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DESENVOLVIMENTO E CAPITALISMO: ESBOÇO DE INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA

2.1.2 Momentos de síntese da acumulação capitalista: o desenvolvimentismo brasileiro

2.1.2.1 Expressões inaugurais: protoformas

No Brasil, a substituição de um padrão de desenvolvimento por outro, ancorada no que se evolui nas forças produtivas, é um componente que podemos perceber, ao passar em exame aquilo que os historiadores chamam de Movimentos de Rebeldia, já no período Colonial273. Ou, se tomarmos a defesa da industrialização, como mote principal desse desenvolvimento, encontraremos em Alberto de Seixas Martins Torres, o Alberto Torres (1865 – 1917), ou em Rui Barbosa de Oliveira, o Rui Barbosa (1849 – 1923), ideias precursoras de um desenvolvimentismo de tipo brasileiro (FONSECA, 2004)274 .

Nas revoltas nativistas, ou nas revoltas emancipacionistas, dois elementos que se tornarão típicos do desenvolvimentismo brasileiro se destacam, embora, nas segundas, de uma forma mais acabada que nas primeiras: o nacionalismo e o liberalismo.

O confronto entre as perspectivas de desenvolvimento que emergem nas revoltas emancipacionistas contra os comandos portugueses trouxe consigo a ideia da soberania nacional e, com isso, confrontaram o principal empecilho ao desenvolvimento imposto pelos portugueses: o avanço do trabalho livre. A incorporação do trabalho livre, bem como a

273 As lutas contra o controle monopólico da Coroa Portuguesa tinham a influência das insurreições libertacionistas internacionais, mas, no Brasil, foram acrescidas de componentes locais. A Revolta de Amador Bueno, em 1641, em São Paulo, é um marco no chamado movimento nativista, seguida depois da Guerra dos Emboabas, em Minas Gerais (1707 a 1709); da Revolta dos Mascates, em Pernambuco (1710 a 1711); e dos Motins do Maneta, na Bahia (em 1711, houve dois motins, um em outubro e outro em dezembro). Esses movimentos foram marcados por “reivindicações” muito pontuais contra a Coroa Portuguesa, mas já demonstram divergência de interesses no que tange às formas de exploração da riqueza brasileira ou, em outros termos, sobre o modo de produção colonial. Representam uma espécie de ruptura, mesmo parcial, da fração da classe dominante naquele momento histórico. Às revoltas nativistas, seguem os chamados Movimentos Emancipacionistas, que, ainda que fossem motivados por questões pontuais, trouxeram consigo ideais de libertação mais claros. Muitos deles já difundindo a existência de uma “identidade brasileira” incapaz de ser subjugada por Portugal. Destacam-se, a Conjuração Mineira, de 1789; a Conjuração Carioca, de 1794; a Conjuração Baiana, de 1798; a Conspiração dos Suaçunas, em 1801; e a Revolução Pernambucana; de 1817. (In: FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2003).

274 FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Gênese e precursores do desenvolvimentismo no Brasil. Revista

Pesquisa & Debate, v. 15, n. 2 (26), p. 225-256, Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia

172 superação dos modos absolutistas da Coroa Portuguesa implicava uma revisão nas regras do comércio e da exploração de riquezas, ainda que o abolicionismo não tenha sido tema consensual entre os liberais do Brasil Colônia e uma parte da mão de obra já não era exclusivamente escrava.

O fato é que a emergência de um sentimento nacional legítimo surge pari passu com as reivindicações de um capitalismo mais moderno, pautado nos postulados liberais avançados que se assistiam em outros países. Esses postulados já pressupunham, além da industrialização (no caso brasileiro, se tratava de uma defesa da indústria), o intervencionismo estatal como seu meio indutor e o estabelecimento de relações mercantis internacionais de cunho expansionista.

O mercado interno – industrial e agrícola – seria, nessa lógica, a força motriz de uma economia que deveria articular-se e não opor-se aos mercados complementares estrangeiros. Evidentemente que essas ideias, no Brasil, não se tornaram de pronto hegemônicas, contudo, os defensores da indústria de base275 tinham no nacionalismo um potente álibi ideológico, que poderia ser fortalecido com o auxílio de um Estado mais liberal e menos absolutista.

