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Para Castella e Britez (2004, p. 219), a erva-mate (Ilex paraguariensis) associada à Floresta com Araucária (Floresta Ombrófila Mista) se apresenta nos estágios sucessionais inicial, médio e avançado deste ecossistema. A erva-mate tem na extensão deste ecossistema o principal ambiente onde encontra as condições para se desenvolver. Foi cientificamente descrita pelo botânico francês Auguste de Saint- Hilaire em 1820, mas muito antes disso já fora objeto de descoberta e consumo por

povos indígenas da América do Sul (GERHARDT, 2013; MARQUES, 2014). Ao longo do tempo, o consumo da erva-mate foi disseminado especialmente nos estados do sul do Brasil, assim como na Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai (COSTA, 1995).

Muito consumida em forma de bebidas do tipo chimarrão, tererê (esses dois modos também como herança da cultura indígena) e chás, o cultivo da erva-mate permitiu sólidas atividades econômicas no sul do Brasil entre o final do Século XIX e as primeiras décadas do Século XX (GERHARDT, 2013), chegando, no Paraná, ser um grande motivador para a construção entre 1880 e 1885 da primeira ferrovia do estado, ligando Curitiba ao porto de Paranaguá para favorecer as exportações da época (COSTA, 1995). Carvalho (2017) e Berté (2011) indicam, ainda, outros usos possíveis para a erva-mate, como para adubo de hortigranjeiros, na indústria cosmética, na alimentação animal, uso medicinal e paisagístico.

Este quadro, que envolve cultura, história e economia, foi possível graças à capacidade de um ecossistema e de seus processos ecológicos virem a possibilitar a ocorrência da Ilex paraguariensis, ou seja, o funcionamento composto pelas espécies relacionando-se com o ambiente em que se desenvolvem. A espécie – “uma arvoreta do porte da laranjeira, alcançando excepcionalmente oito a dez metros de altura” (KARAS, 1982), tem associação intensa com o ambiente, dependendo de aves (principalmente o pássaro sabiá) para a dispersão de suas sementes, do solo úmido da serapilheira para dar as condições para sua germinação, do sombreamento de árvores de grande porte – como as araucárias, imbuias e cedros – para permitir seu crescimento e de insetos para sua polinização (CARVALHO, 2017; KARAS, 1982; OLIVEIRA; ROTTA, 1985). Fatores como topografia e climas temperados e úmidos – constituídos por médias amenas de temperaturas e regime regular de chuvas –, também são fatores do ecossistema relevantes para a erva-mate (KARAS, 1982; OLIVEIRA; ROTTA, 1985).

Em regiões com a de São Mateus do Sul, o cultivo de erva-mate é bastante demarcado pela associação com as áreas remanescentes de Floresta com Araucária em seus diferentes estágios. Conforme apresentado em Marques (2014), o Quadro 3 demonstra a caracterização de ervais em cultivo associado a áreas naturais. O trabalho do pesquisador foi desenvolvido no Planalto Norte de Santa Catarina, uma região que guardas semelhanças aos cultivos encontrados na região de São Mateus do Sul.

Quadro 3 – Caraterização de ervais Paisagem Descrição geral

1 Erval em Mata Caracterizado pela cobertura florestal mais conservada, erval nativo, sem a presença constante de animais

2 Erval em Mata

aberta Cobertura florestal mais aberta pela ação antrópica, erval nativo, sem a presença constante de animais. 3 Erval em Caíva Cobertura florestal relativamente conservada, erval nativo, presença

constante de animais, sub-bosque com presença de pastagens. 4 Erval em Caíva

Aberta

Cobertura florestal mais aberta pela ação antrópica, erval nativo, presença constante de animais, sub-bosque dominado pelas pastagens na maior parte da área.

5 Erval em Caíva

Muito Aberta Cobertura florestal muito aberta pela ação antrópica, em transição para potreiro, erval nativo, presença constante de animais, as pastagens dominam toda a área.

6 Erval Plantado em

Mata Aberta Mata aberta com intenso adensamento de erveiras, mais de 50% da produção oriunda de erveiras plantadas, sem a presença constante de animais.

