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ESCLARECIMENTOS TERMINOLÓGICOS: FERTILIZAÇÃO IN VITRO,

Não se pretende neste tópico, logicamente, esgotar todos os esclarecimentos terminológicos úteis ao entendimento deste trabalho mas, sim, três termos básicos para

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Por exemplo, o voto do próprio relator da ação direta de inconstitucionalidade nº 3510-DF, o Ministro Carlos Britto.

uma noção inicial do problema. No decorrer da exposição, conforme seja necessário, outras elucidações serão efetuadas.

Passa-se, assim, ainda que de modo breve, a delinear alguns contornos do que sejam: fertilização in vitro, embrião e células-tronco embrionárias.

Primeiramente, para se entender o que é a fertilização in vitro, cabe elucidar em que consiste a fecundação.

Considera-se fecundação o processo de fusão de dois gametas que origina o ovo ou zigoto, que é a célula primordial do indivíduo multicelular, dele derivando todas as suas células (MELLO, 2000, pp. 6-7). De modo semelhante, Moore e Persaud (2008, pp. 2 e 34) definem zigoto como célula que resulta da “união do ovócito ao espermatozóide durante a fecundação, sendo o início de um novo ser humano”. 55

Ínsitos nessa definição, dois momentos a serem destacados: um primeiro momento em que ocorre a fusão dos dois gametas (masculino e feminino), que será aqui chamado de

fertilização, e um momento que resulta dessa fusão, em que a formação do zigoto é

concluída, o qual será aqui denominado concepção. Nesse sentido, R. P. Silva (2002, p. 38) explica que fertilização e concepção, ainda que relacionados intimamente, são conceitos diversos, pois se sucedem na identificação das fases do processo de geração de um ser humano.56

Já a fertilização in vitro é o processo de fusão dos gametas realizado por qualquer técnica de fecundação extracorpórea57.

Um exemplo de descrição da técnica de fertilização in vitro, acompanhada de alguns procedimentos em seu entorno, pode ser encontrado na doutrina de Moore e Persaud (2008, pp. 35-36):

- Os folículos ovarianos são estimulados a crescer e amadurecer com a administração de gonadotrofinas (superovulação).

- Vários ovócitos maduros são aspirados de folículos ovarianos maduros durante a laparoscopia. Os ovócitos também podem ser removidos de dentro dos folículos ovarianos por uma agulha de diâmetro grande, guiada por ultra-som e introduzida através da parede vaginal.

- Os ovócitos são colocados em uma placa de Petri, contendo um meio de cultura especial e espermatozóides capacitados.

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Ainda de acordo com tais autores, o zigoto é geneticamente único porque metade de seus cromossomos vem da mãe e a outra metade do pai, contendo, assim, uma nova combinação de cromossomos que é diferente da contida nas células dos pais, integrando um mecanismo que forma a base da herança biparental e da variação da espécie humana.

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“A fertilização e a concepção, ainda que se relacionem intimamente, não são conceitos idênticos. São conceitos que se sucedem na identificação das fases do processo de geração de um ser humano”. (R. P. e SILVA, 2002, p. 38).

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Cf. os termos do inciso X do artigo 3º do Decreto 5.591, de 22 de novembro de 2005, que regulamentou a Lei nº 11.105/2005, cujo artigo 5º é objeto do debate deste estudo.

- A fecundação dos ovócitos e a clivagem dos zigotos são monitoradas microscopicamente por 3 a 5 dias.

- um ou dois embriões resultantes (no estágio de quatro a oito células ou blastocistos iniciais) são transferidos para o interior do útero introduzindo-se um cateter através da vagina e do canal cervical. Qualquer embrião remanescente é armazenado em nitrogênio líquido para uso posterior.

Como se constata da descrição acima, o zigoto oriundo dessa fertilização in vitro passa a dividir-se e desenvolver-se, em um processo que se denomina desenvolvimento embrionário.

