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Fonte: Dados da pesquisa

A realidade dessas escolas não difere das demais comunidades quilombolas: são professores contratados pela prefeitura de Alcântara e naturais de Bequimão. No que diz respeito aos conteúdos ministrados por esses docentes, uma professora de Itamatatiua ressalta que, “em razão do quantitativo de assuntos exigidos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, o

trabalho com temáticas locais é inviabilizado” 54, fazendo com que suas histórias identitárias não sejam reforçadas.

A fala da professora se mostra incongruente com as conquistas jurídico-normativas alçadas pelo movimento negro e movimento quilombola, no que tange à educação escolar quilombola nas duas últimas décadas. A saber, a sanção da Lei nº 10.639, em 2003, alterou a Lei nº 9.394, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, instituindo a obrigatoriedade da inclusão no currículo oficial da temática História e Cultura Afro-Brasileira nas redes de ensino público e privado, do ensino fundamental e médio (BRASIL, 2003). Embora não fizesse menção explícita à educação quilombola, destacava a história dos quilombos como temática de estudo, visto que determinava que conteúdos sobre a História da África e dos africanos, bem como a luta dos negros no Brasil, sua cultura, fossem abordadas nas escolas com a finalidade de compreensão dos aspectos positivos, na formação da sociedade brasileira, para além do processo de escravidão. Ademais propunha, com a inserção desses conteúdos no currículo escolar, embasamento para fomentar discussões sobre discriminação e preconceito, com vistas ao desmonte de um racismo que assola a população negra ao longo dos séculos.

Essa Lei acarretou inúmeras reinvindicações e mobilizações para a implementação de uma educação que tornasse obrigatória, ainda que em documentos, até o momento, a introdução desses conteúdos no currículo escolar. Em 2010, resultante de reinvindicações e debates em conferências estaduais, intermunicipais, municipais e distritais que envolveram intensa participação da sociedade civil, órgãos educacionais, sistemas de ensino, Congresso Nacional, estudantes, profissionais de educação, pais e mães de estudantes, foi criado o Documento final da Conferência Nacional de Educação (BRASIL, 2010). Esse documento trouxe importantes orientações acerca da educação das relações étnico-raciais e incluiu a educação escolar quilombola como modalidade de educação básica. Dentre as orientações, metas e ações para o sistema educacional nas escolas inseridas em territórios quilombolas ou que atendessem essas comunidades foram elaboradas ações que deveriam ser seguidas pelo governo federal, Estados e municípios para a construção de uma política educacional para essas comunidades, conforme instrumento legal:

a) Garantir a elaboração de uma legislação específica para a educação quilombola, com a participação do movimento negro quilombola, assegurando o direito à preservação de suas manifestações culturais e à sustentabilidade de seu território tradicional.

54 Entrevista concedida à pesquisadora, por Rosângela Rodrigues Ribeiro, professora contratada pela Prefeitura de

b) Assegurar que a alimentação e a infraestrutura escolar quilombola respeitem a cultura alimentar do grupo, observando o cuidado com o meio ambiente e a geografia local.

c) Promover a formação específica e diferenciada (inicial e continuada) aos/às profissionais das escolas quilombolas, propiciando a elaboração de materiais didático-pedagógicos contextualizados com a identidade étnicoracial do grupo.

d) Garantir a participação de representantes quilombolas na composição dos conselhos referentes à educação, nos três entes federados.

e) Instituir um programa específico de licenciatura para quilombolas, para garantir a valorização e a preservação cultural dessas comunidades étnicas. f) Garantir aos professores/as quilombolas a sua formação em serviço e, quando for o caso, concomitantemente com a sua própria escolarização g) Instituir o Plano Nacional de Educação Quilombola, visando à valorização plena das culturas das comunidades quilombolas, a afirmação e manutenção de sua diversidade étnica.

h) Assegurar que a atividade docente nas escolas quilombolas seja exercida preferencialmente por professores/as oriundos/as das comunidades quilombolas (BRASIL, 2010, p. 131-132, grifo nosso).

