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A escola e a universidade

No documento CD 1 PED Elida Maria F Costalonga (páginas 77-81)

Na escola, ainda hoje, salvo alguns arquipélagos (de escolas e/ou de professores) que intentam fazer diferente, o ensino da linguagem escrita implica atividades orientadas teoricamente por uma psicologia que considera a aprendizagem da leitura e escrita como aquisição de um hábito motor complexo. Dessa forma, alunos e professores se privam da experiência didático-científica de escavar o terreno das relações entre pensamento e linguagem, e, de poder, ali descobrir a linguagem escrita como um tesouro de signos – que herdamos desde a antiguidade, cuja compreensão nos coloca a alguns passos mais próximos do sentido histórico da relação Homem/Mundo.

Na universidade, na prática dos cursos de formação desses professores, a leitura e a escrita têm ocupado um lugar muito pequeno se comparado com o enorme papel que a linguagem escrita desempenha no processo de desenvolvimento cultural das crianças. Ali, enquanto locus privilegiado de formação profissional daqueles que vão trabalhar esses conhecimentos na infância, é imprescindível que assumam em conjunto – formadores e formandos, de modo consciente, a tarefa de organizar didaticamente o ensino da linguagem escrita, posto que, a problemática deste ensino continua sem ser resolvida, até os dias atuais.

Hannah Arendt (2003, p.247), colabora com essa forma de pensar, notadamente quando se refere ao papel dos adultos frente às crianças. Assim enuncia Arendt

A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo em comum.

Trabalhamos nas últimas décadas com professores em diferentes espaços de formação: nos cursos de Pedagogia, em Escolas Normais, em cursos de capacitação promovidos pelas Secretarias de Educação do Estado e dos municípios do ES com a finalidade de promover a formação continuada dos professores de 1ª à 4ª série do Ensino. Atuamos, também, como Pedagoga do Ensino Fundamental do Município de Vitória (ES) onde participamos de diversas reflexões e elaboração de projetos pedagógicos para as áreas de Ensino- Aprendizagem de Leitura e Escrita, Propostas Curriculares e Sistemáticas de Avaliação (Ed. Infantil, Ensino Fundamental, Magistério de 2º Grau (CEFAM), Pedagogia etc.). Essas experiências teórico-práticas, têm-nos permitido acompanhar diferentes processos de formação e de prática de professores-alfabetizadores, em um número significativo de escolas e universidades públicas e particulares. Tais experiências têm nos revelado que qualquer inovação pedagógica requer o compromisso coletivo e institucional com a educação e com o mundo do qual fazemos parte. Não é sem razão que, mais uma vez, Arendt (2003, p.239) diz “qualquer pessoa que se recuse a assumir a responsabilidade coletiva pelo mundo deveria ser proibida de tomar parte na educação de crianças”.

Esse é um compromisso que se exige da universidade hoje, particularmente em seu papel de formar professores. Se, do ponto de vista social, a construção de uma educação de qualidade para uma sociedade mais humana ainda é uma utopia, talvez, seja sensato começar com quem trabalha com as crianças, retomar à mãos cheias os currículos e as didáticas dos cursos que têm como finalidade ensinar alunos futuros professores, ou alunos-professores, como trabalhar leitura e escrita como parte do processo educativo, na infância.

A atuação nos cursos onde se formam os professores que vão trabalhar com a Linguagem Escrita parece-nos ser o espaço para, tendo em vista o desenvolvimento das funções psíquicas superiores (Vygotski, 1993, 1995), construir nexos, estabelecer relações, apropriar-se de conceitos e com eles interpretar distintas realidades, tendo na base o ler e escrever.

Na literatura em revista, nas produções científicas das últimas décadas, período em que, conforme já assinalamos, vamos encontrar um aumento significativo de estudos, pesquisas e publicações no campo da alfabetização de crianças51, identificamos que tais reflexões têm tratado separadamente educação e formação nas questões referentes à aula de alfabetização52 e a aula na universidade, notadamente nos cursos de formação de professores alfabetizadores, como se cada uma dessas instâncias de formação gozasse de um grau de autonomia absoluta e não existisse entre elas uma relação de mútua interdependência.

Do que conseguimos ter acesso, até o momento, somos levados a deduzir que o problema da relação entre aprendizagem e desenvolvimento escolar na infância e aprendizagem e formação de professores, representa, ainda, algo semelhante “a face oculta da lua” (Vygotski, 1993) no bojo das pesquisas na Psicologia da Educação e na Pedagogia da Linguagem Escrita. Este nos parece ser o caso das relações a serem construídas entre o ensino da linguagem escrita na infância e a epistemologia e didática da Linguagem Escrita dos cursos de formação inicial e/ou continuada dos respectivos professores, profissionalmente responsáveis, como já dissemos anteriormente, por apresentar à criança, na escola: “Isso é a Escrita”.

