, do Ministério da Educação e Saúde. Preocupação parecida invade a área da Saúde, que começa a contar com medidas de implantação de uma política sanitária voltada, sobretudo, aos mais pobres. Mas é mesmo no campo da política trabalhista que Vargas imprime sua marca na agenda social.

Entendendo o caráter político que reveste o mundo do trabalho, o primeiro governo Vargas associa a institucionalização de direitos trabalhistas à repressão a partidos e

304 VIEIRA, Evaldo. Estado e miséria no Brasil de Getúlio a Geisel 1951 a 1978. São Paulo: Cortez, 1983.

190 organizações de esquerda, com um foco todo especial no Partido Comunista Brasileiro (PCB). A criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio envolve a criação das Leis do Trabalho e a regulação estatal da ação sindical, enquadrando a liberdade associativa dos trabalhadores e criando o sindicalismo patronal e de Estado.

Esses 15 anos de poder varguista não foram mantidos facilmente. Vários acontecimentos de caráter político o marcaram, mas todos relacionados aos experimentalismos econômicos que ali se aplicaram: a Constituição de 1934, que institui o federalismo, anuncia eleições diretas e secretas a partir de 1938, o voto feminino, a representação classista no congresso e os direitos trabalhistas. De 1934 a 1937, o governo constitucional amplia seu braço repressor com duras ofensivas contra organizações da esquerda comunista, dando finalmente um golpe, em 1937, cancelando as eleições previstas para 1938 e instituindo a ditadura do Estado Novo306.

De inspiração fascista, a Constituição de 1937 centraliza o poder nas mãos do Presidente, que suprime partidos, suspende as atividades do parlamento e cerceia a liberdade de expressão e imprensa com a criação de um departamento estatal voltado à censura.

Ainda assim, Vargas mantém o ritmo das reformas econômicas e sociais numa clara demonstração de que o desenvolvimento capitalista só não pode abrir mão do trabalho livre, mas pode fazê-lo com a democracia. Assim, cria o salário-mínimo, em 1940, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, e mantém o controle sobre a atividade sindical. Portanto, concluímos que:

No Brasil (...) não se pode falar de política social sem se remeter à questão do desenvolvimento econômico. No âmbito do capitalismo, tal desenvolvimento representa transformação quantitativa e qualitativa das relações econômicas, decorrente de processo de acumulação particular de capital. A situação favorável a este desenvolvimento é gerada não somente pela denominada iniciativa privada, mas também pela atuação do governo. Portanto, sendo fundamental a participação do Estado brasileiro no processo de desenvolvimento econômico, facilmente se percebe a relevância das várias políticas adotadas por ele, em especial a nível econômico e a nível social (VIEIRA, Ibid., p.10)307.

O processo de industrialização teve prosseguimento com a substituição de importações nos setores de bens de consumo não duráveis e de bens intermediários. O Estado, como indutor desse processo, cria a Companhia Vale do Rio Doce, a Siderúrgica Nacional e uma empresa para refino do petróleo.

306 O que nos permite falar em Estado Corporativo. Segundo. O demiurgo do Estado Corporativo no Brasil foi Oliveira Vianna. Vargas enquadra-se, então, como um gestor da “máquina pensada por Vianna”. (In: VIEIRA, Evaldo. Autoritarismo e corporativismo no Brasil: Oliveira Vianna e Companhia. São Paulo: Cortez, 1981.).

191 Mas foi mesmo a dubiedade de Vargas no plano interno (a associação do paternalismo estatal com a repressão) e externo (a demonstração de simpatia pelo fascismo italiano sem ruptura com a política e o governo norte-americanos) que levariam os militares a derrubar, em 1945, ano que coincide com o fim da II Guerra Mundial, a ditadura varguista308.

Nesse interregno, Dutra vence as eleições de dezembro de 1945 e fica até a volta de Getúlio, pelo voto, em 1951.

Ao voltar à Presidência pelo voto, Vargas encontra um País diferente daquele que deixara em 1945. O intervencionismo estatal no campo econômico-financeiro deveria ser redimensionado e isso já era por ele anunciado desde a campanha. O controle da inflação, o desequilíbrio no balanço de pagamentos, que impedia o aumento da capacidade de importação, a redução dos investimentos em infraestrutura, dentre outras situações da ocasião, legitimaram o nacionalismo econômico que já implementara antes e que agora deveria ser revisitado.

Por tudo isso, o governo getulista precisou intervir vigorosamente no domínio econômico, apresentando em 1951 o Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico – Plano Lafer, cujos recursos procederiam do Fundo de Reaparelhamento Econômico, que seria dirigido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), criado em 1952 (...) O plano propunha investimentos em indústrias básicas, nos setores de transporte, de energia, de frigoríficos e na agricultura, durante cinco anos (Vieira, Ibid., p. 32)309.

