• Nenhum resultado encontrado

A obrigatoriedade de se anexar a escala temporal à escala espacial de transformações da paisagem, relembrada por Le Du (1995) é evidente na medida em que existem fenômenos que só podem ser observados em uma determinada escala de tempo. De acordo com a autora, " A chaque échelle spatiale décrite correspond une approche thématique différente, mais aussi une temporalité différente" (LE DU, 1995, p.32).

Os níveis de percepção das transformações paisagísticas entre a escala espacial e a escala temporal são inversamente proporcionais: em escala espacial grande, com pouco tempo se percebe as diferenças, às vezes em tempo real; em escala espacial regional, necessita de um tempo maior; em escala espacial menor ainda, precisa-se de uma escala temporal muito superior para se verificar mudanças significativas. As modificações inseridas diariamente na paisagem só podem ser percebidas em escala muito grande, estando dentro da própria paisagem (escala 1/ 1), ao passo que as modificações acumuladas ao longo de uma década são percebidas numa escala regional.

A evolução global da paisagem não tem, obviamente, o mesmo ritmo das evoluções locais. Este é, na verdade, bastante contrastado. Todavia, uma mudança global é resultante da agregação de mudanças locais.

Em se considerando as variações sazonais, estas controladas exclusivamente pela natureza, a noção de tempo e espaço se impõe importante, destacadamente, ao se tratar do uso agrícola do território que acompanha, necessariamente, a sazonalidade. Todavia, vale assinalar que as variações impostas pela sazonalidade restringem-se ao nível biótico e abiótico da paisagem, não tendo efeitos em sua estruturação, salvo em caso de cataclismos.

Conforme salientou Santos (1997), nem sempre as modificações conhecidas pela paisagem tem a origem de suas ordens na esfera local, mas sim, podem constituir a materialização de idéias, de comandos, de anseios sobrevindos de esferas distantes. Ainda que isso se efetue, as modificações se dão efetivamente na esfera local, ou seja, pontualmente. Somente numa escala temporal determinada estas terão transformado funcionalmente, morfologicamente e estruturalmente, via propagação, o conjunto da paisagem. São as mutações em escalas de tempos reduzidos – que se dão nas subunidades da paisagem – as mais importantes e é exatamente nessa escala que se situa o ponto-chave da gestão paisagística. A velocidade da propagação das transformações é regida pela envergadura, ou seja, pelo poder de atuação de tais ordens.

Na atualidade, percebe-se que as tendências apontam para uma homogeneização cada vez maior das paisagens, na medida em que o processo de globalização econômica, social, cultural etc., irradia ordens uniformizadas para os mais diversos espaços, exigindo uma adequação aos interesses do modo de produção capitalista que conduz o "sistema-mundo" (DOLLFUS, 1994). Esse fenômeno da sociedade contemporânea termina por entrar em choque com a tradição cultural de construção das paisagens ou, como denomina Rougerie (1975; 2000) da criação dos " cadres de vie"36, que cada sociedade possui37.

Ainda que as paisagens sejam o reflexo das sociedades que as produzem38, tendo em vista o seu grau de desenvolvimento técnico e seu aparato

cultural, assim como do substrato natural, num sentido mais amplo, elas exercem funções que não escapam ao contexto da evolução global da sociedade.

36 Cf. Rougerie, G. (1975 e 2000).

37 É interessante citar o exemplo da União Européia que estimula a uniformização de uma série de

elementos nos países integrantes da comunidade, assim como o incentivo gradativo à eliminação de símbolos regionais.

38 O exemplo dos sulistas que penetraram no Centro-Oeste construindo um "novo Sul", num ambiente

de natureza bastante diferente (muitas vezes se equivocando nos tratos culturais), é um exemplo oportuno. O mesmo se pode dizer dos alemães que construíram paisagens tipicamente alemãs no Vale do Itajaí, em Santa Catarina.

Em alguns casos a paisagem produzida pode ser adversa às características da sociedade que vive nela, considerando-se aí, o comando e a imposição externa das ações. A assimilação da maneira de se construir a paisagem por estas sociedades é apenas uma questão de tempo, ainda que se possam conhecer resistências.

O poder público tem um papel muito importante na modelação da paisagem, de modo rápido ou lento, movido por interesses da coletividade ou não. Em certos casos, existem barreiras natural ou culturalmente impostas que podem impedir ou inviabilizar certas ações advindas do poder público. A este respeito, Sanguin (1984, p.24) contribui afirmando que:

Si les pouvoirs publics modèlent le paysage, ils ne sont pas les seuls à y intervenir: des contre-pouvoirs et des contre-forces peuvent aussi l'influencer.

