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“A Escola é um microcosmos no qual se tece uma rede, visível, umas vezes, invisível, outras, de relações interpessoais que configura o clima da instituição. Não é fácil descrever como vai ocorrendo esse emaranhado de comunicações, já que estas têm uma natureza diversa, uma finalidade e intensidade bastante diferente, direcções múltiplas e uma constante variabilidade que decorre da dinâmica interna e dos condicionalismos externos” (Guerra, 2002: 54).

A imagem da escola como micropolítica surge a partir de vários investigadores e consequentemente de várias linhas de investigação. Baldridge (1994) e Hoyle (1990) encontram a fundamentação teórica deste modelo organizacional em diversas áreas disciplinares. Baldridge (1994: 57) refere-se à

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Teoria do Conflito4 da Sociologia que tem sido analisada pelo menos desde Marx;

ultimamente o interesse tem sido renovado pela aproximação ao behaviorismo. A análise de Marx era, contudo, centrada nos conflitos sociais na indústria inglesa, enquanto que Ralf Dahrendorf, Lewis Coser, entre outros, estenderam essa análise à sociedade moderna.

Hoyle (1990: 263-265) refere-se a três grupos de investigadores ligados à micropolítica, liderados por March, Crozier e Bacharach, que constituem os “passos fundamentais na construção do modelo político de análise organizacional”. March e os seus colaboradores concentram-se menos na conformidade das decisões tomadas e mais no como eram realmente realizadas; Crozier interessa-se profundamente em como o poder e a influência operam nas organizações através de jogos individuais ou de grupo com a finalidade de resolver problemas e cujo poder serve para negociar relações e conquistar simpatizantes; Bacharach e Lawler consideram que uma organização política requer uma análise do poder de coligações e negociações.

Os autores citados por Hoyle consideram que uma organização é composta por indivíduos ou grupos heterogéneos, sendo substituída a ideia de organizações holísticas ou homogéneas; nas heterogéneas não existe harmonia.

Segundo Bacharach (1990: 279), a harmonia foi usurpada pelo caos5. Por surgir

associada à ideia de caos, esta perspectiva também é chamada por Costa (1996) de “Arena Política”. Neste tipo de organização há conflitos e disputa de interesses e consequentemente luta pelo poder e negociação.

Segundo Hoyle (1990: 256-257), numa organização como micropolítica, são utilizadas estratégias mediante as quais indivíduos ou grupos em contextos organizativos tratam de utilizar os seus recursos de poder e influência para promover os seus interesses. Caracteriza-se ainda pelas coligações entre departamentos, pelas estratégias mais do que por regras, por influência mais do que por poder e por conhecimento mais do que por status.

Segundo March (1988, cit. por Gomes, 2003: 125) “Poder, lutas internas, oportunismo” são as palavras que aparecem nos modelos políticos, em vez de ordem, cooperação e resolução de problemas.

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Texto original: “Conflict theory” 5

66 Também Mintzberg (1994: 329) se refere aos jogos políticos praticados pelos diferentes detentores de influência interna e à necessidade do gestor analisar sistematicamente os problemas e responder às situações de forma estratégica. Mintzberg (1999: 66) considera que desde as experiências de Hawthorne, se tem tornado cada vez mais óbvia a complexidade de uma organização:

“Existem centros de poder que não são oficialmente reconhecidos; redes complexas e ricas de comunicações informais, que por vezes complementam e contornam os canais estabelecidos; e os processos de decisão funcionam independentemente do sistema regulado” (Mintzberg, 1999: 66).

De acordo com a síntese efectuada por Costa (1996: 73), uma Escola como Arena Política apresenta as seguintes características:

− “a escola é um sistema político em miniatura cujo funcionamento é

análogo ao das situações políticas existentes nos contextos macro- sociais”;

− “os estabelecimentos de ensino são compostos por uma pluralidade e

heterogeneidade de indivíduos e de grupos que dispõem de objectivos próprios, poderes e influências diversas e posicionamentos hierárquicos diferenciados”;

− “a vida escolar desenrola-se com base na conflitualidade de interesses e

na consequente luta pelo poder”;

− “os interesses (de origem individual ou grupal) situam-se quer no interior

da própria escola, quer no seu exterior e influenciam toda a actividade organizacional”;

− “as decisões escolares, tendo na base a capacidade de poder e de

influência dos diversos indivíduos e grupos, desenrolam-se e obtêm-se, basicamente, a partir de processos de negociação”;

− “interesses, conflito, poder e negociação são palavras-chave no discurso

67 Todos os indivíduos que pertencem a uma organização escolar querem que esta funcione e por isso compartilham recursos e valores, mas, à luz de uma escola como micropolítica, o consenso não é um elemento predominante devido à presença de interesses discordantes entre os indivíduos e grupos que procuram exercer influência na dinâmica do funcionamento da mesma. Através das relações que estabelecem, os diversos intervenientes determinam ou defendem espaços de poder, procuram fazer prevalecer os seus pressupostos ideológicos e práticos, e em geral os seus interesses, intenções e objectivos (González, 2003: 132).

Estes objectivos não são apenas os que estão definidos mas fundamentalmente aqueles que cada membro da organização tenta fazer emergir de processos de negociação, pactos e lutas (Estêvão, 1998b: 30. Mesmo numa escola privada:

“ […] a regulação não é constituída apenas a partir de regras emitidas pelas direcções das escolas, mas também por uma regulação autónoma que vem dos membros do grupo que jogam com as regulações de controlo para recriarem ou seleccionarem um conjunto de regras, conforme aos seus objectivos e suas estratégias” (Id., Ibid.: 30).

De acordo com González (2003: 132-134) há vários motivos para que uma organização escolar esteja propensa a ter relações micropolíticas:

Importância das pessoas na construção da realidade organizativa6: as pessoas que constituem uma organização estabelecem relações, actuações e comunicação entre elas. Há lutas de interesses entre elas a partir dos quais se negoceia continuamente a realidade, os significados e os valores da vida escolar;

Ambiguidades das metas escolares7: a actuação nos centros escolares não está linearmente configurada e orientada, assim cada um pode orientar o seu modo de actuar em função dos seus interesses;

Imprecisão da tecnologia8: nas organizações não existe um óptimo nem

um único modo de fazer as coisas e a sua actividade não é nem completamente técnica, nem completamente precisa. É normal que haja

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Texto original: “Importancia de las personas en la construcción de la realidad organizativa” 7

Texto original: “ambigüedad de las metas escolares” 8

68 consenso e discordância, clareza e confusão, ou que se desencadeiem dinâmicas de debate, negociação, conflito, colaboração e confrontação;

Carácter problemático da tomada de decisões9: com frequência, as

decisões que se tomam dependem do tempo que se lhes dedica, do problema em questão, das soluções que se propõem, das limitações gerais devido a conflitos anteriores, pressões internas e externas, etc; − Débil articulação10: cada departamento de um centro escolar funciona

com certa autonomia, onde se multiplicam interesses; não existem formas de controlo directo e imediato sobre as unidades da organização, nem sobre a actividade de ensino/aprendizagem.

Numa escola como micropolítica, os interesses de cada actor influenciam a sua forma de comunicação/participação.

No próximo ponto procuraremos compreender como se processa essa comunicação nesta imagem.