Isso não significou, porém, um abandono, por Vargas, da iniciativa privada. Utilizando de sua capacidade de conciliação já exaustivamente comprovada, o estatismo varguista incomodava em níveis toleráveis a classe proprietária brasileira, afinal, tanto em seus discursos quanto nos conteúdos do próprio plano ficavam evidentes os ganhos tanto para industriais

308No campo marxista, prevalecem as teses que identificam Vargas como “bonapartista”, em detrimento das perspectivas que o enquadram como uma variação do fascismo. Ruy Mauro Marini, em A dialética do

Desenvolvimento Capitalista no Brasil (In: SADER, Emir (Org.). Dialética da dependência. Uma antologia da obra de Ruy Mauro Marini. Petrópolis: Vozes/ Laboratório de Políticas Públicas (LPP), 2000), esclarece essa definição. Associa-se, à leitura de Marini, os escritos de Trotsky sobre “bonapartismo” nos trabalhos de Ianni e Weffort sobre o “populismo”. (In: DEMIER, Felipe. Trotsky e

os estudos sobre o populismo brasileiro in outubro. São Paulo, 2005. p. 59-78 e ____. Do movimento operário para a universidade: Trotsky e os estudos sobre o populismo brasileiro. Dissertação

(Mestrado)- PPGH/UFF. Mimeografado). Nesses textos, além de elucidações sobre o Vargas “bonapartista” também fica claro o significado do “populismo” que é atribuído ao seu governo.

309 Neste momento em que uma das estratégias do desenvolvimentismo tradicional consiste em criar e/ou fomentar órgãos estatais que funcionem tanto como agentes indutores das atividades produtivas e financeiras, preconizadas pelo projeto de desenvolvimento, quanto como empresas estatais com capacidade de produção e concorrência maior do que as das empresas atomizadas no âmbito privado. Deste modo, Vieira (1983) nos lembra da criação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE), da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), do Plano Nacional de Eletrificação e Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobras), dentre outras empresas menores.

192 quanto para agricultores. A defesa era, sobretudo, para uma maior produção de bens, de modo a diversificá-la cada vez mais reduzindo a importação de produtos aqui fabricados.

O protecionismo também foi praticado, nessa fase, sob a justificativa de que a indústria brasileira ainda não possuía condições de competir em pé de igualdade com as estrangeiras. Quando isso acontecesse, o Estado retiraria gradativamente seu intervencionismo. Esse protecionismo veio associado ao incentivo à produção de matérias-primas necessárias à alimentação da indústria de bens de consumo.

A marca social de Vargas permanece também nessa segunda fase, contudo, desta vez, parece centrar esforços naquilo que de fato surtirá efeitos mais imediatos no plano de desenvolvimento econômico. O ensino técnico-profissionalizante cresce; o incentivo à contratação de mão de obra mais qualificada também cresce; os setores de serviços e de assistência técnica são também incentivados; tudo isso é pensado para também interferir nos níveis inflacionários e na redução do custo de vida, sendo, este último, um problema recalcitrante nos discursos de Vargas. Só o salário-mínimo, a invenção de que mais se orgulhara, aumenta quatro vezes, sob sua gestão, o que não reduz a pressão inflacionária, embora compense as perdas parciais no poder aquisitivo da população pobre. Essa contradição leva o governo a formular um programa de combate à inflação, o Plano Aranha:

Já havia, sem dúvida, desde 1952, severa condenação à elevação dos preços das mercadorias no primeiro ano do governo de Getúlio. Dizia-se que, para enfrentar o aumento nos preços, “apenas aumentou o salario mínimo, que só atinge a parte muito pequena da população”. Subira no Rio de Janeiro, por exemplo, o preço de inúmeros produtos (...) Também ficaram mais caros os alugueis de casa, bem como as passagens de bondes, de ônibus e de trens. Um exame do primeiro ano do governo de Vargas indicava como único possível êxito o “recuo das emissões”. Colocando em dúvida até mesmo esse resultado, ressaltava que as reservas cambiais quase chegaram ao fim, enquanto se registrava um déficit de três bilhões de cruzeiros na balança comercial, sem formar-se estoques importantes em gêneros de primeira necessidade (...) (Vieira, Ibid., p. 35-36)310.

A formulação de planos emergenciais parece ser não só uma forma predominante de resposta governamental aos problemas do desenvolvimento socioeconômico no Brasil como, por aqui, se institui como um pilar dos nossos ciclos desenvolvimentistas, pois é o que se nota de Vargas a Dilma311. No caso da alteração de rota provocada pelo abandono do Plano Lafer e a adoção do Plano Aranha — analogamente à substituição de um ministro da Fazenda por outro, Horácio Lafer por Oswaldo Aranha — fica evidente a ausência de um projeto maior e consistente de desenvolvimento que pressuporia um modelo de Estado e dele o modo como este

310 VIEIRA, Evaldo. Ob. Cit., 1983.

193 Estado estabeleceria suas relações com a sociedade no seu conjunto. Por isso, o Plano Aranha é duramente criticado pelas oposições, sobretudo por não responder a medidas consideradas necessárias pela ortodoxia econômica como a restrição de crédito e nova sistemática de controle cambial.