7 Erval Plantado em

Caíva Aberta Caíva aberta com intenso adensamento de erveiras, mais de 50% da produção oriunda de erveiras plantadas, presença constante de animais.

8 Erval Nativo Aberto - Potreiro

Pastagens perenes (potreiro) com presença significativa de erva- mate, erval nativo, normalmente com árvores esparsas por toda a área, porém não ultrapassam o estágio inicial de regeneração. 9 Erval Nativo Aberto

- Desmatado Erval em que a maioria das árvores foram retiradas para priorizar o erval nativo, com presença de árvores remanescentes, mas perdendo a característica de formação florestal, sem presença constante de animais.

10 Erval Nativo Aberto

- Lavoura Áreas de lavoura anuais com presença significativa de erva-mate nativa. 11 Erval Plantado

Sombreado Plantio de erva-mate com presença de outras árvores em toda a área, no entanto sem caracterizar cobertura florestal. 12 Erval Plantado

Aberto Plantio de erva-mate em área aberta, em forma de monocultura ou pomar, podendo apresentar árvores esparsas, sem associação com agricultura.

13 Erval Plantado

Aberto com lavouras Plantio de erva-mate em área aberta, em forma de monocultura ou pomar, associado com lavouras anuais. Fonte: Marques (2014)

A seção 7.1.2 apresenta a aplicação deste quadro às propriedades rurais que integraram a pesquisa.

3 PERSPECTIVAS DOS ESTUDOS CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE PARA A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E A PRODUÇÃO DE ERVA-MATE

Este capítulo apresenta a sustentação que a teoria dos Estudos CTS pode trazer para o desenvolvimento da pesquisa deste trabalho e compreensão do tema de estudo. Os principais conceitos de CTS são apresentados a seguir. Recorre-se a um outro campo de conhecimento, o da História Ambiental, para ao mesmo tempo tê-lo como suporte teórico e para conhecer uma produção científica que contribui para uma maior nitidez na interpretação de eventos da conservação da natureza sem se afastar dos Estudos CTS e buscando o exercício da interdisciplinaridade.

A análise do percurso ambiental destinado para a Floresta com Araucária e o cultivo de erva-mate pode ser aprofundada quando realizada a partir da perspectiva dos Estudos CTS (BAZZO et al., 2003; BIJKER et al., 1987; BIJKER; PINCH, 2008; CALLON, 1987; DAGNINO et al., 1996; FEENBERG, 1992; KREIMER, 2007; LATOUR, 2012; MACKENZIE; WAJCMAN, 1996; MARX; SMITH, 1998; PRITCHARD, 2013; STEVEN YEARLEY, 2008; WINNER, 1980). É um campo que exige uma discussão interdisciplinar, a qual se desdobra de aspectos apresentados pelas Ciências Naturais e Sociais, acrescentando conhecimentos de outras naturezas, como os saberes tradicionais, a formação cultural e as questões político-econômicas.

As teorias e os conceitos dos Estudos CTS serviram de base para se analisar a trajetória da Floresta com Araucária e mais particularmente a erva-mate. Na perspectiva de abordagem sugerida para a história deste ecossistema, é possível acompanhar como se formaram as metas de desenvolvimento sociotécnico e as particularidades culturais e sociais ao longo dos anos. Neste contexto, deparara-se com um grupo de conflitos e contradições que direcionaram os discursos para a criação de supostas benesses, concomitantemente com o desaparecimento de características naturais relevantes para a permanência da paisagem de florestas.

O panorama a ser explorado encontra-se nesta linha de raciocínio que privilegia os desencontros entre a preservação, a conservação, a exploração e a destruição de ecossistemas relevantes para a qualidade de vida dos seres vivos e as prerrogativas de um “desenvolvimento econômico” condutor do pensamento mítico da velha economia clássica.

Considera-se o papel de atores humanos interagindo com as técnicas, valores, tecnologias, elementos da natureza, os quais estão presentes nas dinâmicas da realidade do ecossistema. Questiona-se até que ponto as perspectivas de conservação da floresta e desenvolvimento territorial são viáveis tendo em vista o protagonismo do ator humano.