É possível perceber que dentre essas orientações, as singularidades (memória, ancestralidade, manifestações culturais, oralidade, histórias, mundo do trabalho, produção de vida) da comunidade deveriam reger as ações para política e conteúdos ministrados nessas localidades.

Da Conferência Nacional de Educação (BRASIL, 2010) despontou a criação do grupo de trabalho e realizado o I evento sobre Educação Escolar Quilombola que fundamentou a elaboração de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola (DCN quilombola), a qual contou com ampla participação das comunidades remanescentes, de educadores, pesquisadores e representantes dos movimentos sociais, além do Governo federal. Foram realizadas audiências no Maranhão e na Bahia, em razão do alto número de comunidades remanescentes de quilombos nesses estados e de sua intensa organização política, e no Distrito Federal. A partir desse tensionamento, foram instituídas, em 20 de novembro de 2012, as DCN quilombola (BRASIL, 2012), as quais contemplaram orientações para que os sistemas de ensino formulassem projetos político-pedagógicos adequados às especificidades socioculturais e históricas das comunidades quilombolas do país, conforme pode ser acompanhado nas determinações do Artigo 32:

Art. 32 O projeto político-pedagógico da Educação Escolar Quilombola deverá estar intrinsecamente relacionado com a realidade histórica, regional, política, sociocultural e econômica das comunidades quilombolas.

§ 1º A construção do projeto político-pedagógico deverá pautar-se na realização de diagnóstico da realidade da comunidade quilombola e seu

entorno, num processo dialógico que envolva as pessoas da comunidade, as lideranças e as diversas organizações existentes no território.

§ 2º Na realização do diagnóstico e na análise dos dados colhidos sobre a realidade quilombola e seu entorno, o projeto político-pedagógico deverá considerar:

I - os conhecimentos tradicionais, a oralidade, a ancestralidade, a estética, as formas de trabalho, as tecnologias e a história de cada comunidade quilombola;

II - as formas por meio das quais as comunidades quilombolas vivenciam os seus processos educativos cotidianos em articulação com os conhecimentos escolares e demais conhecimentos produzidos pela sociedade mais ampla. § 3º A questão da territorialidade, associada ao etnodesenvolvimento e à sustentabilidade socioambiental e cultural das comunidades quilombolas deverá orientar todo o processo educativo definido no projeto político- pedagógico.

Art. 33 O projeto político-pedagógico da Educação Escolar Quilombola deve incluir o conhecimento dos processos e hábitos alimentares das comunidades quilombolas por meio de troca e aprendizagem com os próprios moradores e lideranças locais. (BRASIL, 2012, p. 12-13, grifo nosso)

Em face dessas determinações, a verbalização da professora Rosângela, página 77, expressa uma (des)priorização de temáticas inconcebíveis para um professor atuante em escola localizada em território quilombola e, ao mesmo tempo, anuncia que após as conquistas normativas alcançadas, o preconceito/racismo institucional/discriminação ainda acomete fortemente o sistema escolar ao priorizar conteúdos outros que não os assentados nessas comunidades, acarretando inúmeras deficiências para a educação dessa população já tão alijada dos bancos escolares. Esta população, quando impedida de conhecer sua história, prossegue alimentando uma visão negativa de si, da sua pele, do seu modo de vida, dificuldades de aceitação e enfraquecendo-se da sua potencialidade criativa e humana. Desse modo, a elaboração do aparato jurídico-normativo constitui apenas a primeira instância de uma longa batalha para que os alunos das comunidades quilombolas tenham o direito assegurado de ver e compreender sua história, singularidades contempladas no projeto pedagógico de suas escolas.

