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Esboço de uma tipologia

No documento ProductCity: the city as a product (páginas 159-163)

A partir das conversas com os empresários, acredito que possamos identificar como cada um deles mobiliza a cultura a partir de seus valores ou interesses, criando tipologias com base nos trabalhos de Chamusca et al (2017), Guimarães e Matos (2010) e Cachinho e Barata Salgueiro (2016).

Primeiramente, António opõe a lógica cultural à comercial, referindo-se ao Chiado dos artistas e intelectuais da belle époque, de movimentos literários em contraposição ao cenário de massificação de turistas, marcado pela especulação imobiliária desregulamentada, que expulsa os moradores e com esses, o comércio de proximidade. A seu ver, o Chiado perde sua singularidade, sua história, para ser apenas mais um lugar de compras, sede de grandes marcas internacionais, que levam a uma homogeneização da identidade da cidade de Lisboa. Desse modo, sua postura de manter a loja, transferindo-a para outro sítio, assemelha-se a uma atitude que poderíamos chamar, à primeira vista, de resistência, tendo em vista que, na sua opinião, o futuro não prevê melhorias para o seu negócio.

Por sua vez, Carlos mobiliza o afeto em tensão à lógica do mercado. Isso porque mantém sua loja, não por essa ser financeiramente rentável, mas por envolver a dedicação de uma vida, a relação de amizade com o antigo dono e o reconhecimento de uma relação comercial entre A Carioca e Negrita por mais de 50 anos. Aqui, o mercado é um espaço por meio do qual surge o afeto, o reconhecimento, o carinho e a dedicação. Cita os muitos sacrifícios pessoais que fez em nome dos empreendimentos, que acabam por gerar uma dependência total na esfera pessoal a fim de manter os negócios vivos. Reforça diversas vezes como o trabalho é algo penoso, que para funcionar tem que se dedicar, sacrificar, deixar-se escravizar, mas que, de algum modo, também molda a pessoa, passa a fazer parte dela. No entanto, a postura de Carlos é um pouco diferente da de António. Carlos parece ter tido de se adaptar bastante ao longo dos anos, de modo que aparenta ser mais flexível em relação às tendências do mercado, moldando-se a algumas, como no caso das cápsulas que produz compatíveis com a máquina da Nespresso. Ele comenta sobre as limitações do seu negócio, de modo que poderíamos compreender, supostamente, sua atuação como resiliência.

Por último, temos o grupo familiar de Alexandra, que apresenta algumas diferenças em relação a António e Carlos, por mais que as dimensões da família e empresa apareçam sobrepostas em todos os casos. Aqui, temos um grupo de empresários, que adquire uma marca de 108 anos de calçados em couro. A família de Alexandra parece cultivar e internalizar uma “herança” do ponto de venda e do saber-fazer, comprometidos com uma história que é valorada desde o início. Eles abrem a sapataria no ano de 2012, em um cenário no qual Lisboa está voltada para atração de capital internacional, turistas, novos negócios, ano de descongelamento de rendas, de implantação da NRAU, ou seja, de intensificação do processo de especulação. Os primeiros clientes da sapataria são estrangeiros, seguidos pelos portugueses, que segundo Alexandra, só passam a conhecer a loja por meio deles. Os empresários criam uma forte presença virtual que não existia e expandem a marca, numa perspectiva de investimento contínuo. Atitude que poderíamos compreender, provavelmente, como modernização. O grupo está totalmente inserido em uma lógica comercial, talvez fazendo parte de um novo perfil de empresários que surge em Lisboa. A história da loja, que repercute no site, no Selo do Programa “Lojas com História” e nas redes sociais da sapataria, parece ter um uso instrumental, fundamental na qualificação do espaço e do produto. Por fim, Alexandra destaca que o governo

de Lisboa tem realizado ações para atrair turistas e aumentar a visibilidade do calçado português no cenário internacional, o que é muito bom para o seu negócio.

Nesse artigo, que corresponde a um primeiro momento do trabalho de campo do doutorado, busquei traçar o contexto histórico e institucional do Chiado e uma tipologia dos empresários, que utilizei como recurso metodológico para identificar perfis e modos de ação dos comerciantes frente ao cenário atual da área, suas semelhanças e diferenças, sem qualquer intenção de criar camisas de força teóricas. Ressalto que as narrativas empreendidas pelos empresários aqui abordados buscam dar conta de relações dinâmicas de sentido e valor, associadas a um espaço social, que também se encontra em devir, movimento, transformação.

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No documento ProductCity: the city as a product (páginas 159-163)

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