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3. ESCOLA, EDUCAÇÃO FÍSICA, CORPO E MOVIMENTO

Uma revolução, muitas vezes silenciosa, vem tomando conta da educação ao longo do século XX e, por conseqüência, vem transformando o ambiente escolar, transferindo e atribuindo-lhe novas responsabilidades na formação do educando que, anteriormente, eram da família e da igreja. Podemos observar que muitos educadores ainda não se deram conta ou relutam em aceitar esse cenário, embora constantemente tenham de opinar, planejar e atuar nesse contexto.

A escola, por sua vez, é uma instituição social que vivenciou e vivencia constantemente estas transformações em uma relação dialética com a sociedade na qual se insere, ou seja, ao mesmo tempo em que influencia, é influenciada pelas estruturas existentes. Esse contexto se estabelece e se perpetua à medida que sua organização e ação estão ligadas aos mecanismos das estruturas do poder, que são resultantes de um processo cultural e histórico.

O trabalho de Gonçalves (1997), referindo-se aos estudos históricos de Foucault (1987), apontam para uma escola que, ao longo dos séculos XVIII e XIX, tinha implícito em seus objetivos o poder de disciplinar o corpo e, conseqüentemente, com ele, os sentimentos. Buscava-se uma forma de disciplinar os movimentos corporais, dissociando- os das emoções e efetivando o seu controle e manipulação.

As formas de a escola controlar e disciplinar o corpo têm se mostrado diferentes ao longo do tempo. Quer seja fundamentada em questões biológicas, como saúde e higiene, ou por questões sócio-culturais, a instituição escolar, estando atrelada aos mecanismos dos sistemas político-ideológicos dominantes, geralmente encontrou caminhos para ‘administrar o corpo’, separando-o da mente.

É notório que este quadro vem sofrendo transformações, até mesmo pelo número de propostas educacionais que têm chegado à escola. Todavia, no nosso modo de ver, o caráter

controlador tem sido apenas camuflado nesse processo ao observarmos que muitas práticas escolares supervalorizam os conteúdos predominantemente cognitivos, desde a elaboração do currículo, até o horário de aulas, entre outros.

Esse cenário, de certa forma, contribui para um distanciamento progressivo do homem com seu ambiente, em suas relações sociais, mas principalmente o distanciam de si mesmo ao ser negligenciado em suas vivências sensoriais.

Neste mesmo sentido, Freire e Scaglia (2003) apontam um aspecto crítico a ser considerado quanto ao tempo de escolaridade de cada indivíduo, desde seu ingresso no Ensino Fundamental até o término do Ensino Médio, quando se obtém, segundo os autores, “8.800 horas de confinamento nesse pequeno espaço” ao qual atribui-se o nome de sala de aula. Os autores alertam ainda para as conseqüências não só físicas (que são muitas), mas também para as atitudes, a postura crítica, ou não crítica e condicionante que podem decorrer dessa imobilização corporal ao longo desse período.

Se há uma área em que o sistema educacional avançou pouco, foi quanto à liberdade de atuação corporal dos alunos. Nesse aspecto, o ambiente escolar continua restritivo, submetendo os alunos a reduzidos espaços físicos de aproximadamente meio metro quadrado, o equivalente aos limites de sua carteira escolar. (Freire & Scaglia, 2003 p.7)

Tem sido difícil para muitos educadores entender, reconhecer e aceitar que a escola deixou de desempenhar seu papel de apenas ensinar, ser a transmissora de conhecimentos. Ao longo do tempo, por questões não só educativas, mas também sociais, a escola tem sido levada a ampliar seu leque de atuação, assumindo papéis que muitas vezes ultrapassam os limites da sala de aula. Conteúdos como cidadania, autonomia, moralidade, ética, deficiência física, discriminação racial e sexual, entre outros, têm sido questões abordadas não só a título de informação, mas, sobretudo, de discussão e reflexão.

Bologna (2004) aponta alguns fatores determinantes nesse processo de transformação da escola para termos o panorama da realidade contemporânea:

 Sobre a instituição escolar, o autor sinaliza para uma escola preocupada em cumprir seu papel de repetidora da cultura. Desde sua origem, as escolas em Atenas e Roma, tinham uma visão do conhecimento como “coisa” a ser “empacotada” e reproduzida ao aluno através dos séculos. O corpo, nessa escola, era contemplativo, forte para as batalhas ou, no outro extremo, considerado escravo.