A Professora Lucilene Silva55, de Língua Portuguesa, evidencia dados acerca da alfabetização dos alunos da Comunidade, afirmando que “os jovens têm chegado a séries mais avançadas sem dominarem a escrita ou mesmo saberem ler”. Apesar de ser uma realidade brasileira, nesse contexto fica mais acentuada por estar assentada em uma comunidade negra e rural em que o racismo sempre os excluiu e implica muitas vezes a negligência de gestores públicos descomprometidos com a redução das condições precárias escolares: ausência de merenda escolar, carência de transporte, obrigando deslocamentos das crianças do ensino

55 Entrevista concedida à pesquisadora por Lucilene Silva, em Itamatatiua, em julho de 2016. Professora de Língua

Portuguesa da Comunidade de Itamatatiua, 52 anos, atua há apenas um ano nessa localidade, ministra essa disciplina no 6º, 7º e 8º ano.

fundamental para escolas circunvizinhas, evasão escolar em razão das condições apresentadas. Tal realidade afeta também o Ensino Médio, tendo em vista que os estudantes precisam se deslocar para outras localidades, a exemplo Bequimão, ou para Oitiua. Nestes casos, dependem de transportes que nem sempre são disponibilizados pela Prefeitura e nem todos dispõem de recursos para custear seus trajetos diários, conforme é relato por D. Eloísa, umas líderes da Comunidade:

Outra coisa que é muito caro é o negócio de Curso, isso é uma tristeza porque faz os jovens ir saindo tudinho; quando fazem o primeiro ano porque é muita dificuldade, aí vão estudar em Bequimão [município vizinho], o que a gente percebe é que os jovens passam dois até três dias esperando pelo carro e não vem, aí as mãe tira do seu próprio bolso sem ter, tem pessoas que dá o dinheiro todinho do Bolsa Família porque eles pagam R$ 60,00, R$ 70,00 para deixar lá pro Goiabal para poder garrar outro carro. Isso aí é muita dificuldade e o custo de eles terem de ajudar, porque, por isso que os jovens saem; os jovens não têm um emprego, alguma coisa pro jovem fazer! 56

A realidade relatada por D. Eloísa contraria as prescrições do Art. 8, da ADC quilombola. Ela prossegue destacando mais negligências:

Outra coisa que eu acho triste é que os professores da escola nenhum são da Comunidade, são só de fora para trabalhar. Por quê? Agora é uma dificuldade para fazer esse curso e só vêm professores de Bequimão; aí eles ganham esse dinheiro e fica tudo lá fora, não corre aqui; aí as meninas e os meninos vão tudo saindo pra trabalhar na casa de família, por outro locais, ave maria, aí a coisa fica é ruim! 57

A narrativa de D. Eloísa dá possibilidade a inúmeras reflexões, entretanto, a ausência dos poderes públicos, a sua inoperância e o racismo institucional talvez a sintetizem, mas também evidenciam falta de informação sobre as próprias conquistas acerca da educação escolar quilombola, quando ela questiona o motivo com a expressão “por quê?” Essa ausência de informação os impossibilita de pressionar a Secretaria de Educação do Município, Estado e, ao mesmo tempo, de se tornarem atores partícipes na fiscalização de como está sendo desenvolvida a educação escolar, além de impedir que atuem na construção do Projeto pedagógico escolar. D. Eloísa correlaciona ausência de informação sobre a existência de documento norteador para o funcionamento do sistema escolar, DCN quilombola. As orientações prescritas nesse documento estabelecem que: os professores que lecionam em comunidade quilombola devem ser preferencialmente da própria localidade; que os Governos Federal, Estadual e Municipal são responsáveis pela criação de cursos superiores para os professores; que o município recebe verba extra por aluno, destinado para gastos nas escolas

56 Entrevista concedida à pesquisadora por D. Eloísa de Jesus, em Itamatatiua, em janeiro de 2017. 57 Entrevista concedida à pesquisadora por D. Eloísa de Jesus, em Itamatatiua, em janeiro de 2017.

com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Além disto, incluem que a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão58 disponibilize para os municípios verbas específicas para a merenda e transporte escolar dos alunos dessas comunidades.

