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2. REVISÃO DA LITERATURA

2.4. Erro organizacional

Os erros associados a ações de manutenção efetuadas incorretamente (p. ex. instalações, lubrificações, limpezas) tem como causa primária erros organizacionais, associado a condições latentes (Shanmugam & Robert, 2015b). De alguma forma, a

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Organização é a primeira responsável em não detetar (ou a permitir) que determinadas situações ocorram.

Observou-se que as condições organizacionais influenciam o erro humano, ver-se- á agora que também influenciam os erros organizacionais (Goodman et al., 2011). A International Civil Aviation Organization (1993) identifica um conjunto de 300 fatores que podem influenciar o desempenho do mecânico, desde o calor ou frio, até às dores físicas. Para Reason & Hobbs (2003), baseados na experiência, este número pode ser reduzido e apresentam vinte, descrevendo treze deles (documentação, pressão de tempo, limpeza e controlo de ferramentas, coordenação e comunicação, ferramentas e equipamento, fadiga, conhecimento e experiência, procedimentos errados e crenças pessoais). Naqueles fatores estão incluídos os de influência organizacional ou de contexto.

Existe a consciência de que o ser humano não age sozinho, fazendo parte de um sistema complexo, e que em várias ocasiões é ele que trava uma sequência de eventos que poderiam levar ao incidente/acidente (International Civil Aviation Organization, 1993). Para a CAA (2002a) existem evidências, relacionadas com a psicologia organizacional, de que as organizações podem prevenir os erros, mas também os podem causar. Nas palavras de D’Oliveira (2006, p. 74) o contexto organizacional pode ser entendido como “um entidade com componentes ou elementos humanos e não humanos em interação constante, trabalhando em conjunto para alcançar um objetivo comum e cujo funcionamento está inserido e condicionado num determinado meio”.

Os erros ocorrem em diferentes níveis de análise: individual, grupal (ou equipa), organizacional e institucional. Os mecânicos não estão sozinhos, interagem com outros mecânicos e com a própria Organização. Esta última, por sua vez, também interage com

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outras organizações (Vaughan, 1999). Contudo, os erros são normalmente estudados num nível de análise relativo às ações do indivíduo (Goodman et al., 2011). Para D’Oliveira (2006) a intervenção humana (erro, violação ou incumprimento de regras e procedimentos de trabalho) é relevante no desenvolvimento dos acidentes (e incidentes, acrescenta-se agora) em contexto organizacional. Estudar os erros num nível organizacional não se limita ao estudo dos erros individuais que ocorrem em contexto organizacional. Essa é a abordagem que se encontra na literatura, ou seja, estudam-se os antecedentes e/ou as consequências de nível organizacional de erros de nível individual que ocorrem em contexto organizacional (Ramanujam & Goodman, 2010). Há vários antecedentes organizacionais que podem levar ao erro, neles se incluindo os objetivos organizacionais, a estrutura organizacional estabelecida, os processos de mudança e, inclusive, a perceção da cultura de segurança (Ramanujam & Goodman, 2010). Começa assim a emergir o conceito de erro organizacional e consequentemente acidente organizacional, onde se envolvem diferentes atores dentro da Organização e fora dela (instituições que direta ou indiretamente estão associadas aos processos).

Os erros organizacionais também devem ser estudados como um fenómeno de nível organizacional. É preciso reconhecer que alguns erros são inerentemente organizacionais na sua natureza. Nem sempre os atos inseguros praticados pelo ser humano estão na origem dos erros organizacionais. Nalguns casos as defesas falham em resultado, apenas, de condições latentes (Reason, 1997). Em algumas situações, e segundo Lofquist (2008), as condições latentes podem ser de difícil deteção pela própria pressão institucional (p. ex. prazos a cumprir). Ainda que num contexto organizacional haja regras, regulamentos, procedimentos padronizados, e normas que contêm

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prescrições específicas sobre como se deve efetuar uma determinada tarefa (Ramanujam & Goodman, 2010).

