• Nenhum resultado encontrado

Fonte: Dados da pesquisa

É interessante destacar que as prescrições em latim nela existentes Colonist St. There

mandada edificar Exº Prc. Cd. Graciliano A. P. Pimentel 25 d’agosto de 1878 derl M.J.C,

atestam a passagem das terras da Ordem Carmelita para a Santa Teresa. Os itamatatiuenses, por serem seus herdeiros, consequentemente, são os donos do território a que se refere o documento. Vale ressaltar que este registro iconográfico já foi usado em disputa judicial, na qual a propriedade estava sendo requerida por pessoas que se intitulavam proprietárias das Terras, conforme destaca Seu Francisco:

Essa pedra que tá na casa de D. Eloísa que acabou com toda a briga, que quando nós fumo pra audiença em Alcântara, tava tudo enquanto advogado, tava tudo contra nós, tava todo mundo contra nós, tava doutora Naiza, esses pessoal tudo era contra nós era pra vender essa terra, e nós fumo pra essa audiença, tava todos esses advogado tava lá, nós só tinha um advogado, era aquele doutor Fernando. [...] Já levemo a pedra pra audiência, essa aqui vai confirmar, aí o primeiro advogado que veio de lá que olhou, ele só sacudia com a cabeça, e nós tava só prestando tenção nele, doutor tá bom que o senhor leia pra explicar pro povo. Aí dr. Fernando disse ôh, só que essa aqui o que manda nessa aqui nem eu que sou advogado, nem se eu fosse promotor, nem se eu fosse o Deus do céu eu tinha condição de tomar essa Terra. Dotora Naiza começou a coçar a cara de um lado pro outro e o Calango foi o primeiro a sair[...] Não, ele não sabia. O juiz levantou e disse tá acabado essa audiência e nem hoje, nem amanhã eu tenho condição de tomar essa Terra de vocês. Aí o Promotor levantou e disse se Vossa Excelência já deu a ordem nem eu posso tirar.80

O relato de Seu Francisco reforça que, em razão da ausência de um documento legal que dê veracidade ao direito de posse, a Pedra adquire o valor probatório e, portanto, reconhecido pelas autoridades responsáveis pelo julgamento da demanda judicial.

Dada à importância desse registro, é que a Pedra - documento que antecede a Abolição da escravatura, datada de 1878 - é protegida por uma das lideranças da Comunidade, guardada em um saco e mantida dentro de um quarto, na casa de D. Eloísa, desde que seu pai faleceu. A líder confessou que planeja fazer um baú para protegê-la e facilitar o manuseio, considerando a dimensão e o peso a ela referido. A informante acredita que essa medida asseguraria a preservação, bem como a demonstração do objeto/documento para representantes de órgãos e visitantes que desejem vê-la.

A certificação de reconhecimento do território, emitida pela Fundação Palmares, em 4 de maio de 2006, foi baseada nesse documento. Após 12 anos, a população prossegue lutando pela titulação definitiva de suas Terras. Atualmente, aguardam a decisão de quem deve realizar o processo; na percepção de Borges81 (2016), “[...] há um imbróglio jurídico nessa relação em

80 Entrevista concedida à pesquisadora por “Seu” Francisco de Jesus, em Itamatatiua, em janeiro de 2010. 81 Sérvulo de Jesus Moraes Borges, foi militar da Aeronáutica no Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), é

representante do Movimento dos Afetados pela Base de Alcântara (MABE), criado em 1999. “É uma organização que une as comunidades do território étnico de Alcântara na defesa dos seus direitos e de sua dignidade face aos danos socioambientais provocados pela instalação da Base de Lançamento de Foguetes empreendida pela Aeronáutica e pela Agencia Espacial Brasileira”. (QUILOMBOLAS..., 2007, p. 3).

que o ITERMA e o INCRA precisam definir quem fará a titulação deste território”82. Portanto, é diante dessa indefinição e batalhando ainda pela titulação de sua Comunidade que os itamatiuenses se encontram.

Ademais, faz-se necessário destacar que um evento que marca a cultura itamatatiuense, presente há quase dois séculos, é a Festa de Santa Teresa. Não há um registro preciso de quando ela começou, entretanto, o depoimento de D. Eloísa faz referência à participação da bisavó de uma moradora da Comunidade83, como caixeira da Festa por um longo período da sua existência. Logo, infere-se que o somatório das três gerações (bisavó, avó e, neta, D. Zuleide), traça o mapa cronológico de existência/duração da Festa em homenagem à padroeira. As festividades geralmente acontecem entre os dias 14 e 1684 de outubro, contudo, há um cronograma que antecede a Festa, com períodos destinados aos ensaios e recolhimento das joias85.

A Festa consiste, segundo os moradores, em uma tradição que reúne devotos com o propósito de ofertar um merecido festejo à Santa e, ao mesmo tempo, um farto banquete com comidas e bebidas aos que chegam, uma mostra de uma cultura enraizada em fé e religiosidade singulares da comunidade estudada. A festividade une o sagrado e o profano, onde “[...] se reverencia tanto a santa, quanto ao tambor, as pessoas rezam e bebem, cantam, tocam caixa e pedem joia para a santa.” (FERREIRA, 2012, p. 121)

Na pesquisa de campo, as conversas sobre a Festa sempre eram finalizadas com um convite dos entrevistados e falas recorrentes de “[...] que quem participa uma vez sempre quer estar presente”. De fato, são intensos 11 dias de muito movimento, rostos diferentes circulando pela pacata Itamatatiua; as casas são faxinadas e trocadas as roupas de cama e mesa com tamanho zelo, não observado pela pesquisadora nos demais períodos de campo. Segundo D. Eloísa é porque “[...] além de hospedaram os de fora, receberão o convite da Santa para participarem da Festa e a bênção dela em suas residências”86.