A respeito disso, R. G. P. Ramos (2006, pp. 67-69) explica:

“na espécie humana, como em todos os organismos multicelulares apresentando reprodução sexuada, a fusão dos pronúcleos masculino e feminino, com a consequente restauração do número diplóide de cromossomos, é convencionalmente tomada como o ponto zero do desenvolvimento embrionário. A nova célula assim formada [...] possui cerca de 0,1 a 0,2 mm de diâmetro e passa a ser denominada zigoto. Dentro do período de 24 horas que se segue ao seu aparecimento, o zigoto inicia a primeira de uma série de divisões mitóticas sem aumento de seu volume citoplasmático total, levando à sua progressiva subdivisão em células-filhas cada vez menores. Este processo é denominado clivagem e as novas células assim obtidas denominam-se blastômeros. Em humanos, estas divisões iniciais são relativamente assíncronas, passando o número de blastômeros de dois a aproximadamente 30 entre o segundo e o final do 4º dia de desenvolvimento. Durante a parte final desta fase proliferativa, o conjunto de blastômeros passa a ser denominado mórula (diminutivo do latim morus, amora). [...] No decorrer do 4º dia de desenvolvimento aproximadamente a mórula, inicialmente maciça, começa a acumular líquido em seu interior, e o progressivo aumento da pressão hidrostática, juntamente com as diferenças de adesão celular entre as populações celulares externa e interna, levam ao aparecimento de uma cavidade interna, a cavidade blastocística ou blastocele. A rápida expansão da blastocele comprime o embrioblasto contra o anel externo de células trofoblásticas, posicionando-o em um dos lados da cavidade, que passa a constituir o pólo embrionário. A partir deste ponto o concepto passa a denominar-se blastocisto.”

Desse modo, nota-se que as divisões repetidas do zigoto, denominadas clivagens, resultam em um rápido aumento do número de células embrionárias denominadas

blastômeros (MOORE; PERSAUD, 2008, p. 36).Na parte final desta fase proliferativa, o conjunto de blastômeros, dotado de certas peculiaridades, passa a ser denominado mórula e, mais à frente, após o aparecimento de uma cavidade, dentre outros aspectos, chega-se à fase de desenvolvimento chamada blastocisto.

E é durante todo o curso desse desenvolvimento embrionário, cujo marco zero é o zigoto, que se utiliza, em geral, o termo embrião, até que este passe a ser considerado um feto (a partir da 9ª semana58 até o nascimento).

Todavia, essa terminologia não é inteiramente aceita caso se adote a diferenciação entre pré-embrião e embrião, pois neste caso entende-se que o pré-embrião antecede ao embrião, sendo que este tem como termo inicial o fim da segunda semana após a formação do zigoto, encerrando-se até o final da oitava semana (ZAGO, 2006b, p. 48), quando se inicia o período fetal. Essa distinção apresenta importância ao tema em foco diante do fato de que há quem defenda que o início da vida humana e respectiva proteção jurídica ocorreriam somente com o embrião, ou seja, após a fase do pré-embrião59. Esse assunto, todavia, será melhor explicado mais à frente.

Um último esclarecimento terminológico diz respeito ao que se entende por

células-tronco embrionárias, as quais, como já mencionado, podem ser objeto de pesquisas

nos termos do artigo 5º da Lei nº 11.105/2005.

As células-tronco são tipos de células indiferenciadas, não tendo função específica nos tecidos, sendo capazes de multiplicação e de manter-se indiferenciadas por longos períodos (quer in vitro, quer in vivo), mas que podem diferenciar-se em células maduras e funcionais dos tecidos diante de estímulos específicos (ZAGO, 2006b, p. 18).

Já as células-tronco embrionárias são células de embrião que apresentam a capacidade de se transformar em células de qualquer tecido de um organismo60 ou, de modo mais detalhado, são tipos de células-tronco pluripotentes (capazes de originar todos os tecidos de um indivíduo adulto) que crescem in vitro na forma de linhagens celulares

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Ressalve-se, no entanto, que R. A. Mello (2000, p. 6), utiliza o termo “feto” a partir da 8ª semana. Outros, todavia, entendem como feto o “organismo humano em desenvolvimento, no período que vai da nona semana de gestação ao nascimento”. (ZAGO, 2006b, p. 18). No mesmo sentido, Moore e Persaud (2008, p. 97 e seguintes) também entendem ser o período fetal da nona semana ao nascimento. Destaque-se, aliás, que este conceito de “feto” não corresponde ao que o direito tem considerado como “nascituro”, pois este abrange também a fase de desenvolvimento embrionário dentro do útero materno. A respeito do conceito de nascituro, vide tópico seguinte deste capítulo.