Destacam-se algumas ações prescritas nos princípios, do Art. 8º das DCN quilombola, que ratificam a falta de informação por D. Eloísa:

[...] III - garantia de condições de acessibilidade nas escolas; IV - presença preferencial de professores e gestores quilombolas nas escolas quilombolas e nas escolas que recebem estudantes oriundos de territórios quilombolas; V - garantia de formação inicial e continuada para os docentes para atuação na Educação Escolar Quilombola; [...] IX - efetivação da gestão democrática da escola com a participação das comunidades quilombolas e suas lideranças; X - garantia de alimentação escolar voltada para as especificidades socioculturais das comunidades quilombolas; XI – inserção da realidade quilombola em todo o material didático e de apoio pedagógico produzido em articulação com a comunidade, sistemas de ensino e instituições de Educação Superior; XII - garantia do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena [...] (BRASIL, 2012, p. 6, grifo nosso).

A escola é, portanto, uma das instâncias importantes que pode oferecer as condições exigidas para fortalecer a identidade local e étnico-racial das crianças que compõem essas comunidades, auxiliando-as na manutenção de saberes, tradições e conhecimentos, muitas vezes transmitidos e preservados predominantemente pela oralidade. Pode também fortalecer as lutas reivindicatórias das organizações locais e população em sua totalidade, contudo, observou-se que, no percurso da investigação em Itamatatiua, o contexto sociocultural e histórico, assim como vários elementos que ajudariam no processo de autonomia e empoderamento de crianças e jovens para uma luta menos desigual pela terra, saúde, educação e de enfrentamento ao racismo, não estão sendo priorizados e reforçados nos conteúdos curriculares e projeto-pedagógico da escola.

Essas ausências e descumprimentos das orientações das Diretrizes de 2012, dentre outros motivos, resultam em afastamento precoce dos espaços de educação formal, havendo um número reduzido de jovens na Comunidade de Itamatatiua que cursam o Ensino Médio. Tal realidade faz com que seja interrompida, já nessa fase, a oportunidade de acesso e conclusão desse nível de Ensino, ampliando o índice de evasão escolar. Na educação, são contextos que se assemelham ao descaso e descompromisso público com inúmeras comunidades quilombolas do território nacional.

58 Em 2011, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade (SECAD) passou a ser nominada

No que tangencia aos números oficiais acerca da educação escolar quilombola, Arruti (2017) recomenda atenção. Primeiro, as “escolas em área de quilombo” do Censo Escolar não são instituições que atendem aos requisitos orientados nas DCN quilombola, com sistemas escolares diferenciados: estão apenas situadas nesses territórios, tais como a comunidade foco desta investigação, e são assim identificadas devido à introdução da categoria do censo escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 2004. Outro ponto de imprecisão refere-se ao quantitativo de crianças e jovens quilombolas, visto que as escolas, quando localizadas na comunidade, tendem atender alunos de seu entorno, assim como as escolas situadas fora dessas áreas podem receber alunos dessas comunidades, logo, inviabilizam conhecer-se o número real de estudantes quilombolas e tão pouco os não atendidos nessas unidades. E outro, mais grave, segundo o autor, compete à classificação “em áreas de quilombo” no preenchimento do Censo Escolar como atribuição do(a) diretor(a), colocando importante decisão da comunidade nas mãos de um funcionário público que inúmeras vezes toma decisão baseando-se em posicionamento político, resultando em classificações esdrúxulas, como gestores que negam essa classificação, mesmo estando inseridos em territórios reconhecidos; outros atribuem à classificação ainda que não estejam atuando em comunidade autoidentificada ou oficialmente reconhecida. Portanto, são situações que inferem decisivamente na contagem geral dos números sobre as escolas quilombolas (ARRUTI, 2017). O autor supracitado apresenta contextos que exemplificam problemas com essa classificação na Bahia. Na região do Baixo Sul, há registros de escolas localizadas “em áreas de comunidades quilombolas” por solicitação das municipalidades da certificação pela Fundação Palmares para multiplicarem os valores do FUNDEB59, sem que as comunidades tivessem conhecimento deste requerimento, ou mesmo que esses valores chegassem ao destino, às escolas. Em Salvador, devido à postura militante dos gestores, a classificação ocorreu em escolas urbanas, sem que estivessem em áreas quilombolas, quando, na verdade, existem comunidades quilombolas apenas na área rural deste município. Por isso, Arruti (2017) adverte precaução com as categorias e números sobre escolas quilombolas, posto que essas posturas e interpretações interferem no computo geral dos dados oficiais.