Os erros são essencialmente organizacionais na medida em que representam desvios não desejados de situações estabelecidas pelas organizações; os desvios são ações de diferentes indivíduos que trabalham não seguindo as regras e os objetivos de uma Organização; os desvios podem potencialmente causar resultados adversos nas organizações, e são causados por condições inerentes às organizações (Goodman et al., 2011). Para Vaughan (1999), um desvio organizacional pode ser entendido, genericamente, como uma não conformidade nas rotinas, sendo que os erros organizacionais envolvem ações de vários participantes. Um mecânico que faça um juízo errado, se engane, ou se esqueça de uma tarefa, provocando um acidente, está numa situação diferente daquela em que um grupo de mecânicos de uma manutenção contribui para o acidente ao não verificar e/ou inspecionar o trabalho executado.

Ainda assim um indivíduo que erra sozinho insere-se numa Organização que permitiu que tal acontecesse.

Goodman et al. (2011) propõem que se estudem os erros nos seus diferentes níveis (Figura 9), identificando os antecedentes, relacionando-os com os processos mediadores que lhes estão associados e percebendo como se refletem nas consequências.

Aqueles autores consideram que a aprendizagem, a correção do erro e a amplificação do erro são mecanismos de mediação. Por exemplo, a aprendizagem pode existir em qualquer um dos três níveis, e está relacionada com a aquisição de novos comportamentos. Interessa perceber que fatores organizacionais e que condições (p. ex. turnos, espaço de trabalho, interrupções) contribuem para os erros organizacionais e que relações têm com o erro humano.

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Figura 9 – Fatores de multinível e mecanismos de mediação Fonte: adaptado de Goodman et al. (2011)

Independentemente dos perigos pessoais associados ao local de trabalho, as organizações são vulneráveis às condições latentes e à quebra das suas barreiras de proteção (p. ex. barreiras psicológicas, sociais, técnicas e procedimentais). As barreiras organizacionais existentes numa manutenção de aeronaves podem estar associadas à legislação governamental, aos regulamentos das autoridades aeronáuticas e às próprias políticas de empresa (Shanmugam & Robert, 2015a).

Para Ternov (2002), que considera as falhas latentes como fatores situacionais, as barreiras são constrangimentos administrativos (p. ex. duplo-cheque) ou técnicos (p. ex. uma ficha específica para um determinado equipamento) que podem impedir o indivíduo de cometer uma falha ativa, ou podem conter o efeito dessa falha ativa.

Identificar, e eliminar proactivamente os erros latentes, é um caminho possível para evitar o acidente (Reason, 1997, p. 233). É então necessário conhecer a origem do erro latente e o tipo de erro (frequência, severidade e variabilidade) também na Organização. Retomando o modelo HFACS (Figura 6) é olhar para os atos inseguros do ponto de vista da influência organizacional.

Níveis Antecedentes dos erros (fatores) Mecanismos de

mediação Individual Unidade/equip a Organizaçã o Tolerância ao stresse Distrações familiares/trabalho Experiência em unidade Elevada interdependência Grande visibilidade Grandes interrupções Cultura de segurança Taxa de variação Sistemas de recompensas Ênfase na aprendizagem Cultura de segurança Aprendizagem Correção de erro Amplificação do erro Etc. Erros organizacionais e de unidade Consequências: morte, custos, reputação

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O estudo das causas que conduzem a erros de nível organizacional leva a uma análise de diferentes fatores (Goodman et al., 2011): stress dos mecânicos, clima de segurança grupal, consciência organizacional e mudança organizacional. Foi estudado cada um por si, mas sabe-se pouco sobre a interação entre essas causas e os erros. Num dos grandes acidentes da história militar, em 2006, com uma aeronave da RAF (Nimrod XV230) a investigação concluiu que as causas organizacionais foram determinantes para o acidente, nomeadamente na forma como condicionaram o trabalho da equipa de projeto, na supervisão e na cultura organizacional (Charles Haddon-Cave, 2009).

Ramanujam e Goodman (2010) propõem que para se avançar na pesquisa, se deve ir para além de se identificarem as causas e consequências de nivel organizacional, deve- se desenvolver uma representação significativa de erros num nível organizacional de análise. Alguns erros possuem características que os tornam inerentemente organizacionais, e a composição dos erros pode ser útil na diferenciação sistemática, e na comparação da incidência dos erros latentes entre diferentes unidades de trabalho ou organizações.

Foi observado anteriormente que não existem estudos que se focalizem na relação entre os erros individuais e os erros organizacionais. Goodman et al. (2011) sugerem que, primeiro, se comece por identificar a unidade organizacional onde as pessoas trabalham em conjunto e em atividades interdependentes, e só depois se identifiquem processos chave (p. ex. a aprendizagem).