82 Entrevista concedida à pesquisadora por Sérvulo Borges, em Itamatatiua, em 20 de agosto de 2016.

83 A morada referida é D. Zuleide de Jesus, falecida em 2010, aos 104 anos. Esta senhora coordenou a Festa de

Santa Teresa por muitos anos, na Comunidade.

84 Outrora, a procissão principal - antecede um dia ao lava pratos, encerramento da Festa - acontecia sempre dia

15/10 e o mastro era levantado dia 06/10, início. Porém, houve alterações para se ajustar a participação dos devotos que moram fora de Itamatatiua, sendo estabelecido o final de semana da primeira quinzena de outubro e com isto o levantamento do mastro, varia em função do dia definido para a procissão principal.

85 São denominadas as doações à Santa, tais como ovos, bois, dinheiro em espécie, entre outros produtos e serviços

que possam contribuir com o Festejo. Segundo Sá (2007, p. 104) “[...] a jóia surge, assim, para sincretizar um tipo de contrato que legitima “viver” nas terras da santa [...]”.

86 Entrevista concedida à pesquisadora por D. Eloísa de Jesus, em Itamatatiua, em janeiro de 2017. O convite dela

consiste em um ritual que as caixeiras, bandeiras e carregadeira da Santa saem, recolhendo joias e, ao chegar à casa dos moradores, ela é entregue ao morador que a conduz ao interior da residência.

Esse processo resulta em meses de preparação: os grupos saem recolhendo joias nas localidades vizinhas (povoados e municípios), a fim de levantar fundos para custear as despesas e fazer o convite para Festa. O calendário inicia com o levantamento do mastro87 e é seguido por oito noites de novenas88, recolhimento de joias, dessa vez, dentro da comunidade, ao som das caixeiras e das bandeiras89 que cantam hinos conforme cada momento: chegada às residências, agradecimentos, despedidas; há um repertório extenso e específico para toda ocasião, aprendizados que em geral “os itamatatiuenses memorizam desde criança”, segundo D. Irene de Jesus, a senhora responsável pelas manifestações culturais da Comunidade e caixeira de Santa Teresa e do Divino Espírito Santo de Alcântara.

Após cada novena, é ofertada pelos responsáveis da noite uma mesa com doces, refrigerantes, salgados, bolos de tapioca, de trigo confeitado e lembranças que, a princípio são servidas para os novenários90 e juízes91, também denominados “donos da Festa” (fotos 18 e 19), depois para as caixeiras e bandeiras e, por fim, para os demais presentes.

87 O levantamento do mastro é composto por um extenso e bonito ritual com cortejo que necessita de muitos

homens exercendo um trabalho - com cachaça, cantos ritmados - para buscá-lo na mata, enfeitá-lo, dentre outros acontecimentos, até o fincarem em frente da Igreja, à noite. Isto requer a eleição de duas pessoas pelos responsáveis da festa, ou a pedido dos próprios promesseiros, para cuidar do levantamento, sendo exigido deles experiência nessa condução. O ritual completo da Festa de Santa Teresa é detalhado na etnografia de Pereira Júnior (2012).

88 Segundo Prado (2007, p. 83), “A novena, período que antecede imediatamente a festa, tinha originalmente a

função de preparar espiritualmente os fieis para o culto ao santo. [...]”. As pessoas responsáveis pela noite de novena são chamadas novenários e são indicadas pelos responsáveis pela Festa. Os novenários ou mordomos, como são também nominados, ficam incumbidos das despesas com a compra de material para a feitura de bolos, a aquisição de foguetes e bebidas do dia de sua novena.

89 O termo caixeira relaciona-se com a função de tocar a caixa (tambores), desempenhada pelas mulheres jovens

e/ou adultas que cantam e têm conhecimentos sobre as sequências rituais adotadas em cada festejo específico, a exemplo, da Festa do Divino Espírito Santo, Nossa Senhora, Santa Teresa D’Ávila, entre outras.

As bandeiras são jovens e meninas que seguram as bandeiras para saudar as joias e a Santa (NORONHA, 2015, p. 93). A seguir, será mais bem explanado sobre as funções dessas mulheres.

90 Novenário ver nota 83.

91 Juíz ou festeiro é o casal responsável pela organização da Festa como um todo. Estas pessoas escolhem o grupo

que deve viajar e recolher as joias, realizar os ensaios que antecedem o festejo e a organização dos últimos três dias: a novena final, o dia da festa e o lava pratos, encerramento. A seleção dos próximos juízes é indicada pelos juízes correntes, no encerramento, em comum acordo com a encarregada da Santa ou através de pedido a esta com a finalidade de pagamento de promessa, ou, ainda, por indicação da Santa, em sonho, à encarregada. (PEREIRA JÚNIOR, 2012).