Não nos referimos simplesmente a à antiga polêmica da relação“teoria/prática”, sobretudo quando as práticas de alfabetizar estão no centro das discussões. Não nos interessa saber, neste momento, se há ou não coerência entre discurso e ação (até porque o discurso é de um – do formador e a ação diz respeito a outro – o professor) se o professor pratica (na escola) o que diz a universidade ou dizem para ele o que é bom para o ensino e aprendizagem das crianças. Pelo contrário, acreditamos, inclusive, que a aceitação servil e

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Cf.Magda B.SOARES e Francisca MACIEL, (orgs.) Alfabetização: série estado do conhecimento. MEC- 2000.

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Referimo-nos às críticas aos métodos tradicionais de alfabetização. A esse respeito, pode-se consultar, dentre outros, Emília FEREIRO e Ana TEBEROSKY. Psicogênese da língua escrita.

indiscriminada das chamadas “novas teorias” revestidas de modernidade (tanto por parte dos alfabetizadores como dos professores-formadores) têm servido para agravar a crise na educação, uma vez que, para escaparem do rótulo de “tradicional”, os professores, igualmente de modo servil, tendem a abandonar as tradições no ensino-aprendizagem – desfazendo, dessa forma, aquilo que, segundo Hannah Arendt, (2003) cumpre a função de “senso comum” e como tal nos ajuda a nos movermos na escola e na vida.

Também temos nos incomodado com a falta de clareza acerca de que profissional os estudos se referem, quando são divulgados Congressos, Seminários, Simpósios, etc , cujo tema é formação de professores, apenas no desenrolar do evento é que somos levados a concluir que o alvo é o professor que atua nas séries iniciais do ensino fundamental. Na maioria dos casos, igualmente quando analisamos os temas de pesquisas, fala-se de “formação de professores” de modo genérico, sem precisar o nível e a área específica de atuação - o que só é esclarecido a partir de alguns signos encontrados no corpo do trabalho em análise. Assim, algumas vezes, no contexto das discussões acerca da relevância científica e social do ensino e aprendizagem da leitura e escrita, o tema da formação de professores para esse papel profissional, ora aparece recomendado nas considerações finais, ora reduzido a uma discussão paralela, tangencial, expressa timidamente num pequeno trecho, num tópico ou num único parágrafo. Por vezes, podemos encontrar uma breve referência a esse profissional, apenas no final de uma discussão sobre a alfabetização, na qualidade de implicações da formação do professor no processo de aprendizagem da leitura e escrita.

Para nós, essa aparente timidez dos estudos universitários sinaliza, mais uma vez, a necessidade de novos olhares investigativos, na formação universitária desse profissional, particularmente na relação constituída e constituinte da tríade didática, na qual estão implicados os alunos e os professores.

Assim, a problemática da educação em geral, e, no nosso caso particular, a educação de crianças e jovens, a formação em leitura e escrita, forçosamente nos obriga a repensar a formação de seus professores. Ainda que, não seja a única variável a interferir na qualidade do ensino e da aprendizagem, a formação do professor é fundamental para a formação do aluno como leitor crítico – condição de base não só para a sua iniciação, enquanto criança, na Linguagem Escrita, mas, também, para o desenvolvimento de certas funções

psicológicas superiores53, notadamente, pensar com conceitos. Dentre outras capacidades, aprender a identificar conceitos-chave e a inter-relacioná-los, é importante para a compreensão e domínio dos vários tipos de textos constitutivos do mundo cultural da escrita e que o exercício crítico do papel de cidadão lhe fará confrontar.

De acordo com as investigações realizadas por Vygotski a criança no processo inicial de aprendizagem escolar não têm, ainda, desenvolvidas determinadas funções psíquicas que a apropriação da escrita requer. Isso ajuda a compreender vários casos de dificuldades de aprendizagem reincidentes nesse nível de escolaridade. Vygotski, através de vários experimentos demonstrou que o ensino da Linguagem Escrita, enquanto um sistema de conhecimentos científicos ativa nos alunos o desenvolvimento de capacidades psicológicos superiores, com as quais se articula e se desenvolve o pensar com conceitos o vai permitir a criança a possibilidade intelectual de intervir/dominar voluntariamente a escrita, enquanto objeto de sua aprendizagem . Fora dessa questão de base, coloca-se sob dúvida a possibilidade de formação do espírito científico, de desenvolvimento da capacidade de crítica, freqüentemente reafirmada como objetivo maior da educação, sobremaneira, no bojo das discussões dos anos 80, quando surgem as chamadas novas concepções e ensaios de novas práticas de alfabetização.

No documento CD 1 PED Elida Maria F Costalonga (páginas 77-81)