Dos industriais nacionalistas mais radicais aos mais moderados, a defesa da estruturação da indústria brasileira com o apoio do Estado relegara a segundo plano a política de mão de obra e as chamadas condições institucionais, que incluem “os processos sociais, políticos e culturais (...) essenciais à interpretação dos processos econômicos e, (...) os modos de apropriação, as estruturas de dominação, as relações de classe, o imperialismo e suas modalidades recentes” (IANNI, 1989, p. 11)276, entre outras, não são sequer mencionadas. Cipriano José Barata de Almeida (1762 – 1838), o Cipriano Barata, destaca-se como porta-voz desse nacionalismo liberal influenciando a imprensa e a política de sua época277 e inaugurando uma espécie de xenofobismo tupiniquim.

Corroborando suas ideias, Manuel Alves Branco (1797 – 1855), então ministro da Fazenda implanta, em 1844, a considerada primeira medida protecionista brasileira. A Tarifa Alves Branco, como ficou conhecida a medida, aumentou as taxas de importação de uma série de produtos sem similares nacionais para 30% e os com similares nacionais para 60%, despertando a ira de fornecedores europeus, sobretudo os britânicos, e da decadente aristocracia brasileira, que passaria a pagar mais caro para ostentar seus bens importados.

275 Indústria de base é a que produz o material que sustenta outras indústrias ou empresas, que podem ser as próprias máquinas ou mesmo a matéria-prima.

276 Ianni está se referindo ao processo de expansão controlada das forças produtivas, em que o mercado impede a criação de uma espécie de capitalismo de Estado, de modo a favorecer que o intervencionismo estatal incida no aumento exponencial da acumulação de capital. Na era Kubistchek, isso é mais visível, contudo, no período a que estamos nos referindo, as características fundantes dessa dinâmica já estão dadas.

277 Neste sentido consultar: LEITE, Renato Lopes. Republicanos e libertários. Pensadores radicais no Rio de Janeiro (1822). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000; SODRÉ, Nelson Werneck. A história

da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966; e VIANNA, Hélio. Contribuição à história da imprensa brasileira (1812-1869). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945.

173 Na intenção de equilibrar a balança comercial, acaba por induzir a substituição de importações ao mesmo passo em que desperta um ciclo monopolista de industrialização aproveitado estrategicamente pelo barão de Mauá, como já nos é de conhecimento278. Em 1860, o governo cede à pressão externa e reduz as tarifas.

Embora praticadas em outros países, essas medidas foram consideradas avançadas demais para a época, por alguns brasileiros, e, por isso, encontraram todo tipo de resistências. A principal delas vinha da burguesia agrária que, embora também fosse signatária do nacionalismo, não via nessas medidas a vocação para o desenvolvimento brasileiro independente. Ao contrário, se havia um setor que deveria funcionar como mola propulsora do desenvolvimento, este não era o industrial, mas sim o agrícola, verdadeira vocação de um país com tantas riquezas naturais como o Brasil. O setor primário encontrava sua defesa em Alberto Torres (1865-1917), Américo Werneck (1855-1927) e Eduardo Frieiro (1889 – 1982), só para citar os mais conhecidos.

A marca do nacionalismo agrário consistia em enaltecer o setor primário como a vocação da economia brasileira, em associação a certo ufanismo que glorificava a natureza privilegiada do país. Assim, com base na ideia de vantagens comparativas279, aconselhava-se a especialização primária devido ao fato de os recursos naturais serem fator abundante, enquanto a mão de obra e capital eram escassos. Américo Werneck, mineiro autor de diversas obras sobre temas econômicos publicadas principalmente na última década do século XIX, na mesma linha de Alves Branco, não via oposição entre agricultura e indústria, mas entendia que o governo deveria concentrar mais atenção na primeira, condenando o crescimento da época do Encilhamento280 como artificial e responsabilizando o protecionismo como causa da inflação (FONSECA, 2004, p.5)281.

Fonseca refere ainda que, além de Werneck, Eduardo Frieiro negava a urbanização, o protecionismo e a inflação, aspectos que associava à sociedade industrial e que emergiam em

278 CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

279 Grifo nosso. A teoria das vantagens comparativas foi formulada por David Ricardo (1772-1823) em seu livro The Principles of Polítical Economy and Taxation. Para ele, os países não precisam possuir iguais condições de produção para realizar transações no comércio internacional. Dois países podem beneficiar-se com o comércio, se cada um tiver uma vantagem relativa na produção. Ou seja, a razão da produtividade é determinante para o comércio e não os custos absolutos da produção. Os países exportarão os bens produzidos com o trabalho interno de modo relativamente eficiente e importarão bens produzidos pelo trabalho interno de modo relativamente ineficiente, ou seja, o padrão de produção é determinado pelas vantagens comparativas.

