Dizemos que uma transforma¸c˜ao cont´ınua T : X → X de um espa¸co m´etrico compacto X ´eunicamente erg´odica seMT(X) consistir de um ´unico elemento.
Essa ´unica medida de probabilidade invariante ´e erg´odica, pois ´e ponto extremal de MT(X).
A ergodicidade ´unica est´a relacionada com o conceito topol´ogico de minimalidade, que passamos a descrever. Apenas restringiremos um pouco nossa hip´otese, pedindo que T seja um homeomorfismo.
Um homeomorfismoT :X →X´eminimalse para todox∈X a ´orbita{Tnx;n∈Z} dex, denotada por O(x), ´e densa em X.
Umconjunto minimaldeT ´e um conjunto fechado E comT E =E eT|E minimal.
Do Lema de Zorn segue que todo homeomorfismo tem um conjunto minimal.
O pr´oximo Teorema d´a maneiras alternativas de se formular a minimalidade.
Teorema 4.16. Se T :X → X ´e um homeomorfismo de um espa¸co m´etrico compacto, ent˜ao s˜ao equivalentes:
1. T ´e minimal.
2. E ⊂X fechado, T E =E implica E =∅ ou E =X.
3. Se U ´e aberto n˜ao-vazio ent˜ao S∞
n=−∞TnU =X.
Demonstra¸c˜ao.
(1) implica (2): Suponha que T ´e minimal e que E ´e um conjunto fechado, n˜ao-vazio satisfazendo T E=E. Sex∈E ent˜aoO(x)⊂E, ao mesmo tempo em que O(x) ´e densa em X. Logo E ´e denso em X, mas por ser fechado, E =X.
(2) implica (3): Seja U aberto de X n˜ao-vazio. Ent˜ao S∞
n=−∞TnU ´e aberto e E = X \S∞
n=−∞TnU ´e fechado, estritamente contido em X e T E = E, logo pela hip´otese E =∅.
(3) implica (1): Seja x∈X. Mostraremos que para todo y∈X e >0 existe n ∈Z tal que Tnx∈B(y). Pela hip´otese,
∞
[
n=−∞
TnB(y) =X
ent˜ao em particular existe n tal que x∈T−nB(y), isto ´e, Tnx∈B(y).
Obs. Evidentemente seX ´e infinito e minimal ent˜ao n˜ao pode conter pontos peri´odicos.
Obs. Se T : X → X ´e um homeomorfismo com pelo menos uma ´orbita densa (em particular se ´e minimal) ef ∈C0(X) ent˜aof ◦T =f implica que f ´e constante.
Teorema 4.17. Seja T homeomorfismo de um espa¸co m´etrico compacto X. Suponha que T seja unicamente erg´odico e µ seja sua ´unica probabilidade invariante. Ent˜ao T ´e minimal se e somente se µ(U)>0 para todo aberto n˜ao-vazio U.
Demonstra¸c˜ao. Se T ´e minimal ent˜ao para todo aberto n˜ao-vazio U vale S∞
n=−∞TnU = X, logo U n˜ao pode ter medida nula.
Por outro lado, suponha que µ(U)> 0 para qualquer aberto n˜ao-vazio U. Se T n˜ao fosse minimal, existiria U tal que
E =X\
∞
[
n=−∞
TnU
´
e n˜ao-vazio, fechado e T E = E. Ter´ıamos ent˜ao T|E como transforma¸c˜ao cont´ınua de um espa¸co compacto, de onde garantimos a existˆencia de uma medida ˜µ de (E,B(E)) invariante por T|E. Podemos ent˜ao definir ˆµ de (X,B(X)) por ˆµ(B) = ˜µ(B∩E), ∀B ∈ B(X). Mas ˆµtem a propriedade de ser invariante por T e ˆµ(X\E) = 0, logo ˆµ(U) = 0.
Ent˜ao ˆµn˜ao pode ser a medidaµ, de onde chegar´ıamos `a contradi¸c˜ao com a ergodicidade
´
unica deT, por termos achado uma segunda medida de probabilidade de Borel invariante.
Um homeomorfismo do c´ırculo que tenha um ponto fixo e tal que toda ´orbita convirja a esse ponto fixo, no passado e no futuro, n˜ao ´e minimal, e no entanto sua ´unica medida
´
e a medida de Dirac com suporte no ponto fixo.
Proposi¸c˜ao 4.18. Uma rota¸c˜ao irracional do c´ırculo ´e minimal e unicamente erg´odica.