Vargas insiste no seu nacionalismo econômico, alegando que todas suas medidas visavam a conquista da autonomia econômica e financeira do Brasil, desagradando sempre os investidores estrangeiros aqui instalados; mas como suas provocações nacionalistas não extrapolavam o âmbito do discurso, a política econômica de relações internacionais seguia seu curso. Na prática, o que se fazia era sempre o acolhimento do privado e estrangeiro como necessário ao desenvolvimento do público e nacional:

A emancipação econômica seria obra do trabalho e de capitais brasileiros, ao menos no principio com a ajuda do capital estrangeiro. Pelo fato de os investimentos externos figurarem como apoio, seria impossível admitir, segundo Vargas, compromissos nacionais indevidamente contraídos, bem como transferência para fora do país de lucros oriundos de capitais nacionais. Getúlio entendia a emancipação econômica como um perene processo de desenvolvimento, e sua noção de industrialização abrangia o desenvolvimento econômico. Portanto, realizar o desenvolvimento econômico suscitava o desígnio de emancipação econômica do Brasil, além de significar predominantemente industrializa-lo. A trajetória ideológica de Getúlio mostrava então que a industrialização conduziria diretamente ao surgimento de um capitalismo nacional312, com a consequente emancipação

econômica da nação (VIEIRA, Ibid., p. 38).

A conjuntura desse segundo governo Vargas não é a mesma do Estado Novo, e nem poderia sê-la. Portanto, a manutenção de sua ideologia nacionalista se restringe àquilo que é fundamental ao fortalecimento da indústria, entendido por Vargas como o meio mais eficaz de se alcançar a tal autonomia, afinal, a liberal-democracia em vigor parecia não abrir espaço para um Estado autocrático burguês como fora o Estado Novo.

No plano internacional, um conjunto de dificuldades coloca-se no caminho de Vargas, em especial no âmbito das relações com os Estados Unidos. Embora os investimentos norte- americanos no Brasil não tenham diminuído, entre 1950 e 1954, o aumento de remessas para o estrangeiro decorrentes dos lucros de seus investimentos por aqui aumentavam a níveis insuportáveis. A exportação do café não estanca seus níveis de queda e o combate à inflação se torna mais difícil. Tudo isso com rebatimento direto nas condições de vida da população brasileira, dificultando a manutenção da euforia nacionalista.

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Mas é preciso ressaltar que a inviabilidade deste nacionalismo, e do próprio governo getulista em continuar, não se explica apenas pelas dificuldades oriundas da crise econômica interna e pelos embaraços nascidos do investimento estrangeiro. Explica- se, sobretudo através da enorme capacidade de pressão sobre o poder instituído, atingida pelos grupos mais conservadores da sociedade brasileira, frontalmente contrários ao nacionalismo econômico e à participação das massas populares no jogo político, mesmo segundo o estilo getulista. Se bem que por pouco tempo naquela época, a mobilização política em benefício do nacionalismo de Vargas sofreu o impacto da agitação do radicalismo conservador (VIEIRA, Ibid., p. 41).

O conservadorismo reinante na época de que estamos tratando apresenta resquícios fortes tanto de um legado colonialista (e coronelista, por assim dizer) quanto traços dominantes de perspectivas fascistas. Portanto, não é difícil perceber porque as mudanças provocadas por Getúlio, sobretudo, no campo social-trabalhista, mas também de modo claro na estrutura jurídico-política do Estado, incomodavam tanto a esses setores. A ideia de progresso social, sempre presente nos discursos de Vargas, remetia diretamente à noção funcionalista de paz ou harmonia social e que pressupõe, para sua realização, um pacto relativamente estável entre classes e frações de classes sociais. O modelo desenvolvimentista do segundo Getúlio, deste modo, aprofunda essa concertação da relação entre o Estado e as classes, promovendo uma relativa ascensão das classes populares no jogo político, tanto pela sua importância como base de sustentação da estrutura produtiva necessária ao desenvolvimento pelo trabalho, quanto pelo discurso e incorporação das suas necessidades de reprodução social no âmbito do Estado com inflexões no mundo do trabalho privado313.

O suicídio de Vargas, em 1954, põe fim ao nacionalismo peculiar que inaugura314, mas não ao nacionalismo em geral, pois as bases de um desenvolvimentismo brasileiro já estão dadas e não serão desperdiçadas por Juscelino Kubistchek em seu Plano de Metas para o desenvolvimento e a tentativa de consolidação de um capitalismo brasileiro de tipo moderno.