280 Grifo nosso. Encilhamento é como ficou conhecida a política econômica de marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente de nossa República, que visou “superar” a falta de dinheiro circulante no País com o incentivo à indústria e ampliação das formas de emissão de papel-moeda. O resultado não foi só apenas a colocação no mercado de muito mais papel-moeda do que o necessário, sob o lastro da dívida pública como também a desvalorização da moeda (mil réis) pelo surto inflacionário que criara.

281 FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Gênese e precursores do desenvolvimentismo no Brasil. Revista

Pesquisa & Debate, v. 15, n. 2 (26), p. 225-256, Programa de Estudos Pós-graduados em Economia

174 detrimento da humana vida do campo. Alberto Torres, por seu turno, se dedicava ao mesmo ufanismo, acusando o capital estrangeiro de “dilapidar o país e drenar suas riquezas” (Id., ibid.).

Alberto Torres foi um dos ideólogos mais importantes a influenciar a geração nacionalista das décadas de 1920 e 1930, inclusive do Estado Novo, apesar de seu anti-industrialismo. Em momento em que os nacionalistas dividiam-se entre esquerda e direita em consonância à polaridade internacional entre comunismo e fascismo, ao mesmo tempo em que vários movimentos artísticos eclodiam, todos marcados por nacionalismos de diversos matizes – o Modernismo, a Antropofagia, o Pau-Brasil, o Anta -, Torres sempre perfilou-se ao lado mais conservador, embora repudiasse também o fascismo: qualquer receita para o Brasil não poderia vir de fora. Ufanista, enaltecia as matas virgens, as riquezas naturais e a superioridade da vida do campo, sugerindo que deveria “regressar o homem ao trabalho da produção – as indústrias da terra”, pois o “Brasil tem por destino evidente ser um país agrícola: toda a ação que tenta desviá-lo deste destino é um crime contra sua natureza e contra os interesses humanos”. (TORRES, 1938, p. 214 apud FONSECA, 2004, p. 6)282.

Não demora muito para que os defensores do desenvolvimento pela via da industrialização encontrem uma alternativa para acomodar seus interesses com os da burguesia nacionalista agrária. Diante dos postulados da recém-proclamada República e dos desdobramentos da crise do Encilhamento é inevitável a acomodação das frações de classe que compunham o bloco no poder.

Alguns [defensores da indústria] como Serzedelo Correa, general paraense e Ministro da Fazenda de Floriano Peixoto, mencionavam que o Brasil precisava romper sua situação colonial, própria dos países exclusivamente agrários. Como a maioria dos outros defensores da indústria, Correa não chegava a criticar a agricultura: defendia a complementaridade entre esta e as atividades industriais, não propunha a substituição de uma por outra (...) O grande vilão, objeto de críticas mais ásperas, era o comércio (FONSECA, 2004, p. 7)283.

Mas Correa não é uma voz ressoante. Os defensores da indústria são muito mais pragmáticos, embora recorram também a um tipo de nacionalismo como suporte ideopolítico que não rejeita o capital estrangeiro, ao contrário, muitos deles propõe a associação dos capitais nacional e estrangeiro como forma de alavancar a indústria (Id.).

282 TORRES, Alberto. O problema nacional brasileiro. Introdução a um programa de organização nacional. São Paulo, 1938.

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A maior parte dos defensores da indústria lamentava a omissão dos governos e propugnava maior intervencionismo, inclusive tarifas, mas julgava desaconselhável medidas radicais que pudessem prejudicar as relações com os grandes centros que, além de mercados consumidores, eram supridores tanto de bens de capital como de financiamento, todos realisticamente lembrados como indispensáveis à industrialização. (Id., ibid., p.8).

Podemos perceber aqui certa diferença entre esses republicanos “defensores da indústria” e seus antecessores. As práticas do livre comércio e a lei das vantagens comparativas são criticadas, sem a menor chance de conciliação entre as teses. O intervencionismo estatal em defesa da indústria é admitido e defendido em instituições importantes como a Associação Industrial do Rio de Janeiro ou no Senado da República284. Criticam o xenofobismo indicando que o País deve aprender com as experiências de outros países.

