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Um outro fundamento pelo qual se baseia o modelo economicista básico do crime é a teoria da escolha racional. Tal teoria é derivada, sobretudo, do modelo de utilidade esperada. Por esta teoria, a problemática envolvendo a conduta do criminoso passou a ser analisada em termos de escolhas e decisões, é dizer, o exame de como se dá o processo de tomada de decisões acerca de cometer ou não um ato criminoso. Akers (1990), analisando a escolha racional sob a ótica do crime, expende que tanto a teoria da prevenção do crime quanto a teoria da escolha racional assumem que a prática de condutas se fundamenta na tomada de decisões racionais, que são percebidas pela ótica da conseqüência atrelada a cada ação. Assim, o agente, observando as possíveis conseqüências advindas de atos, somente praticará aquela ação determinada se perceber que de sua ação advindirá o máximo de benefício para si. Argüi Akers que “the rational choice theory posits that one takes those actions, criminal or lawful, which maximize payoffs and minimize costs” (AKERS, 1990, p. 654).

Cumpre esclarecer que a teoria da escolha racional, conquanto derivada do modelo de utilidade esperada, não se confunde com a teoria preventivista da pena. Em verdade, estas teorias tomadas em conjunto fundamentam o modelo economicista do crime, desenvolvido a partir do trabalho de Becker (1968). No entanto, faz-se necessária pertinente distinção. Na teoria da prevenção da pena, o ponto nevrálgico localiza-se no temor de uma possível aplicação da pena cominada. É este temor que desloca a conduta em outro sentido, é dizer, no sentido contrário ao cometimento delitivo. Mutatis mutandis, na teoria da escolha racional, este agente faz um cálculo de custo e benefício ou uma função de utilidade esperada, afastando-se da prática de uma determinada conduta se os malefícios que dela derivarem forem maiores que os benefícios que dela advierem. Assim, a previsão de sanção criminal contra determinada conduta faz o agente internalizar em seu cálculo racional o temor de vir a sofrer o quantum de pena determinado. Embora próximas nas conseqüências, ambas as teorias diferem um pouco em suas concepções.

Faz-se necessário asseverar que a teoria da escolha racional não pode ser entendida como um único modelo teórico ao longo do tempo. Na realidade, Ward, Stafford e Gray (2006) identificam diferentes versões de escolha racional que são utilizadas nos estudos acerca da dissuasão dos delitos. Explicam que uma das versões, é dizer, a mais antiga versão da teoria da escolha racional, baseia-se em uma análise prévia de custo e benefício que o agente realiza antes da prática da conduta, maximizando os benefícios e minimizando os custos. Por sua vez, a nova versão da escolha racional considera que o indivíduo não possui

todas as informações para o seu cálculo racional, agindo de acordo com a percepção de que possa auferir maior satisfação com o seu cometimento. Felson (1993) aduz, em relação a essa racionalidade limitada que “offenders may think but not necessarily with great care, “satisficing” (…) rather than “maximizing” in the older utilitarian sense” (FELSON, 1993, p. 1497). Neste sentido, “the old version of rational choice theory is that people engage in conscious and deliberate cost-benefit analysis such that they maximize the values and minimize the costs of their actions. The new version of rational choice theory is that people intuit the values and costs of an action, but because they are imperfect processors of information, they pursue what they perceive as most satisfying” (WARD; STAFFORD; GRAY, 2006, p. 571).

Segundo a mais antiga vertente da teoria de escolha racional, que é derivada do arcabouço teórico desenvolvido pelo utilitarismo, o indivíduo criminoso irá agir após uma consciente e deliberada reflexão, ponderando os custos e os benefícios envolvidos com o crime. Desta maneira, a cominação de pena é essencial para que esta análise possa ser realizada. Assim, dois elementos estão na base dessa concepção. O primeiro refere-se à determinação prévia da pena. Sem o conhecimento acerca da penalidade envolvida com a prática de determinada conduta não é possível a realização dos cálculos racionais. O segundo elemento condiz com o fato de que, segundo esta visão, o homem racional consegue realizar tal cálculo, maximizando seus benefícios e reduzindo os custos envolvidos. Consoante esta concepção, o agente possui liberdade em suas escolhas e conhecimento acerca das conseqüências de suas opções de conduta.

Por outro lado, na segunda metade do século XX, ganha impulso estudos envolvendo uma nova análise da escolha racional, sobretudo com os trabalhos de Simon. Segundo esta concepção, as pessoas são processadoras imperfeitas de informação e atuam com o intuito de satisfazer, ao invés de maximizar seus ganhos. Assim, segundo esta concepção, os agentes também percebem que suas ações ocasionarão mudanças no balanço de ganhos, contudo não conseguem realizar os cálculos de maximização defendidos pela antiga versão da teoria da escolha racional. Ward, Stafford e Gray (2006, p. 572) asseveram que “the assumption of maximizing is rejected and replaced by such alternative assumptions as satisficing and bounded or situational rationality”. Felson (1993, p. 1497), no mesmo sentido, expressa que “the old-time utilitarian implication that punishment is the key to crime prevention is not

embraced by new rational choice criminologists, who are strongly inclined to ‘situational prevention’ or ‘design out crime’”.

Segundo esta concepção, o criminoso basear-se-ia muito mais em sua intuição e nas informações parciais que possui, e não com a preparação premeditada em direção ao ato ilícito. Assim, “offenders see themselves as making their illegal choices in very informal ways, based on intuition more often than cogitation, on casual and brief discussions rather than extensive ones” (FELSON, 1993, p. 1498). Dessa maneira, o agente também seria influenciado por outras variáveis não-racionais, porquanto as lacunas de informação seriam preenchidas por sua capacidade de pressentir.

Embora alguns modelos economicistas têm sido desenvolvidos utilizando-se da nova versão acerca da escolha racional (WARD; STAFFORD; GRAY, 2006), o modelo apresentado neste trabalho baseia-se na antiga versão utilitarista da escolha racional, com fulcro na análise de custo-benefício. Dessa maneira, considera-se a teoria da escolha racional como aquela em que o agente ofensor tem o poder de tomar decisões e as toma, por meio de um comportamento racional, em que o crime se apresenta como mais uma oportunidade de conduta. Assim, quando tratada da racionalidade do agente, deve-se entender a versão mais antiga desta teoria.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL (páginas 59-62)