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Teorias da implantação do embrião no útero e da nidação

Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005

3.4.1 Teorias acerca do desenvolvimento do embrião e o início de proteção do

3.4.1.2 Teorias genético-desenvolvimentistas

3.4.1.2.1 Teorias da implantação do embrião no útero e da nidação

Segundo Rocha (2008, p. 79), uma das teorias ditas genético-desenvolvimentistas trata-se daquela que aponta que a vida somente origina-se após a nidação, que consiste na fixação do ovo no útero da mulher, pois sem fixar-se no útero materno o embrião não teria condições de desenvolvimento.

Vasconcelos (2006, p. 44) explica essa teoria afirmando que a fase da nidação (fixação do ovo no útero materno ou, mais especificadamente, ligação do blastocisto à mucosa uterina) começa em torno do sexto dia e termina entre o sétimo e décimo segundo dia após a fecundação, acrescentando que, enquanto este estágio evolutivo não é atingido, entende-se existir somente um amontoado de células, não havendo que se considerar a mulher grávida ou o concepto um nascituro.

Dentre os argumentos contrários a essa teoria, consta a possibilidade de desenvolvimento do embrião humano em local diverso do útero, como no caso de uma gravidez abdominal, invalidando assim o argumento da imprescindibilidade da nidação.170

De fato, embora seja uma hipótese rara, é possível ocorrer o desenvolvimento do embrião em local diverso do útero, como a cavidade abdominal, resultando em um nascimento com vida. Um exemplo disso foi noticiado em 29 de março de 2009171: Izabel Aparecida Rodrigues tornou-se mãe de uma criança saudável desenvolvida na cavidade abdominal. Com isso, quem deseje a adoção dessa teoria, deve acrescentar a seus argumentos a possibilidade de gravidez em outros locais que não o útero (como a gravidez abdominal) para sustentar a ocorrência do início da vida, não bastando a referência à nidação.

Além disso, Vasconcelos (2006, p. 45) também critica a teoria da nidação mencionando que esta é apenas mais uma das diversas fases entre si associadas e interdependentes por que passa o embrião no processo contínuo de desenvolvimento, não devendo ser ignorado o estágio de vida que o antecede, sob pena de abrir-se perigoso

170

A esse respeito, Rocha (2008, p. 80) menciona, sem indicar expressamente a fonte, que “em maio de 1983, a imprensa divulgou o nascimento, com êxito, de uma menina oriunda de uma gestação abdominal”. No mesmo sentido, manifestação de Vasconcelos (2006, p. 117, nota 31) e Almeida (2000b, p. 117), a qual cita Genival Veloso de França para sustentar que mesmo não aninhado no útero, o ovo pode evoluir nas trompas e no peritônio, além de mencionar também a notícia de gravidez abdominal levada a termo em 1983, tendo resultado em uma criança saudável.

171

Conforme reportagem intitulada Fora do útero, do Jornal Folha de São Paulo, de 29 de março de 2009, p. C6.

caminho à livre manipulação dos embriões mantidos em laboratório, pondo em risco o patrimônio genético da humanidade.

Ainda nesse sentido, Thomson (1971, p. 47), em debate a respeito da possibilidade ou não do aborto, menciona ser comum, para aqueles que são contrários à interrupção da gravidez, utilizarem-se da argumentação de que o desenvolvimento do ser humano, da concepção ao nascimento, é contínuo, sendo arbitrário escolher um ponto em tal desenvolvimento e dizer que antes não há pessoa, e depois há.

Por outro lado, no caso específico de embriões fertilizados in vitro, em face da imprescindibilidade do corpo materno para o completo desenvolvimento embrionário (por exemplo, com a fixação do óvulo fecundado na parede uterina e fases de desenvolvimento subsequentes), passa-se a considerar que a vida tem início no momento da introdução do embrião no corpo (útero) materno, o que ocorre, em geral, depois do sétimo ou sexto dia da concepção in vitro. Para tal corrente, segundo Lewandowski172 e Palazzani (2005, pp. 172- 173), antes de tal momento, o embrião, congelado em laboratório, constitui um simples aglomerado de células da espécie biológica humana.

Esse entendimento foi adotado pelo Ministro C. Peluso, em seu voto no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510-0-DF, para definir o início da proteção do direito à vida no ordenamento jurídico pátrio. Segundo a argumentação desse Ministro, no direito brasileiro, a proteção constitucional ao direito à vida inicia-se somente após tal introdução. Para ele, o blastócito precisa ser transplantado para o útero da mulher, pois não tem aptidão de tornar-se algo mais, por si mesmo, sem intervenção ou assistência externa.

