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Sobre ler palavras e ler idéias

No documento CD 1 PED Elida Maria F Costalonga (páginas 60-62)

O ensino da Escrita, como observara Vygotski (1931/1995, p. 183), pouco tem se baseado no desenvolvimento das necessidades psicológicas e culturais da criança. Em geral, a aprendizagem da escrita se faz a partir de um ensino cuja ênfase recai sobre o domínio de um hábito motor em desenhar letras bem feitas, desconsiderando-se que, quando se trata de ler e escrever e, por conseguinte de aprender ler e escrever, isso não se faz com letras vazias. À semelhança do aprender a tocar piano, compara Vygotski (1982), segundo esta abordagem, do aprendiz é exigido que desenvolva agilidade nos dedos e aprenda a tocar as teclas olhando as notas, porém, não o introduz na natureza e no sentido da música. Dessa forma, desconsidera-se que uma palavra se torna incompreensível se o sujeito não dispõe do conceito que expressa tal palavra, o que lhe permitiria compreender o sentido do que lê.

Este, parece-nos, um ponto central relegado à margem dos estudos acerca do ensino e aprendizagem da leitura e escrita realizados nos cursos onde se formam os professores. No momento em que a criança aprende uma palavra, salienta Vygotski no momento em que uma criança compreende o significado de uma palavra nova para ela, o conceito não se formaliza, mas apenas se inicia.

Essa tradição de ensinar a ler centrando-se na leitura, fora do texto, de sílabas e palavras, desconsidera a importância da aprendizagem dos conceitos de cada área/disciplina no processo geral de desenvolvimento e de aprendizagem infantil, mediante as possibilidades que oferece ao aprendiz de elaboração/reelaboração de conhecimentos cotidianos e de desenvolvimento de funções psicológicas superiores implicadas na aprendizagem da leitura e escrita e na compreensão científica da realidade. Por conseguinte, ao aprender uma língua, oral ou escrita, fora da aprendizagem de conceitos, poderemos simultaneamente,

comprometer o aprender a ler, o aprender a falar, o aprender a escrever e o aprender a pensar a realidade com conceitos.38

Somos testemunhas de que mudanças vêm ocorrendo, do ponto de vista epistemológico- didático, tanto na pedagogia da escrita das escolas como das universidades onde se formam os professores Porém, mesmo dentre aquelas iniciativas que se dizem inovadoras, observamos uma desagregação interna entre as distintas áreas de conhecimento, esquecendo-se que cada uma delas se consolida empiricamente, através de textos/discursos.

Agindo dessa forma, algumas escolas e também universidades têm transformado o próprio ato de ler, de aprender a ler e de aprender como se ensina a ler e escrever num processo em que, cada vez mais, parece afastar crianças e jovens do mundo da cultura do ler e escrever na escola e fora dela.39 A leitura que poderia representar uma porta aberta para uma melhor compreensão do mundo, converte-se numa experiência empobrecida, contrariando, dessa forma, o princípio da leitura como fonte de conhecimento e desenvolvimento cultural. Dessa maneira, a inserção dos estudantes no mundo da escrita, que deveria contribuir para a formação do leitor maduro, acaba, na própria gênese, produzindo não-leitores – indivíduos que exprimem mal-estar de “ter-que-ler” ou “ter-que- escrever” – o que contradiz a conduta do leitor maduro defendida por nós e descrita por Lajolo (1991) quando diz que leitor maduro é aquele para quem cada nova leitura desloca e altera o significado e os sentidos de tudo o que já leu, tornando mais profunda sua compreensão dos livros, das pessoas e da vida.

Conforme assinalamos, a década de 80 tem servido de referência quando o assunto em debate é alfabetização de crianças. Dentre as várias críticas dirigidas aos professores e suas práticas de ensino de leitura e escrita, é nesse contexto que os históricos métodos de alfabetização se configuram mais intensamente como tradicionais – atribuindo ao termo um sentido negativo. E inegável também, que fez parte desse momento, várias tentativas de inovação na área. Porém, o que observamos ainda hoje, na qualidade de formadora e pesquisadora40, é que essas iniciativas se assemelham a um arquipélago de práticas e de

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Referimo-nos aos conceitos científicos que estão nos diferentes textos, das diferentes ciências

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Cf. dados das avaliações PISA, SAEB, ENEM, etc.

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comportamento isolados, refletindo, no nosso entendimento a fragilidade teórica e prática nos domínios tanto da pedagogia como da psicologia da linguagem escrita. Apesar das mudanças, como diria Foucambert (1994) estas não têm sido suficientes para assegurar uma efetiva prática da leitura, desde o início do aprendizado.

A expansão planetária dos meios de Comunicação, da Ciência e da Tecnologia, coloca em circulação uma profusão de textos impressos, que acabam por exigir dos cidadãos o domínio de usos cada vez mais complexos de leitura e de escrita. O alcance desse domínio não se faz natural e espontaneamente. O ensino e aprendizagem da Linguagem Escrita se inscreve no processo educativo mais amplo de formação dos sujeitos. Nesse processo, compreender o que se lê é de fundamental importância, na medida em que contribui para aprender o manejo rigoroso e analítico da linguagem.

Quando se aprende a ler e escrever, aprende-se , também conhecimentos com significados e sentidos. Se, ensinamos letras ocas, ou se pensamos que as crianças assim aprendem, seria útil nos perguntarmos o que estão, efetivamente, aprendendo os nossos alunos? É pouco provável que sua inteligência sucumba, por inteiro, à superficialidade que tentamos impor à sua aprendizagem. Disso não podemos duvidar: da capacidade do humano de aprender e mudar, assim como, de mudar para aprender e de mudar enquanto aprende – de se desenvolver psicológico-emocional-socialmente.

Nessa perspectiva, formar bons leitores, isto é leitores proficientes, significa reconhecer que o ensino da língua cumpre sua função sócio-educacional quando essa é tomada na sua totalidade, ou seja, em relação ao humano, sua história e sua sociedade. O que equivale dizer que, o domínio do ler e escrever articula-se ao poder de compreender a sociedade e ser capaz de explicá-la historicamente.

No documento CD 1 PED Elida Maria F Costalonga (páginas 60-62)