O pragmatismo desse grupo redunda também na defesa da revisão da política aduaneira e, de certa forma, limita suas aspirações ao aprimoramento da dinâmica e dos processos produtivos. Segundo Fonseca (2004, p.9), outro grupo é que demonstra preocupação com “o crédito, com o déficit público e com os empréstimos como elementos indispensáveis para alavancar a economia (...) e defendidos como política anticíclica, a la Keynes”. Estes são os chamados papelistas:

Sua importância muitas vezes é negligenciada, pois os nacionalistas e defensores da indústria são muito mais citados. Todavia não se deve subestimar sua importância, pois os papelistas afrontavam um principio basilar da política econômica clássica: o das finanças sadias, materializado pelo equilíbrio orçamentário. Enquanto os intervencionistas discutiam quando e em que condições poderia ou não o Estado intervir na economia, recorrendo a argumentos doutrinários ou axiológicos (...) os papelistas rompiam em algo mais simples: na operacionalização da política econômica, trazendo a baila menos os fins últimos da ação estatal e mais a forma com que esta é executada. (Id., ibid., p. 9).

Por isso, nas protoformas do desenvolvimentismo brasileiro, vamos encontrar um debate nada marginal sobre as diretrizes de conversibilidade da moeda, pois é na dinâmica da conversibilidade que reside o único ponto de consenso entre as várias correntes que pelejam pela condução do Brasil ao desenvolvimento: o equilíbrio das contas públicas285, mas é nela

284 Fonseca lembra do Manifesto da Associação Industrial do Rio de Janeiro, que cita os Estados Unidos como paradigma da convivência de um sistema protetor com o liberalismo de suas instituições, e lembra também do discurso de Amaro Cavalcanti no Senado, em 23 de julho de 1892, que recorre a autores clássicos como Adam Smith e Stuart Mill, mostrando que estes admitiam a intervenção governamental pró-crescimento.

285 Fonseca (2004, p. 9) lembra também que os papelistas tiveram atuação importante no debate que se fazia à época nas faculdades de Direito que polarizava “os jus-naturalistas, defensores do direito natural e

176 também que está a origem da contenda. Os papelistas enxergam dificuldades em se manter o padrão-ouro no Brasil, justamente por ser um País pouco monetarizado286.

Souza Franco (ministro da década de 1850), o barão de Mauá, os viscondes de Cruzeiro e de Ouro Preto, João Alfredo e o conselheiro Lafaiete estão entre os papelistas mais destacados. Não radicalizam contra os padrões de conversibilidade da moeda, contudo, defendem flexibilidade no uso do ouro como âncora, aumentando um pouco seu lastro, o que difere, por exemplo, de Rui Barbosa, que negava qualquer regra de conversibilidade (FONSECA, 2004). Em síntese, o autor afirma:

Para os metalistas, a prioridade da política econômica era a estabilização e a política cambial — e, portanto, a definição da taxa de câmbio —, seu epicentro. Defensores do padrão ouro, estabeleciam a relação entre política monetária e balanço de pagamentos: metais preciosos ingressariam naturalmente no país se a economia fosse saudável e qualquer oferta de moeda sem lastro causaria inflação. A política monetária deveria ser subordinada à política cambial. Via de regra os metalistas apoiavam-se nos grandes mestres da Economia Clássica, como Smith, Ricardo e Say. A taxa de juros era entendida como fenômeno real, a lá Ricardo, dependente da taxa de lucro. Maior oferta de moeda não alterava o nível de atividade (...). Já a preocupação maior dos papelistas, dos mais moderados aos mais radicais, era com o nível de atividade econômica. Sua pergunta mais frequente, qual o nível de oferta monetária mais condizente com o ânimo dos negócios, consistia verdadeira heresia para os metalistas. Mauá, um de seus primeiros defensores, defendia o que se convencionou denominar “requisito da elasticidade”: a oferta de moeda deveria ser flexível ou elástica a ponto de não interferir negativamente nas atividades produtivas. Menos teóricos e mais pragmáticos, apresentavam-se como coerentes com o bom senso: simplesmente o governo deveria ajudar, e não prejudicar a economia (FONSECA, 2004, p.12).