Assim, a partir dessas premissas, C. Peluso sustenta que um embrião humano congelado, enquanto não implantado, não é abrangido pelo conceito de vida, pois esta consiste em um processo (sucessão contínua de mudanças de acordo com diretriz unitária de desenvolvimento autônomo), radicado na ideia de movimento, cujo princípio causal está no próprio movente, não tendo tais embriões capacidade de movimento autógeno, já que o ciclo de mudanças iniciado no momento da concepção foi suspenso ou interrompido antes de lhes sobrevir a condição objetiva de inserção no útero173.

E em sentido semelhante, o Ministro E. Grau sustentou que não há vida humana no óvulo fecundado fora de um útero - que o artigo 5º da Lei nº 11.105/2005 chama de embrião - pois o processo de desenvolvimento vital não foi desencadeado, já que vida é

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Conforme voto proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510-0-DF (p. 18).

173

Conforme voto proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510-0-DF (itens 6, 7 e 8). Aliás, o Ministro assim sintetizou sua posição: “ou a vida decorre da concepção natural, em que há um continuum definidor da existência de processo vital em ato, ou seu impulso fica subordinado a certa condição por realizar.”

movimento e um óvulo fecundado congelado encontra-se paralisado à margem de qualquer movimento que possa caracterizar um processo.

Vejamos o trecho do voto do Ministro E. Grau acima sintetizado:

“no contexto do artigo 5º da lei nº 11.105/05, embrião é óvulo fecundado fora de um útero. A partir desses óvulos fecundados – fertilizados in vitro - é que são obtidas as células-tronco embrionárias referidas no preceito legal. Para logo se vê, destarte, que aí, no texto legal, embrião não corresponde a um ser em processo de desenvolvimento vital, em um útero. Embrião é aí, no texto legal, óvulo fecundado congelado, isto é, paralisado à margem de qualquer movimento que possa caracterizar um processo. Lembre-se que vida é movimento. Nesses óvulos fecundados não há ainda vida humana. [...] Daí diremos [...] que o útero é a morada da vida e que apenas no âmbito desta morada, que é o local familiar do embrião, surge efetivamente a vida. É lá que se dá – e só lá – a necessária estadia da vida anterior ao nascimento.

Não há vida humana no óvulo fecundado fora de um útero que o artigo 5º da Lei n. 11.105/2005 chama de embrião. A vida estancou nesses óvulos. Houve a fecundação, mas o processo de desenvolvimento vital não é desencadeado. Por isso não tem sentido cogitarmos, em relação a esses “embriões” do texto do artigo 5º da Lei n. 11.105/2005, nem de vida humana a ser protegida, nem de dignidade atribuível a alguma pessoa

humana.” 174

Essa caracterização da vida como um processo, dotado de movimento autônomo, embora se aproxime do que se costuma a entender por vida, não é suficiente para distingui- la de outros fenômenos. Segundo A. Damineli e D. S. C. Damineli (2007, pp. 265-266), existem fenômenos naturais que satisfariam a essa definição, como no caso de um incêndio ou uma tempestade, ou até mesmo um programa de computador.

Acrescente-se, ainda, que essa tese da desqualificação do embrião pré-implantatório por falta de viabilidade enquanto não implantado in vivo ou in anima móbile é criticada por Almeida (2000a, p. 151) pois, para tal autora, isso parece propor a promoção, pela Ciência, da ectogênese (experiências que visem à criação de seres em laboratório), prática considerada condenável do ponto de vista ético.

Registre-se, por fim, que no caso do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade nº 3510-0-DF, embora alguns Ministros tenham defendido que a vida somente se inicia com a implantação do embrião humano fertilizado in vitro, essa argumentação não foi majoritária, não consistindo, assim, em impedimento para que se sustente a proteção jurídica da vida no ordenamento jurídico brasileiro, em geral, a partir da concepção, com fulcro em norma oriunda do art. 4º, 1, da Convenção Americana de Direitos Humanos. Ademais, também se compatibiliza com tal decisão considerar que este

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Registre-se, no entanto, que o Ministro Eros Grau, ao final, votou pela declaração de constitucionalidade do dispositivo em foco estabelecendo termos aditivos, como o condicionamento à obtenção de células-tronco embrionárias humanas desde que o óvulo fecundado não seja destruído ou que seja inviável.

dispositivo é excepcionado pelo contido no art. 5º da Lei nº 11.105/2005, sendo isso autorizado pela expressão “em geral”.