 A dissolução da família tradicional que, especialmente depois de 1960, foi colocada em “cheque” aparece como outro fator que influenciou o ambiente escolar. Separações, novos casamentos e, em especial, a entrada das mulheres no mundo do trabalho provocaram uma mudança nos costumes. A família, que era baseada na esposa/mãe, que a centralizava e ao mesmo tempo era oprimida pelo patriarcalismo, desequilibrou-se.

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 Outro aspecto também apontado pelo autor refere-se à organização da sociedade que, de maneira geral, possuía uma estrutura em que as crianças eram socializadas pela família, moralizadas pela igreja e culturalizadas pela escola.

A evolução deste quadro parece ter gerado uma transferência de responsabilidade que a sociedade fez para a escola sem que esta tivesse o tempo e o entendimento necessários para tanto. De maneira geral, as famílias passaram a delegar à escola, além do papel principal da educação escolarizada, o desenvolvimento dos processos de socialização e moralização

É importante enfatizar e reconhecer o ônus excessivo que recaiu sobre a escola e conseqüentemente sobre os professores, já que esta transferência não veio acompanhada de aumento de prestígio e de outros recursos.

Todavia, mesmo considerando estes aspectos, entendemos que a instituição escolar não pode ignorar estes aspectos ou fingir que eles não existem, ou, ainda, ficar imobilizada somente em discussões.

No nosso ver, a imobilidade e a falta de atitude por parte da família, da escola ou dos educadores podem aumentar o distanciamento já existente.

Nas idéias de Bologna (2004), a escola ganhou uma dimensão social que nunca teve. De repetidora, ela se tornou co-criadora deste novo mundo que está surgindo.

O autor destaca ainda que o objetivo da educação contemporânea é a construção do próprio destino do educando, sua inserção e contribuição à sociedade, e o educador deve acreditar e estimular relações fundadas nessa perspectiva.

Nesta mesma perspectiva, Freire & Scaglia (2003) afirmam que:

A educação escolar terá de enfrentar o problema da compatibilidade entre a formação do indivíduo e suas interações com a sociedade. Ao se formar, o

cidadão tem de ser suficientemente acessível ao outro, colocando-se à disposição do interesse coletivo seu repertório de conhecimentos. Para tanto, a educação deve voltar-se não só a inteligência racional, mas também ás emoções , ao sentido estético, à moralidade, à motricidade, à sociedade e à sexualidade. (p. 9)

A Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9394/1996), através dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1997), valoriza em seus princípios básicos a importância de uma escola para todos, com a intenção de avançar seus limites físicos e acadêmicos, redimensionando seu papel perante a sociedade.

Nesta perspectiva, Mello (apud Mantoan 1997, p.14) referindo-se á escola, afirma que:

[...] Seu papel não é apenas o de ensinar cadeiras acadêmicas como português, matemática entre outras, mas também o de participar decisivamente no estabelecimento dos padrões de convivência social. É através da escola que a sociedade adquire, fundamenta e modifica conceitos de participação, colaboração e adaptação.

Nas palavras de Freire e Scaglia (2003, p.31),

Portanto, um currículo, não importa se de educação física ou de outra disciplina qualquer, precisa apontar soluções para a vida social. Não faz mais sentido isolar crianças em bancos escolares e querer que, mais tarde, se tornem cidadãs.

Entendemos que este “novo mundo” deve considerar os corpos que nele habitam, acompanhados de seus movimentos, expressões e sentimentos. Um corpo que também vai à escola, não para ser controlado ou educado, mas para ser estimulado, vivenciado, compreendido.

Em relação à Educação Física, o que podemos questionar deste contexto é que, historicamente, tem sido atribuída à área a responsabilidade de causar a dicotomia corpo- mente por questões de indefinição de paradigma ou construção de um corpo de conhecimento específico. Todavia, ao observarmos o caminho historicamente percorrido pela instituição escolar, parece-nos correto afirmar que também cabe a ela, escola, uma parcela desta responsabilidade.