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Essa distinção entre embrião e pré-embrião constou de documento que tratou das tecnologias da infertilidade, formulado em 1984, na Inglaterra, denominado Relatório Warnock, segundo o qual somente após o 14º dia a partir da concepção há o embrião, já que antes haveria apenas um pré-embrião. Os fundamentos dessa separação, dentre outros motivos, decorrem da possibilidade, na fase de pré-embrião, de gemelação monozigótica (subdivisão das células embrionárias, em que um pretenso indivíduo se converte em dois ou mais) e fusão quimérica (compactação de células embrionárias, em que dois pretensos indivíduos tornam-se um), além de, após o 14º dia, ocorrer o aparecimento da linha primitiva (da qual se originará a coluna vertebral) e perda da qualidade de totipotência do concepto. Vide a esse respeito, tópico posterior, que discorre sobre a teoria do pré-embrião.

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Cf. inciso XII do artigo 3º do Decreto 5.591, de 22 de novembro de 2005. Ressalte-se que as células-tronco embrionárias – ou seja, oriundas de um embrião, que normalmente é destruído para sua extração - não se confundem com as células-tronco adultas. Quanto a estas, não há muita polêmica ética e religiosa em sua utilização, mas não são pluripotentes como as embrionárias.

derivadas de embriões humanos (ZAGO, 2006b, pp. 18-19). A extração dessas células- tronco dos embriões ocorre na fase do desenvolvimento embrionário inicial61 denominada blastocisto62.

A esse respeito, Lewandowski63 explica que, para a obtenção das células-tronco embrionárias cultivadas in vitro, a capa externa do blastocisto64 é destruída, cultivando-se a sua massa celular interior. Aliás, note-se que é justamente nesse processo de extração das células-tronco embrionárias que se encontra um dos pontos de controvérsia jurídica, pois uma das técnicas mais difundidas (e que os pesquisadores brasileiros têm se utilizado) para essa extração implica destruição dos embriões humanos (embora atualmente haja notícia de outras técnicas, menos difundidas, que não destroem os embriões).65

Feitos esses esclarecimentos terminológicos prévios, passa-se à análise de enunciados normativos que lidam com os fenômenos e fatos acima descritos. Como há dispositivos internacionais e nacionais que cuidam do tema, o tópico seguinte debaterá a respeito das normas internacionais que influenciam nas questões atinentes ao início da proteção do direito à vida e que refletem na disciplina das pesquisas com células-tronco embrionárias humanas no direito brasileiro, a fim de verificar possíveis soluções para essa confluência de normas de fontes diversas que foram delineadas no julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da ação direta de inconstitucionalidade nº 3510-0-DF.

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R. G. P. Ramos (2006, p. 68) subdivide o desenvolvimento embrionário inicial em estágio de duas células, estágio de quatro células, início do processo de compactação, embrião compactado, mórula e blastocisto. Para uma melhor noção de tais estágios, vide as explicações anteriores a respeito neste tópico.

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Na definição de Cochard (2003, p. 43), blastocisto é uma “bola de células preenchida de fluido que consiste de uma massa interna de células destinada a tornar-se embrião e um trofoblasto externo que será a membrana envolvente (córion) e a contribuição embrionária/fetal para a placenta”. E descrevendo a obtenção de células-tronco embrionárias, N. Donadio e N. F. Donadio (2008, p. 238) explicam que “inicialmente, os embriões devem atingir estágio de blastocisto, para após digestão da zona pelúcida e destruição do trofoblasto, obter a massa celular interna que, cultivada em feeder layers de fibroblastos de embriões de ratos inativados por irradiação, dariam origem às colônias de células-tronco. Trabalhos recentes mostraram a obtenção de linhagens, sem a necessidade de co-cultivo com células de animais, e sim com fibroblastos de placenta humana. Além disso, Klimanskaya obteve linhagem a partir de único blastômero, obtido por biópsia embrionária, não destruindo assim o embrião original, o que torna mais fácil a evolução dessas pesquisas do ponto de vista ético e, principalmente, religioso. Pesquisas estão sendo desenvolvidas quanto à obtenção de linhagens a partir de único blastômero íntegro de embriões extranumerários inviáveis para crioperservação em meios de cultivo livres de proteínas animais”.

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Conforme voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510-0-DF.

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Denominada trofoblasto externo e que deveria formar a placenta, caso o blastocisto fosse implantado no útero.

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Esse fato, aliás, levou a divergências na solução da ação direta de inconstitucionalidade nº 3510-0-DF tendo prevalecido o posicionamento pela constitucionalidade do artigo 5º da Lei nº 11.105/2005 sem qualquer condicionamento quanto a eventual técnica de extração de células-tronco de embriões (viáveis) a ser utilizada.

3.2 AS NORMAS INTERNACIONAIS QUE INFLUENCIAM NO DEBATE SOBRE O