Esse debate trata, na verdade, de uma disputa pelo deslocamento do epicentro que permite controlar o equilíbrio econômico. Para uns, a taxa de câmbio, para outros — os papelistas —, a taxa de juros. A baixa monetarização do Brasil, um País predominantemente agrícola com uma forte cultura de entesouramento dificulta a circulação da moeda, assim:

de matriz liberal-iluminista e os positivistas” e que o orçamento equilibrado era, de fato, o único ponto de consenso entre eles.

286 O padrão-ouro é como ficou conhecido o sistema monetário que destacava a relação entre a moeda e os níveis de preço, obrigando os bancos a converter as notas bancárias por ele emitidas em ouro ou prata conforme o desejo de seus clientes. Isto é, a moeda passa a ser conversível, sendo referenciada nas reservas de ouro.

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O crescimento tornava-se a variável central da economia, uma vez que a política cambial deveria subordinar-se à política monetária, e esta às necessidades impostas pela produção. Assim, a conversibilidade era vista como uma medida artificial, prejudicial ao ânimo dos negócios; o câmbio alto não deveria ser buscado por uma conversibilidade artificial, mas pela prosperidade da nação. Daí decorria que as dificuldades do balanço de pagamentos não deveriam ser enfrentadas com medidas restritivas, mas com mais crescimento. (Id., ibid., p.11).

O autor reafirma que os papelistas, com as ideias aqui sumarizadas, representam um capítulo importante da história do desenvolvimentismo no Brasil. Em certa medida, antecipam o keynesianismo, mas são importantes também por

(...) romper com princípios básicos da teoria econômica convencional, afrontando dogmas quase consensuais, como a conversibilidade e o papel passivo da política monetária (...) por inaugurar uma concepção de política econômica que a torna responsável pelo crescimento: o Estado poderia e deveria atuar como agente anticíclico. Quebrada esta primeira barreira, no desenvolvimentismo ia-se além: a tarefa era o crescimento de longo prazo, capaz de gerar mudanças estruturais de maior vulto e reverter os péssimos indicadores sociais: o desenvolvimento. Embora não se propusesse ainda medidas de envergadura próprias ao desenvolvimentismo do século 20, como empresas estatais e bancos de desenvolvimento, enfocava-se por primeira vez a produção como a variável essencial da economia, a razão de ser da política econômica, subordinando a ela as políticas monetárias, cambial e creditícia. Redefinir este papel do Estado, ampliando-o, era imprescindível para a emergência do desenvolvimentismo. (Id., ibid., p. 11).

Todas as correntes — os nacionalistas, os defensores da indústria e os papelistas — voltam-se fundamentalmente para a economia, mas é na política que buscam pôr em prática suas ideias e ideais. Não há como ser diferente, pois mesmo os liberais mais radicais nunca abdicam totalmente do Estado como um agente que faz parte do jogo. Sendo assim, na esfera política, se dão as disputas entre os diferentes grupos, mas também entre protagonistas de um mesmo grupo, apresentando, deste modo, as variações internas que aqui, de modo muito breve, já apresentamos.

Ocorre que a esfera política brasileira nem sempre foi do modo como a conhecemos hoje. E essas iniciativas inaugurais do desenvolvimentismo brasileiro encontram um ambiente político estruturado de uma forma que influenciará as estratégias de desenvolvimento que se sucedem, pois é responsável, ao mesmo tempo, por um dos maiores problemas que o desenvolvimento brasileiro terá de enfrentar: as desigualdades regionais.

E isso não se dá apenas porque as regiões brasileiras desenvolveram-se de modo desigual, mas também porque nossa história construiu uma geopolítica desigual amparada, sobretudo na forte lógica estadualista presente na gênese da Republica e da Federação e, de

178 algum modo, como espólio de um Estado patrimonialista, a exemplo das Capitanias Hereditárias.

É nesse sentido que Fonseca (2004) destaca a importância de uma quarta corrente de pensamento contida nas protoformas do desenvolvimentismo brasileiro: o positivismo. Segundo o autor, essa corrente manifesta sua hegemonia no Direito positivo. Isto é, predominando, na Primeira República, partidos estaduais, predominam também Constituições estaduais. Desse modo, os positivistas, mesmo com diferenças internas, conseguem manter relativa unidade ideológica na formatação dessas Constituições e de todo o direito delas decorrentes287.

O positivismo político domina a cena nos grandes centros econômicos, como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, enquanto que, neste último, “através da liderança de Júlio de Castilhos, tornou-se ideologia oficial do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) e da