Embora a Escola seja um poderoso aliado para produção do conhecimento, acesso à informação e para democratização da sociedade, o que se percebe é que o modelo vigente está falido, mas continua alimentando conhecimentos e informações que enaltecem e solidificam conhecimentos eurocêntricos. Para Chagas (2011, p. 71) “[...] a prevalência de umas

59 Isto porque o munícipio quando têm territórios quilombolas são duplicados os recursos por aluno a ser enviado

informações sobre a ausência de outras acabam construindo e estabelecendo algumas verdades, as quais tornam consenso não só na academia [no âmbito escolar], mas também na sociedade”. Portanto, é preciso que se criem ações para efetivação das DCN quilombola, com vistas a erradicar conhecimentos eurocêntricos e verdades instituídas pela sociedade e pelo modelo clássico de educação. Nesse contexto, visualizam-se os estudos sobre necessidades informacionais como possibilidade de contribuição para o fortalecimento da população itamatatiuense a favor da desestabilização desse cenário que os coloca por décadas em contexto de desvantagem na luta por seus direitos.

Por isso, a escolarização da população negra tem sido a luta central do Movimento Negro, mesmo reconhecendo não ser a única solução para todos os problemas. Ela tem relação direta com a valorização de sua história, empoderamento dessas populações para conquistas de direitos historicamente negados, como o próprio conhecimento de si (lutas pelas terras, manifestações culturais, política, resistência, gestão, dentre outras temáticas) e dos outros (coletividade). Ampliar o grau de conhecimento por meio da educação pode ser um fator direto para obtenção de trabalho capaz de promover meios para a manutenção própria e de seus familiares, assegurando condições dignas de sobrevivência.

Reflexo dessa escolarização que não os valoriza enquanto ser, seu contexto, que contribui, em parte, para a não potencialização do trabalho desenvolvido com a terra, com a cerâmica, situação que conduz os itamatatiuenses a obterem renda de ínfimos valores do Bolsa Família, mesmo após treze anos do Programa Brasil Quilombola. O Bolsa Família possuía como proposta ser um complemento da renda, mas hoje é quase a principal “renda fixa” dessa população, assim como a aposentadoria para alguns idosos, quando preenchem os requisitos necessários para este benefício. A situação descrita é agravada pela ausência de trabalho na localidade, sobretudo nos períodos da estiagem e também porque os recursos naturais (rios, igarapés) de onde obtinham seu sustento estão cada vez mais escassos. A atividade laboral desenvolvida pelos homens relaciona-se com a cultura de subsistência ˗ plantação de feijão, milho, mandioca, arroz, criação de animais (bois, cavalos, porcos) ˗ e a pesca artesanal, sendo também frequente a prestação de trabalho alugado, que consiste na remuneração por um dia de serviço ou na troca de dias com alguém que depois fara o mesmo60.

O compartilhamento dessa produção, na qual todos se uniram para realizá-la, é comum entre os itamatatiuenses, sendo que a prioridade é o consumo próprio; o excedente é trocado

com aquelas pessoas que conseguiram êxito com outros produtos, havendo ainda a possibilidade de vendas dessa colheita para fora da localidade, conforme salienta D. Ângela:

Antigamente a gente fazia aquelas roça grandona, ia um monte de gente, os homens ia roçando, fazendo as cercas e as mulheres io ajudando. No final, a gente dividia, cada um tinha sua parte, se era farinha, todo mundo levava sua quantidade, hoje, faz, mas já é pouco!61

Vale ressaltar que essa situação tem sido cada vez mais infrequente devido à ausência de chuvas, aos solos inférteis, à falta de técnicas para melhoramento da terra, além de contextos socioculturais, a exemplo, da desvalorização dos trabalhos do campo versus trabalho urbano. Observou-se, durante a incursão ao campo, hortaliças, em pouca quantidade, e ervas medicinais como complemento alimentar dos núcleos familiares, conforme foto 11 e 12.