As regras e normas estabelecidas pelas instituições escolares, a disposição das carteiras, a distribuição do tempo de aula destinado a determinadas disciplinas, entre outros aspectos, nos revelam a preocupação com o comportamento corporal dos alunos. Revelam também um poder disciplinar que veladamente pretende ‘vigiar’ as possíveis manifestações afetivas que poderiam surgir de um corpo livre e de movimentos espontâneos.

Numa crítica a este contexto, Freire (1989) deixa transparecer em suas idéias que parece haver a necessidade de duas escolas: uma, para a mente, e outra, para o corpo, e que ambas deveriam acontecer de forma e em horários distintos.

Parece-nos que a aprendizagem de conteúdos na escola é uma aprendizagem desprovida de corpo e de experiências sensoriais, sendo somente um somatório de conhecimentos absorvidos através de palavras, figuras, fórmulas de que o corpo pouco ou nada participa. Nota-se, de maneira geral, que o ambiente escolar como está estruturado oferece poucas oportunidades para a individualidade se manifestar e desenvolver.

Dessa forma, considerando esse contexto da educação escolarizada, não é difícil entender o papel que foi destinado à Educação Física, e que esta assumiu e desempenhou com certa maestria ao longo dos anos ao privilegiar predominantemente os conteúdos esportivos, o desempenho de habilidades e a aptidão física.

É necessário enfatizar que não somos contrários a estes conteúdos, mas entendemos que a forma, procedimentos e a ação pedagógica destinada ao seu desenvolvimento tornaram-se fatores determinantes no processo de alienação do corpo.

A LDB, (1996), através dos PCNs – Área Educação Física (1997) e o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil, (RCNEI – 1998) evidenciam uma preocupação em modificar o caráter que a Área assumiu nas últimas décadas.

Podemos observar que a Educação Física no âmbito escolar, na perspectiva de melhor compreender seu papel, tem buscado significado para o movimento do homem bem como compreender o homem em movimento, considerando que estes aspectos representam dois lados da mesma moeda, ou seja, as inter-relações existentes entre homem e movimento nas dimensões motora, cognitiva, afetiva e sócio-cultural.

Embora no ambiente escolar a área tenha seu papel reconhecido legalmente explicitado no art. 26, § 3° (LDB, 1996): “a Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos”. É fato que a Educação Física, via de regra, ainda é tratada com certa discriminação perante as demais disciplinas.

Em relação a essa questão, podemos, assim, inferir, quando observamos a elaboração do horário escolar, em que a disciplina é alocada, na maioria das vezes, fora do

período em que os alunos estão na escola ou conforme conveniência para o atendimento de outras áreas, não respeitando as necessidades e especificidades da Educação Física. Outro aspecto relevante desta discriminação se observa nos períodos de planejamento, de reunião de pais, de conselhos de classe, entre outras decisões pedagógicas, em que geralmente não existe a participação efetiva do professor de Educação Física.

Nossa análise crítica desse quadro não desconsidera a responsabilidade do próprio professor de Educação Física na formação dessa imagem, principalmente quando observamos e discutimos sua ação pedagógica, formação e atualização profissional.

Nesse sentido, mesmo considerando alguns estudos como de Tojal (1989), Moreira (1991), Daólio (1994), Darido (1995), Betti & Betti (1996), ainda podemos considerar confusos os motivos que levam os profissionais de Educação Física, no ambiente escolar, a mostrarem-se resistentes às novas propostas que vêm sendo apresentadas, mantendo, muitas vezes, uma prática fundamentada num referencial tecnicista.

Parece-nos que o discurso e o diálogo existente entre escola, professores e educação, que, em alguns momentos, dá sinais de ser progressista e apresenta-se como transformador e crítico, não foi ainda absorvido pela lógica de sua prática. Contudo, acreditamos que ações integradas devem buscar a compreensão e a superação dessas questões que certamente passam pela necessidade de Escola e Educação Física (re)conhecerem e (re)considerarem o valor que corpo e movimento têm na construção do processo ensino-aprendizagem em suas diferentes dimensões.

Este cenário composto pela instituição Escola e pela disciplina curricular Educação Física parece ter dado origem ao dualismo: corpo-mente e corpo-movimento, a ser vencido por ambas as partes. Todavia, para vencermos este dualismo, torna-se necessário compreendermos o corpo não somente no seu sentido biológico, composto por aspectos anatômicos e fisiológicos, que produz movimento, mas, sim, um corpo que, através do movimento, expressa emoções, desejos e intenções, um corpo que também contém aspectos sociais e psicológicos.