Demonstra¸c˜ao. Que toda ´orbita ´e densa sob uma rota¸c˜ao irracional ´e um exerc´ıcio, logo a primeira conclus˜ao ´e imediata. Sejaµmedida invariante pela rota¸c˜aoRα. Iremos provar que µ´e invariante por qualquer rota¸c˜ao Rβ, o que implicar´a que µ´e a ´unica medida de Haar, que no caso do c´ırculo ´e a medida de Lebesgue.
Para isso bastar´a mostrar que R
f dµ=R
f◦Rβdµ, para toda f ∈C0(S1).
Seja >0 arbitr´ario. Comof ´e cont´ınua e S1 ´e compacto, ent˜ao existeδ >0 tal que d(x, y)< δ implica|f(x)−f(y)|< . Tome {nj} tal que αnj →β quando j → ∞ e seja j0 tal que j ≥j0 impliqued(αnj, β)< δ.
Para esses nj’s, d(Rnαj(x), Rβ(x)) =d(αnj, β)< δ. Ent˜ao
Z
f◦Rnαjdµ− Z
f◦Rβdµ
< . Como R
f◦Rnαdµ=R
f dµ, segue Z
f dµ− Z
f ◦Rβdµ
< . Sendo arbitr´ario, vale a igualdade.
A Proposi¸c˜ao acima pode ser demonstrada para grupos m´etricos compactos: uma transla¸c˜ao densa ´e unicamente erg´odica.
Sobre homeomorfismos do c´ırculo sem pontos peri´odicos temos o seguinte Teorema.
Teorema 4.19. Se T ´e um homeomorfismo do c´ırculo sem pontos peri´odicos ent˜ao ´e unicamente erg´odico. Al´em disso, existe uma transforma¸c˜ao φ : S1 → S1 cont´ınua, so-brejetora e localmente mon´otona e uma rota¸c˜ao irracional Rα tais queφT =Rαφ (isto ´e, T ´e semi-conjugado a uma rota¸c˜ao irracional). SeT ´e minimal ent˜aoφ´e homeomorfismo (neste caso, T ´e conjugado a uma rota¸c˜ao irracional).
Demonstra¸c˜ao. O primeiro fato a observar ´e que se T n˜ao tem pontos peri´odicos ent˜ao n˜ao pode existir µ ∈ MT(X) e z ∈ S1 tais que µ({z}) > 0 (diz-se que µ “n˜ao tem
´
atomos”).
Dada µ∈ MT(X) (certamente existe pelo menos uma), definiremos φ=φµ por φ(z) = exp{2πiµ([1, z])
(a medida dos intervalos ´e contada no sentido anti-hor´ario). A fun¸c˜ao φ ´e (localmente) mon´otona, ´e cont´ınua porque µ n˜ao tem ´atomos e ´e sobrejetiva porque µ ´e medida de probabilidade. ´E evidente tamb´em que a pr´e-imagem de qualquer ponto por φ ou
´
e um ponto ou ´e um intervalo fechado (e se sempre for um ponto ent˜ao φ ser´a um homeomorfismo).
Antes de verificar a semi-conjuga¸c˜ao, vale observar que, se z1, z2, z3 s˜ao pontos quais-quer de S1, em qualquer ordem, ent˜ao
µ([z1, z2]) +µ([z2, z3]) =µ([z1, z3]) mod 1 , portanto
φT(z) = exp{2πi[µ([1, T(1)]) +µ([T(1), T z])]} .
Logo, por µser invariante, φT(z) =Rαφ(z), se α for definido por α=µ([1, T(1)]).
Queremos mostrar queαtem que ser irracional. ´E f´acil mostrar queRnαφ(z) =φTn(z).
Se α fosse racional, haveria n ≥ 1 tal que Rnαφ(z) = φ(z) para todo z ∈S1, isto ´e, para todoz valeria φ(Tnz) =φ(z). Da´ı sairia que
µ([1, Tnz]) =µ([1, z]), ∀z . Como µ([1, z]) +µ([z, Tnz]) =µ([1, Tnz]) mod 1, ent˜ao
µ([z, Tnz]) = 0 mod 1.
Lembremos que T n˜ao tem pontos peri´odicos, logo z 6= Tnz, para todo z. Mais ainda, a fun¸c˜ao z 7→ d(z, Tnz) ´e cont´ınua, portanto existe δ > 0 tal que d(z, Tnz) > δ. Isso implicaria que todo z ´e extremo de um intervalo de tamanho pelo menos δ com medida zero (o intervalo evolui de z no sentido anti-hor´ario). Isso obrigaria a que a medida de S1 fosse nula, o que seria uma contradi¸c˜ao.
