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A ESCOLA DE ENFERMAGEM CORAÇÃO DE MARIA: religiosidade X modelo importado

3 NAS SENDAS DE UM NOVO FAZER CIENTÍFICO

4.1 A ESCOLA DE ENFERMAGEM CORAÇÃO DE MARIA: religiosidade X modelo importado

O primeiro quadro que apresentamos é o do surgimento do Curso de Enfermagem da PUC-SP, em 1950, um ano após a regulamentação do Ensino de Enfermagem no Brasil – Decreto 27426/49, e que, inicialmente, recebeu o nome de Escola de Enfermagem Coração de Maria. Hoje, intitula-se Curso de Enfermagem da PUC-SP da Faculdade de Ciências Médicas do Centro de Ciências Médicas e Biológicas campus situado na cidade de Sorocaba interior do Estado de São Paulo.

Inicialmente, a organização da escola foi confiada às irmãs franciscanas do Coração de Maria por orientação do Eminentíssimo Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, Arcebispo de São Paulo (1944-1964).

O primeiro currículo do curso foi construído baseado na Lei 775/49 de 6 de agosto de 1949 que no Art.20 orienta:

“Em cada Centro Universitário ou sede de Faculdade de Medicina, deverá haver escola de enfermagem, com os dois cursos que trata o art. 1º.”

Por este motivo foi criado o Curso de Graduação em Enfermagem e Curso de Auxiliar de Enfermagem junto à Faculdade de Medicina que iniciava suas atividades na cidade de Sorocaba-SP.

A escola de Enfermagem Coração de Maria recebeu autorização para funcionamento através da Portaria nº 497 em março de 1951 e, posteriormente, após visita de três enfermeiras avaliadoras Haydée Guanais Dourado, Ana Jaguaribe Nava e Edith de Magalhães foi reconhecida pelo governo Federal pelo Decreto nº 32087 publicado no Diário Oficial em 13 de janeiro de 1953. Gardenal (1996).

Em 18 de agosto de 1955 foi aprovada pelo Conselho Universitário da Pontifícia Universidade Católica a admissão da Escola Coração de Maria como Instituição agregada à Universidade.

Embora a Escola de Enfermagem Coração de Maria fosse dirigida por uma Irmã Franciscana, a Congregação – órgão decisório para assuntos acadêmicos - era presidida por um médico que também era Diretor da Faculdade de Medicina.

O corpo docente era constituído por médicos que eram “encarregados responsáveis das cadeiras das ciências médicas”; às Irmãs Franciscanas ficava o cargo de Instrutoras das atividades práticas realizadas, predominantemente no Hospital.

Muito sutilmente, de uma forma natural, devido às circunstâncias, um grande valor era dado àqueles que ocupavam a posição de encarregados responsáveis da cadeira.

Considerando a definição de Baró (1989, p101, tradução nossa) sobre poder: “[...] é aquele caráter das relações sociais baseado na posição diferencial de recursos que permite a uns realizar seus interesses, pessoais ou de classe, e impô- los a outros”.

O poder do médico sobre as irmãs enfermeiras instrutoras dos estágios é representado pelo paradigma estratégico, isto é, não é um objeto, nem uma potência e nem uma instituição, é uma situação estratégica que surgiu na relação social, colocando a figura do médico em situação de superioridade perante as freiras.

Por outro lado, quando é conferido à Irmã Franciscana a Direção da escola, age outra força de poder o modelo jurídico, na forma de lei sancionada em 17 de setembro de 1955 pelo Presidente da República, que regula o exercício da enfermagem profissional sob o nº 260, e define como atribuições dos enfermeiros, além do exercício da enfermagem:

a) Direção dos serviços de enfermagem nos estabelecimentos hospitalares e de saúde pública, de acordo com o art.21 da Lei nº775, de 6 de agosto de 1949; b) Participação do ensino em escolas de enfermagem e de auxiliar de

enfermagem;

c) Direção de escola de enfermagem e de escolas de auxiliar de enfermagem; d) Participação nas bancas examinadoras e de práticos de enfermagem.

Retomando a 1951 na Escola de Enfermagem Coração de Maria, o curso foi estruturado nos moldes das outras escolas do país, previsto no Decreto 27426/49 que representava uma adaptação do “Curriculum Guide” elaborado em 1937 pela

National League of Nursing – EUA uma versão americana do Sistema Nightingale,

ou seja, fortemente influenciada pelos estudos de Taylor sobre gerência científica, acentuando o trabalho parcelado e os procedimentos técnicos. Garcia, Chianca e Moreira (1995); Backes (1999).

Existe um paradoxo nesta intenção, pois as americanas utilizavam este modelo para suprir os hospitais de mão de obra barata; porém, quando foi importado

para o Brasil, inicialmente, era para formar profissionais que contribuíssem no saneamento dos portos, em especial o do Rio de Janeiro.

O governo brasileiro enfrentava, naquela época, sérios problemas com o comércio de exportação, pois os países que negociavam com o Brasil começaram ameaçar em cortar relações se o governo não saneasse os portos, porque a tripulação dos navios que atracavam no porto do Rio de Janeiro era contaminada por doenças como febre amarela, varíola, peste, acarretava, inclusive, a morte de muitos.

