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ESCOLA E SEXO: A VALIDAÇÃO DE VALORES SOCIOCULTURAIS HEGEMÔNICOS.

Serra prepara nova ''lei anticoxinha''

PARA LEMBRAR

3.3. ESCOLA E SEXO: A VALIDAÇÃO DE VALORES SOCIOCULTURAIS HEGEMÔNICOS.

Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa. (FOUCAULT,1996, p. 9)

Não é possível tratar da sexualidade em articulação com o discurso sem considerar como referência fundamental a História da Sexualidade, de Foucault. É lá que o filósofo historiador analisa como a partir do século XVIII começa a se instaurar um novo regime de forças que vai incidir sobre o homem-espécie, considerando-o não somente como corpo individual – objeto das tecnologias disciplinares – mas enquanto coletividade. O biopoder busca estabelecer um controle sobre a vida, com o objetivo de aumentar a força do Estado, através de políticas voltadas para a saúde e o bem estar da população. Essa nova forma de poder vai promover uma articulação entre os mecanismos disciplinares, que atuam sobre o corpo, e os mecanismos reguladores, que atuam sobre a população.

Nesse entremeio, a sexualidade ocupa um papel central, já que requer, ao mesmo tempo, um controle do corpo e mecanismos regulamentadores, dados seus efeitos procriadores, ou seja, é possível controlar, pelo sexo, tanto o corpo quanto a população. A partir desse entendimento, Foucault explica por que a sexualidade passa a ser tão alvo de toda uma política do sexo, através de estratégias que incidiram em quatro diferentes direções: a histerização das mulheres, pedagogização do sexo da criança, o controle da natalidade e a psiquiatrização das perversões (FOUCAULT, 1988, p. 99).

Desse modo, é na História da sexualidade I (A vontade de saber) que Foucault explicita por que rejeita a hipótese repressiva sobre o sexo, analisando de que modo foi possível construir todo um campo de saber sobre o homem, através daquilo que lhe é oculto, transformando-o em sujeito de uma sexualidade. Na História da sexualidade II (O uso dos prazeres), Foucault recorre a textos da Antiguidade para entender como os homens se constituíram em sujeitos morais. Nesses textos, Foucault encontra um conjunto de regras, opiniões e conselhos – um conjunto de práticas de si – que deveriam orientar a vida do homem, regulamentando o uso dos prazeres, tendo em vista a arte da existência. Já na História da sexualidade III (O cuidado de si), Foucault examina como se estabeleceu nos primeiros séculos da Era Cristã uma ética da austeridade que se manifesta no desenvolvimento de uma cultura de si, voltada para o governo de si.

É ainda essa moral cristã, alimentada por práticas de si, como exame de consciência, confissão, renúncia e sacrifício que perpassa as práticas cotidianas, determinando o que se deve fazer do corpo, da alma, da vida. A estética da existência pressupõe um conhecimento de si, objetivando o governo de si e dos outros. Como sujeito de uma sexualidade, o ser humano apropria-se de um conjunto de saberes, através das práticas discursivas, que regulamentam os modos de pensar e agir.

Através desse percurso, é possível entender como o sexo tornou-se objeto de discursos e os deslocamentos que acabaram por atrelar o sexo à moral na cultura ocidental. Pode-se compreender como se constituiu um campo de saberes sobre o sexo através do qual é possível exercer poderes sobre o homem, transformando-o em sujeito de uma sexualidade. É sempre por meio da relação estabelecida entre o saber e o poder – efetivada através das práticas discursivas – que a subjetividade se produz, por isso analisar discursos é também investigar a própria constituição dos sujeitos.

Para dar continuidade às análises propostas nos objetivos desta tese, passemos agora a investigar um conjunto de notícias que tratam do objeto escola em sua relação com o tema sexo. Para nós, essas notícias interessam na medida em que funcionam como práticas discursivas, através das quais temos acesso a um regime de discursividade sobre a escola e as subjetividades contemporâneas.

Para o que pretendemos, selecionamos como materialidade para análise algumas notícias que fazem referência ao envolvimento dos alunos em novas práticas relacionadas à sexualidade, o que mobiliza a emergência de ações de intensificação de mecanismos de controle com o objetivo de coibir comportamentos considerados indesejáveis ou fora dos padrões, atuando assim no governamento das subjetividades contemporâneas.

No final de 2009 e início de 2010, o uso de pulseiras de silicone coloridas virou moda entre os estudantes de algumas escolas brasileiras. Tais adereços, conhecidos como pulseiras do sexo, passaram a despertar a atenção por estarem relacionadas a um jogo, criado na Inglaterra, em que a cor da pulseira está associada a um tipo de carícia que vai desde um abraço até sexo. A utilização dessas pulseiras pelos alunos motivou diversas ações por parte das escolas, secretarias de educação, câmara de vereadores e juizados, como demonstram as notícias que selecionamos para análise nesta parte do trabalho.

Como vimos mostrando, as notícias funcionam como um poderoso instrumento para produzir, disseminar e validar verdades em nosso tempo. Nesta parte da análise, pretendemos destacar de que modo as notícias acolhem certos discursos, fazendo-os funcionar como verdadeiros em detrimento de outros. No caso das notícias sobre a proibição das pulseiras do

sexo nas escolas é preciso refletir sobre os mecanismos discursivos capazes de consolidar enunciados verdadeiros que reforçam certos valores socioculturais.

A sequência de notícias que apresentaremos a seguir demonstra de que modo as práticas de uso de um adereço, cujos sentidos foram produzidos socialmente, serviram para motivar ações de vários segmentos da sociedade, tendo em vista o governamento dos sujeitos escolares. Vejamos a primeira notícia:

02/03/10 - 13h52 - Atualizado em 02/03/10 - 14h26