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AS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS NAS COLÔNIAS ALEMÃS DE SANTA CATARINA

No documento EHPS Leonete Luzia Schmidt (páginas 190-196)

CAPÍTULO VI JOÃO JOSÉ COUTINHO E OUTROS ATORES

MATERIALIDADE DAS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS EM SANTA CATARINA

4.2 AS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS NAS COLÔNIAS ALEMÃS DE SANTA CATARINA

Nos primeiros anos, o trabalho com a construção de instalações e com a produção de alimentos para garantir a sobrevivência tomava todo o tempo dos colonos, sustenta Klug. “Nesse período a educação corria o risco de ser esquecida, a não ser quando pais zelosos (especialmente mães) ensinavam os rudimentos do ler e escrever”.289 Além disso, segundo Fiori, de onde vinham, o Estado assegurava educação elementar pública e gratuita

288 Ibidem, p. 3, c.2.

289 KLUG, João.A escola alemã em Santa Catarina. In: DALLABRIDA, Norberto (org.) Mosaico de escolas: Modos de educação em Santa Catarina na primeira República. Florianópolis: Cidade Futura, 2003. p.143.

para todas as crianças, e esses colonos esperaram que o Estado brasileiro também assim o fizesse.290

João Klug postula ainda que nesse período, como o sistema escolar catarinense e brasileiro encontrava-se num estágio insipiente, “Império e Província não se encontravam em condições de atender essa necessidade, sendo que a escola era algo totalmente ausente; logo a iniciativa deveria partir dos próprios colonos”.291

A precariedade da escola era fato, da mesma forma como deveriam ser as condições desses colonos, visto que para construir suas moradias eles tinham de começar por derrubar a floresta. Contudo, nos documentos analisados constam informações sobre algumas escolas criadas pela província de Santa Catarina logo nos primeiros anos após a abertura das colônias de Blumenau e de D. Francisca.

A nomeação do primeiro professor público para a colônia de Blumenau assim como a criação da sua primeira escola pública foi de responsabilidade do presidente da província, João José Coutinho. Como a legislação em vigor fixava que para ser professor era necessário ser brasileiro ou naturalizado, ele aproveitou que na colônia havia um professor normalista, Ferdinando Ostermann, alemão de Nordhausen, e sugeriu que este se naturalizasse brasileiro para poder assumir a escola.

De acordo com Jamundá, o professor Ferdinando Ostermann fez estágio em Itajaí e Nossa Senhora do Desterro para aprender português e

290 FIORI, Neide de Almeida (Org.). A escola “alemã” do Brasil e estudos congêneres. Florianópolis: Ed.UFSC; Tubarão: Ed. Unisul, 2003.

foi nomeado professor público no dia em que saiu sua naturalização. O mesmo autor afirma ainda que “o presidente Coutinho era muito interessado e muito responsável no entendimento do que era a escola brasileira”.

Segundo Coutinho, esta primeira escola de primeiras letras foi fundada em 13 de junho de 1854, “regida por um colono naturalizado Brasileiro que fala e escreve regularmente o Português”.292

Em sua fala dirigida à Assembléia Legislativa no início de 1854, Coutinho demonstra preocupação com a criação de escolas na colônia alemã D. Francisca, dizendo ser

de absoluta necessidade a criação de uma cadeira de 1a letras na colônia D. Francisca, mas devendo o professor ser versado também na língua alemã, não é possível que se obtenha pelo diminuto ordenado de 300$000 réis, espero d e vossa ilustração, que não deixareis passar mais este ano sem habilitardes a Presidência a satisfazer essa necessidade.293

Nesse mesmo ano a Assembléia Legislativa autorizou o presidente Coutinho a pagar um salário diferenciado e então foi criada a primeira escola de instrução elementar nesta colônia ainda em 1854, através da Resolução 369, a qual estabelecia em seu artigo 1º que “fica criada na Colônia D. Francisca, uma escola de primeiras letras para o sexo masculino”. A mesma resolução determinava que as escolas criadas nas colônias alemãs tinham de ter professores que, além da idoneidade exigida pela lei respectiva, deveriam também ter conhecimento do idioma alemão294. O ordenado para as escolas das Colônias era de 600$000 réis,

292 Re latór io do preside nte da pr ovíncia J oã o J os é C outinho apresenta do à As sembléia Le gislativa, março de 1855.