Os obstáculos naturais referem-se principalmente aos recursos geoambientais que determinam os tipos de usos a que uma região se presta, segundo as disponibilidades técnicas da época. Em outras circunstâncias, estas mais raras, tais barreiras podem advir de comunidades de tradições arraigadas ao território que possuem poder de resistência às transformações radicais em seus modos de vida e em suas formas de produzir a paisagem. O próprio poder público pode funcionar como uma barreira à transformação paisagística, quando, via artifícios legais, promove a conservação fisionômica da paisagem, seja por esta se prestar como um objeto de exploração turística, ou quando nela repousa toda a identidade cultural de uma região ou país e que seria lastimável seu desaparecimento39. As áreas de proteção ambiental constituem típicos exemplos

39 Cabe destacar o exemplo da França que, como um país onde o turismo é uma de suas principais

fontes de renda, promove uma gestão paisagística que visa conservar as características das paisagens, a qual é sua matéria-prima básica, sejam rurais ou urbanas. Casos concretos podem ser citados como o controle que se tem sobre a arquitetura urbana que não deve fugir dos padrões adotados historicamente, ditados pelo próprio código de urbanismo francês (LE DU, 1995, p.105). Da mesma forma, é visível a forte ligação do indivíduo à terra, à paisagem, à cultura e, sobretudo, à história, que o torna resistente a atitudes e ações que possam transformar o seu mundo e o seu modo de vida. As comunas, menor unidade administrativa francesa (na França há mais de 35.000 comunas), constituem também a menor unidade de organização social, cultural, histórica.

de controles da transformação paisagística por parte do Estado. É interessante destacar, ademais, o papel desempenhado atualmente pela luta dos grupos de defesa e proteção do meio ambiente diante da execução de projetos públicos ou privados que envolvem transformações profundas, tanto no meio ambiente, como na vida das pessoas, assim como sua função na pressão para a instalação de áreas de proteção ambiental.

As fronteiras, como elementos político-adminstrativos, exercem importante papel na diferenciação das paisagens por elas divididas. Segundo Sanguin (1984, p.27), " Indubitablement, c'est dans les zones frontalières que l'impact de la politique sur le paysage se fait le plus visible et le plus contrasté" .

A linha fronteiriça, seja ela de uma região, Estado ou país, enquanto um " elemento da paisagem cultural" (SANGUIN, 1984, p.27), constitui uma zona de encontro de culturas, de interesses diferenciados, às vezes antagônicos, os quais vão nitidamente refletir no modo de construção da paisagem. Diferentes legislações, políticas diversas de ocupação/ colonização, estratégias políticas e econômicas, níveis de desenvolvimento socioeconômico e técnico, entre outros, são os principais fatores que geram paisagens diferenciadas nas zonas interfroteiriças ou transfronteiriças.

Uma paisagem pode, portanto, permanecer por um longo período sem conhecer transformações significativas, assim como, ser vítima de alterações incisivas que mudarão por completo a sua fisionomia, a sua dinâmica e o seu funcionamento em curtos períodos de tempo. Admite-se, assim, que a paisagem pode evoluir para uma modificação de suas próprias unidades elementares, podendo ser divididas em novas unidades, criando-se novas paisagens. Pode acontecer, também, uma homogeneização de paisagens antes distintas, gerando a soma de unidades, nos dois casos, via transformações na ocupação e uso do solo40.

40 É preciso diferenciar ocupação do solo (land cover) e uso do solo (land use). De acordo com Turner II

e Meyer (1994) apud Burel et Baudry (1999, p,.21), ocupação do solo descreve o estado físico da superfície do solo (ocupação com floresta, com agricultura, presença de água, de rochas). Uma

Num sentido mais amplo, lembrando-se que a paisagem espelha, também, a sua estrutura abiótica (relevo, solo, rochas, clima), esta constitui um importante indicador do sentido das evoluções, na medida em que determina o potencial para a exploração do território. Assim sendo, ainda que as transformações na superestrutura da paisagem sejam importantes, em regiões de grandes diversidades na suas potencialidades, sobretudo, abióticas, pode haver uma tendência de conservação de suas unidades básicas, seja por impedimentos ou restrições a determinados usos.

Documentos relacionados