Assim, a análise deste contexto nos leva a entender o movimento como a voz do corpo, ou seja, a forma como o corpo se comunica com o mundo.

Encontramos, nas idéias de Tavares (2003, p.23), um referencial para esta nossa afirmação, ao considerarmos as seguintes colocações da autora:

E é a partir de nosso contato com nosso corpo que conhecemos o universo. Pois, mediante a interação com o mundo externo, nosso corpo se modifica e, percebendo essas modificações no nosso corpo, nos conhecemos melhor, ampliamos nossa visão do mundo externo ao mesmo tempo que desenvolvemos a base da nossa identidade como pessoa.

Nossa ação no mundo se reflete em nós pelas conseqüências de nosso ato de agir que provoca em nós novas percepções e também pelas transformações que provocamos no mundo, fazendo-o diferente para nós, ampliando-o assim como fonte de novos estímulos.

Ainda dialogando com as idéias da autora, podemos dizer que é dessa interação corpo, movimento e ambiente que surge a individualidade do ser humano.

Nas palavras de Silva et al. (2004b) “[...] os movimentos são comunicações dirigidas ao mundo através de corpos humanos [...]”.

Nessa perspectiva, parece-nos importante entender que corpo e movimento se relacionam num processo comum, como um sistema aberto que constantemente interage com o ambiente, ou seja, influencia e é influenciado, modifica e é modificado, trazendo consigo marcas de uma cultura.

Daólio (1995, p.39-40), no seu referencial antropológico sobre o corpo, afirma que:

O homem, por meio de seu corpo, vai assimilando e se apropriando dos valores, normas e costumes sociais, num processo de inCORPOração. Diz-se correntemente que, um indivíduo incorpora algum novo comportamento ao conjunto de seus atos, ou uma nova palavra ao seu vocabulário ou, ainda, um novo conhecimento ao seu repertório cognitivo. Mais do que um aprendizado intelectual, o indíviduo adquire um conteúdo cultural, que se instala no seu corpo, no conjunto de suas expressões. Em outros termos, o homem aprende a cultura por meio de seu corpo.

Ainda no mesmo estudo, o autor aponta que, por trabalhar diretamente com o corpo dos alunos, o professor de Educação Física pode interferir na concepção e na representação que os alunos têm do próprio corpo, portanto, como conseqüência, a própria cultura que dá sustentação a essas representações pode sofrer interferência. Afirma ainda que:

[...] um professor de Educação Física, atento ao alcance cultural de sua prática, tem mais condições de realizar um trabalho competente, por encontrar-se conectado com a realidade sociocultural em que se vive. (Daólio, 1995 p. 96)

Na mesma direção, recorrendo novamente às idéias de Tavares (2003), percebemos que torna-se importante ampliar nossos olhares sobre o corpo em face de sua abrangência. Destacamos algumas idéias da autora:

 O corpo existe como entidade física;  O corpo está sempre em movimento;

 O corpo delimita um espaço e um tempo (de forma que todo estímulo é único na experiência do corpo);

 É corporalmente que vivenciamos nossos impulsos e fantasias;

 A percepção do corpo e do mundo se modifica de acordo com os relacionamentos recíprocos entre corpo e mundo.

Sobre a relação corpo e movimento Tavares (2003, p. 57-58), analisando as idéias de Schilder (1980), destaca os seguintes aspectos:

 Todo corpo precisa estar pronto para uma ação determinada;

 O nosso conhecimento sobre nosso próprio corpo

é um aspecto central para o plano de qualquer movimento que, entretanto, deve incluir o objetivo da ação;

 O conhecimento e a percepção são adquiridos

mediante um processo ativo, do qual participa a motilidade;  Percebemos melhor nosso corpo quando ele se

move e quando obtém novas sensações a partir do contato com objetos externos.

Assim, ao entendermos que corpo e movimento formam uma unidade, podemos inferir que esta unidade torna-se a base da especificidade da Educação Física no ambiente escolar, principalmente nas séries iniciais.

Em relação aos movimentos, conforme Tani et al. (1988), podemos considerar que eles constituem uma das vias de ‘acesso’ fundamentais às experiências vividas pelo ser humano, sendo possível desenvolver a percepção de si, dos outros e dos objetos que compõem o ambiente em que se vive. Por meio do movimento, encontramos um dos principais meios para a interação, expressão e expansão de nossas relações com o mundo, principalmente na infância.