A atuação das alunas na Saúde Pública tinha ideais humanitários e assistencialistas conforme observação feita em reunião da Congregação

Em seguida, dirigiu o mesmo professor, palavras de elogios ao Serviço de Saúde Pública, levado a efeito pelas alunas da 3ª série, no decorrer da Cadeira de Saúde Pública. Frisou bem, a minuciosidade do trabalho das alunas nas visitas domiciliares, e no Serviço de Saúde Pública instalado, na escola. Verdadeira obra de caridade!. PUC-SP (1954)

Germano (1985, p. 37) apresenta dados que demonstram um aumento da tendência do mercado para o campo hospitalar: “em 1943, de 334 enfermeiras em serviço ativo, 66% trabalhavam na saúde pública e 9,5% em hospitais, em 1949, 49% das enfermeiras encontravam-se no campo hospitalar e 17,2%, na saúde pública.”

Em meados da década de 50, com o maior desenvolvimento industrial e um aumento da urbanização, conseqüentemente, cresce a demanda da assistência

médica via Institutos e viabiliza-se o crescimento de um complexo médico hospitalar para prestar atendimento aos previdenciários5

Do que decorre que com o crescimento da indústria hospitalar, o intento das americanas foi se consolidando com a criação de Cursos de Enfermagem em vários estados brasileiros, dentre eles a Escola de Enfermagem Coração de Maria, que, embora não declaravam utilizavam a mão de obra de alunos para manter o hospital. Como constatamos, há registro de exigência de 48 horas semanais com plantões nas enfermarias do hospital ligado à escola.

Além do regime de internato os alunos eram mantidos sob um rígido sistema educacional, estimulando a prática da passividade, disciplina, culto à hierarquia, obediência e abnegação.

A metodologia de ensino adotada na época nas escolas de enfermagem seguia o já citado sistema Nightingale, dava-se destaque à instrução programada, como relata a seguir:

Ao estabelecer uma estrutura curricular rígida não ensejava uma formação mais “liberal” do enfermeiro a ênfase era mais no fazer do que no pensar, repetir técnicas e usar bandejas prontas tolhendo a criatividade do aluno. A centralização no estudo das doenças e não no doente minimizava a reflexão maior sobre a natureza prática da enfermagem e a contribuição do enfermeiro e do auxiliar de enfermagem. (OLIVEIRA, 1981, p.22)

Estes aspectos podem ser comprovados pelo depoimento registrado na Ata da 1ª Reunião de Instrutoras da Escola de Enfermagem Coração de Maria –27/07/ 1957

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Os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP) (os trabalhadores eram organizados em categoria profissional (marítimo, comerciários e bancários) não por empresas.

[...] “Tomando a palavra a Irmã [.6.] pediu permissão para expor uma idéia que tivera, idéia que já começara por em prática, motivada pela necessidade de dar passagem de estágio às alunas, com conhecimento exato da técnica, o que se tratava do exame prático de todos os serviços executados na seção, desde verificar temperatura e aplicar injeção até fazer a cama com técnica aprendida. A idéia foi aprovada, afirmando Irmã [...], já ter feito isso com suas estagiárias, visto que nem sempre lhe ser possível estar presente na hora em que prestam cuidados ao doente, ou desempenham seu serviço em outro campo na seção”.

Outra inadequação deste currículo é a disritmia entre o ensino e o serviço, apontada por Pinheiro (1952) apud Oliveira 1981 “[...] enquanto a escola insistia na preparação de enfermeiros, segundo modelo preconizado pelos currículos americanos ou canadenses, a realidade dos serviços estava exigindo das enfermeiras recém graduadas, o desempenho de tarefas de liderança nas áreas de administração de serviços e de ensino de enfermagem.”

Essa preocupação também foi discutida entre os Membros da Congregação da Escola de Enfermagem “Coração de Maria” em reunião dia 15/04/1953:

“[...] tomou de início a palavra o Sr. Presidente, que falou sobre a inclusão de mais uma disciplina no Curriculum, isto é Organização e Administração Hospitalar, apresentando ao mesmo tempo o programa da cadeira que terá início no próximo dia dezoito. Realçou a grande importância dessa disciplina, em face da observação de fatos que passam em torno dos hospitais. Como é a Enfermeira que compete realizar esta importante tarefa em vista das inúmeras ocupações de um Diretor Clínico de Hospital, ocupações essas que avolumando à medida em que os hospitais vão se desenvolvendo e se aperfeiçoando.[...] A inclusão desta disciplina no currículum de

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Doravante ocultarei os nomes das pessoas citadas nas atas da Congregação da Escola de Enfermagem Coração de Maria, das Instrutoras, e do Conselho técnico do Hospital.

matérias foi plenamente aprovada pela Comissão nomeada pelo Ministério, para fiscalização com fim de reconhecimento. Em seguida, mostrou Sr. Presidente o desejo de transformar essa cadeira, num Curso de Pós – graduação”

Salientamos, que no ensino da enfermagem brasileira na década de 50, três pontos merecem destaque: a) a metodologia de ensino era voltada para o treinamento de alunos para executar tarefas e rituais; b) o sentimento de religiosidade, pelo fato da vinculação das ordens religiosas tanto na direção de escolas e no ensino como na direção de serviços de enfermagem de hospitais; c) a preocupação com o social relacionado ao servir.

A seguir, apresentamos um quadro com um esquema explicativo, para efeito didático, demonstrando a confrontação das categorias histórico-dialéticas das contradições do dever ser o jogo de poder, o dever ser e os interesses políticos, o dever ser e a realidade.

63 LEI 775/49 DECRETO 32087/53 Escola de Enfermagem Coração de Maria

P

R

O

C

E

S

S

O

ESTRUTURA

MODELO

PERFIL

MERCADO

• Fragmentada

Importada dos americanos

Regime de internato

Mão de obra barata • Prioriza hospital • Biológico • Tecnicista • Centrado no professor • Corpo docente médicos • Aluno passivo, obediente • Forte conotação religiosa • Enfermeira de Cabeceira • Liderança • Administração

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