293 Fala do presidente da província à Assembléia Legislativa Provincial e publicada no jornal O Conservador, em 9 de maio de 1854, nº. 219.

igual ao salário dos professores das escolas masculinas da Capital, duzentos a mais do que recebiam os demais professores da província.

Em março de 1857, por determinação do presidente Coutinho, a Câmara da Capital publica um edital pondo a concurso as “Cadeiras de 1ª Letras do sexo masculino das Colônias de D. Francisca e Blumenau”, dentre outras, para serem definitivamente providas.295

Além das colônias de Blumenau e D. Francisca, a de São Pedro de Alcântara também contava com uma escola de primeiras letras paga pelos cofres provinciais. Nas demais, não havia até final de 1859, quando da saída de Coutinho de Santa Catarina, escolas públicas criadas.

Em algumas das fontes analisadas encontramos exigências para que o Estado criasse escolas públicas e gratuitas nessas colônias. Isto evidencia, por um lado, que os pais ou parte deles viam a escola como necessária e de obrigação do Estado e, por outro, que o Estado não estava assegurando este benefício para todas as crianças em idade escolar daquelas colônias. Exemplo disso é a correspondência, endereçada a Coutinho, de David Joseph Conod, professor de primeiras letras que lecionava na Freguesia N. Sra. da Glória. Disse ele que vinha recebendo, por suas lições, alguma coisa dos pais mas que deveria ser pago pelos cofres públicos, dada a carência dessas famílias. Alega que já cumpriu os requisitos exigidos para o cargo e que não foi com pouco sacrifício, como pode ser constatado a seguir:

295 SANTA CATARINA. Ofícios da presidência da província para a Câmara Municipal, 1857, n. 148 – Caixa 38 . AHMF

Eu tenho de representar a V.Exa., os sacrifícios que já fez, como estrangeiro; para ser d’utilidade pública, desta parte da Província.

1o. Eu me fez legitimar Cidadão Brasileiro.

2o. Mudei de Seita: por prova, vai junto, a certidão de minha protestação de fé.

3o. Desde de alguns meses, trabalho para criar ensino quase de graça. Pelos meus trabalhos escolares, já tenho discípulos adiantados. Não posso deixar de citar a V. Exa., um exemplo da grande ignorância do povo d’esta Freguesia: hoje, precisamos aqui d’um escrivão para o Juiz de Paz; não tem n’este lugar uma pessoa capaz para o dito emprego. Assim muito precisa de ensinar, e cultivar uma mocidade tanto atrasada. A instrução, a civilização, a cultura da mocidade e o progresso, em todos os países civilizados, são uma beleza e uma riqueza honrada.296

Muitos fatores podem estar vinculados ao fato da presença ou não de escola pública de primeiras letras nas colônias alemãs catarinenses durante a década de 1850. Mas alguns deles talvez tenham maior sustentabilidade.

Primeiro, as colônias contempladas com escolas eram as mais prósperas e as que abrangiam maior território e população. E tanto Blumenau como D. Francisca eram formadas quase que exclusivamente por protestantes; isto, para um país que tentava se estabelecer tendo por base princípios católicos, certamente era um problema. Além disso, os imigrantes que formaram essas duas colônias eram oriundos de regiões mais desenvolvidas da Alemanha, havendo entre eles muitos com formação escolar universitária.

Sendo assim, tanto o Estado tinha interesse em criar escolas para introduzir através delas valores vinculados à religião católica, como estes

colonos, cientes de que era papel do Estado assegurar escola para todos, cobravam a presença deste serviço.

A materialidade das escolas nas colônias alemãs não diferia muito das demais escolas de primeiras letras existentes na província. No entanto, se com as demais escolas já havia grande preocupação em formar nas crianças valores religiosos (católicos) e despertar nelas o amor pela pátria, nestas ainda havia a preocupação com a língua. Os colonos continuavam, na sua grande maioria, falando somente a língua alemã. Através da escola era possível introduzir a língua portuguesa e com isso também conhecimentos e valores sobre este novo país.

No documento EHPS Leonete Luzia Schmidt (páginas 190-196)