Antes de mostrar a ergodicidade ´unica de T, observemos que se φ ´e semi-conjuga¸c˜ao entre T e Rα e µ ∈ MT(X) (sem que necessariamente φ tenha sido constru´ıda a partir deµ como acima) ent˜aoµ◦φ−1 ´e medida invariante por Rα, logo µ◦φ−1 ´e a medida de Lebesgue, que chamaremos de λ, porque a rota¸c˜ao irracional ´e unicamente erg´odica.
Para mostrar queT ´e unicamente erg´odica, considereµ1, µ2 ∈ MT(X),µ= 12(µ1+µ2) eφ =φµ. Pela observa¸c˜ao acima, as medidasµ1◦φ−1,µ2◦φ−1 eµ◦φ−1 s˜ao todas iguais
`
a medida de Lebesgue, logo
µ1(φ−1φ([a, b])) =µ2(φ−1φ([a, b])) =µ(φ−1φ([a, b])) para todo intervalo [a, b]. Pela constru¸c˜ao de φ, temos tamb´em
µ(φ−1φ([a, b])4[a, b]) = 0 ,
logo µi(φ−1φ([a, b])4[a, b]) = 0,i= 1,2, pois µ´e a m´edia de µ1 e µ2. Ent˜ao µ1([a, b]) =µ2([a, b]) =µ([a, b]),
implicando queµ1 =µ2 =µe da´ı que T ´e unicamente erg´odica.
Se T for minimal ent˜ao do Teorema 4.17 segue que µ([a, b]) > 0 se a 6= b. Portanto n˜ao pode haver pontos cuja pr´e-imagem por φ seja um intervalo.
Finalmente, o Teorema abaixo descreve o que acontece com as m´edias de Birkhoff no caso unicamente erg´odico.
Teorema 4.20. Seja X espa¸co m´etrico compacto eT :X →X transforma¸c˜ao cont´ınua.
Ent˜ao s˜ao equivalentes:
1. T ´e unicamente erg´odica.
2. Existe µ∈ MT(X) tal que para toda f ∈C0(X) e qualquer x∈X
n→∞lim 1 n
n−1
X
i=0
f(Tix) = Z
f dµ .
3. Para toda f ∈C0(X), n1 Pn−1
i=0 f(Tix) converge pontualmente a uma constante.
4. Para toda f ∈C0(X), n1 Pn−1
i=0 f(Tix) converge uniformemente a uma constante.
Demonstra¸c˜ao. Que (4) implica (3) ´e trivial. Para mostrar que (3) implica (2), basta ver que ξ:C0(X)→Rdado por
ξ(f) = lim
n→∞
1 n
n−1
X
i=0
f(Tix)
(para qualquer x) ´e um funcional linear positivo. Pelo Teorema da Representa¸c˜ao de Riesz, existe ´unica probabilidade µ tal que R
f dµ = ξ(f), ∀f ∈ C0(X). A medida µ ´e invariante pois ξ(f ◦ T) = ξ(f). Para mostrar que (2) implica (1), supomos a existˆencia de ν ∈ MT(X). A m´edia de Birkhoff converge ν-q.t.p. a uma fun¸c˜ao ˆf tal que R
f dν =R f dνˆ . Mas do fato que as m´edias convergem pontualmente para a fun¸c˜ao constante igual aR
f dµsegue queR f dνˆ =R
f dµ. Comoνeµintegram fun¸c˜oes cont´ınuas da mesma forma ent˜ao s˜ao idˆenticas (Teorema 1.23).
Para mostrar que (1) implica (4), observamos primeiro que a constante para a qual a m´edia de Birkhoff converge tem que serR
f dµ, ondeµ´e a ´unica probabilidade invariante
de T. Suponhamos que (4) n˜ao valha. Ent˜ao existem g ∈ C0(X) e > 0 tais que para todon0 ≥1 existe n≥n0 exn tais que
1 n
n−1
X
i=0
g(Tixn)− Z
gdµ
≥ .
Ou seja, existe subseq¨uˆencia {nj}j e para cadaj um ponto xnj tais que
1 nj
nj−1
X
i=0
g(Tixnj)− Z
gdµ
≥ . Tome as medidas µnj dadas por
µnj = 1 nj
nj
X
i=0
δTixnj .
Para elas, temos
Z
gdµnj − Z
gdµ
≥ .
Por causa da compacidade de M(X), existe subseq¨uˆencia de {nj}j (suporemos que ´e a mesma, para facilitar a nota¸c˜ao) tal que µnj →µ∞, e por causa da desigualdade acima, µ∞ 6= µ. A contradi¸c˜ao vem do fato de que µ∞ ´e uma medida invariante (veja a prova de que MT(X) ´e n˜ao-vazio).