Freire (1991), em uma perspectiva semelhante sobre movimento, referindo-se a este como motricidade, afirma que:

Pela motricidade o homem se afirma no mundo, se realiza, da vazão à vida. Pela motricidade ele dá registro de sua existência e cumpre sua condição fundamental de existência. A motricidade é o sintoma do mais complexo de todos os sintomas. O corpo humano. Pela corporeidade ela dá testemunho de sua condição de corpo (...) A corporeidade integra tudo o que o homem é e pode manifestar neste mundo: espírito, alma, sangue, ossos, nervo, cérebro etc (...) A motricidade é a manifestação vivida desta corporeidade, é o discurso da cultura humana. (Freire, 1991: p. 36).

Para Piaget (apud Freire, 1989), para adaptar-se ao mundo, para resolver problemas, para agir sobre o mundo, transformando-o, o sujeito constrói movimentos corporais específicos, dirigidos para um fim e orientados para uma intenção: são os esquemas de ação. É por estes esquemas que o ser humano se expressará em todas as ocasiões de sua vida.

No mesmo sentido, encontramos novamente nos trabalhos de Tavares (2003) mais argumentos para nossas reflexões quando a autora afirma que:

Nossas percepções se conectam aos nossos movimentos, ações e relacionamentos que, de um lado, refletem nosso mundo interno e, de outro, as exigências do mundo externo, as quais, para sobreviver, somos obrigados a nos adequar. (p. 83)

A realização de um movimento, de uma tarefa, abre a possibilidade da expressão de nossa impulsividade. Por si só, cada ato motor pode estar, dessa forma, conectado com o prazer [...].(p.101)

Também encontramos respaldo nas idéias de Schilder (1980), que reforçam nossas considerações, quando o autor aponta que o conhecimento sem movimento é sempre incompleto.

A partir desse contexto, acreditamos ser necessário entender que vivenciar, experimentar, aprender ‘o movimento e/ou ‘através do movimento’, qualquer que seja seu grau de amplitude, intensidade ou faixa etária, muitas vezes significa sentir-se vivo, pleno, valorizado, integrado, incluído, ter a individualidade preservada e validada.

É importante enfatizar que nossa visão de movimento não é fragmentada e não se restringe a movimentos estereotipados, padronizados ou aprendidos, (em que pese muitas vezes a má compreensão e utilização do termo padrão), como lançar, receber, chutar etc.

Consideramos o movimento na sua dimensão mais ampliada, ou seja, os movimentos relacionados à comunicação, a expressão e também aqueles utilizados para satisfazer nossas necessidades de sobrevivência. Enfim, movimentos que ao longo do tempo caracterizam a nossa imagem, aquilo que os outros percebem de nós.

Em relação a isto, Freire (1991, p.138-139) afirma que:

O movimento, o simples movimento corporal, aquele que se vê nos atos, ainda não revela o homem. O que está faltando numa concepção de educação física que privilegie, acima de tudo, o humano, é ver além do percebido: é enxergar o movimento carregado de intenções, de sentimentos de inteligência, de erotismo. É ver o rumo do movimento, sempre na direção de buscar, no mundo, as partes que faltam ao homem. Portanto, uma prática de educação física humanista não poderia viver sobre qualquer miopia em relação ao gesto corporal. Não há porque

desenvolver habilidades(...) que não sejam significativas, isto é, que não sejam uma preocupação de relações aperfeiçoadas do sujeito com o mundo, de modo a produzir ações que o tornem cada vez mais humano, isto é, mais presente, mais consciente, testemunha do mundo em que vive.

Não seria nenhum equívoco de nossa parte dizer que a Educação Física, principalmente a Escolar, geralmente demonstra estar mais preocupada com o movimento revelado, identificado, seja ele de que natureza for, do que com quem faz o movimento.

Parece-nos que a construção desta “ação pedagógica” vivencia alguns aspectos distintos que ainda não se inter-relacionam, em que podemos denominar de pedagogia fragmentada:

1- Preocupação com quem aprende. 2- Preocupação com o ‘como’ ensinar; 3- Preocupação com o que ensinar;

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