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Escravidão e emancipacionismo na década de 1850

Entre a desgraça e a deficiência, a pretexto de começo.

No jornal O Colono de Nossa Senhora do Ó, impresso na tipografia da Colônia Nossa Senhora do Ó, na Ilha das Onças em frente a Belém, a meia hora de viagem, o proprietário, editor e redator desse periódico, ex-funcionário da Marinha e deputado provincial do Partido Conservador José do Ó d’Almeida, também fundador, diretor e proprietário da dita Colônia, na edição de 15 de março de 1856, escreveu o artigo “O Colono”, ajuizando que: “Logo ao nascer, foi a nossa agricultura entregue á braços

escravos! Foi uma desgraça,...”.230 Não, não se trata aqui de um abolicionista, esclareço de saída, ainda que sujeito partidário das apregoadas vantagens do trabalho livre sobre o escravo, tanto que com recursos próprios adquiriu a propriedade de um engenho de açúcar na Ilha das Onças e montou a referida Colônia que, posteriormente, obteve auxílio dos governos provincial e nacional, o que, no entanto, não foi suficiente para impedir sua bancarrota.231 Nessa Colônia, apesar de fazer uso do trabalho livre de nacionais e de portugueses, Ó d’Almeida não só empregava seus próprios trabalhadores escravos, pois os tinha, como reclamou por várias vezes nas páginas de seu periódico contra a fuga de nove de seus escravos asilados em mocambos, “alguns deles desde 1841”, isto é há 15 anos.232 Foi assim que, ao passo que fazia pela sua imprensa campanha contra os mocambos, clamando pela destruição destes pelas autoridades públicas, bem como pela punição dos acoutadores de escravos fugidos, Ó d’Almeida fazia de seu jornal órgão de divulgação dos “processos agrícolas e industriais, como são praticados nos países civilizados” procurando “animar e estimular a colonização nesta

230 Cf. O Colono, O Colono de Nossa Senhora do Ó, Anno 5, Sabbado, 15 de março de 1856, n. 11, p. 2.

Destaques meus. Esse periódico foi publicado entre os anos de 1855 a 1858, perfazendo 78 números, existindo encadernado no acervo da Biblioteca do Instituto de Estudos Brasileiros/IEB da Universidade de São Paulo/USP. A colônia fundada no início da década de 1850 durou um pouco mais que seu jornal, não indo além, no entanto, do início da década seguinte.

231 Sobre a Colônia Nossa Senhora do Ó, ver a coleção de jornais da própria Colônia, bem como os

Relatórios e Fallas do governo provincial da década de 1850; há também os comentários do viajante Robert Avé-Lallemant sobre ela, com a reprodução parcial de Relatório da Colônia publicado na Gazeta

Official de 20 de julho de 1859, entre outras fontes. As notícias dadas pelo viajante alemão estão em AVÉ-LALLEMANT, Robert. No Rio Amazonas (1859). Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da USP, 1980, pp. 226-233.

232 Cf. O Colono, O Colono de Nossa Senhora do Ó, Anno 5, Sabbado, 15 de março de 1856, n. 11, p. 2.

província”,233 mesmo que não desistindo de ter seus escravos de volta ao seu serviço, afinal se o trabalho feito com os escravos era ruim, parecia que pior ficava sem eles.

Disto parecia saber José Ó d’Almeida ao relatar seu desgosto com os colonos de seu núcleo colonial que preferiam se entregar “mais à indústria extrativa de produtos naturais” do que à cultura agrícola, ainda que aconselhados e advertidos em contrário por Ó d’Almeida; pois eles “respondiam que, como homens livres, faziam o que lhes

parecia melhor” e não prestavam “a menor atenção aos cálculos aproximados” com que o proprietário-diretor da Colônia procurava “convencê-los das vantagens da lavoura”.234 Lastimava então:

“Se pela persuasão não se convencem homens que não querem trabalhar com a enxada e o arado, muito menos se conseguirá pelo rigor. Já aconteceu algumas pessoas retirarem-se da colônia, por eu tê-las obrigado a trabalhar para não desistirem de sua indolência e vagabundagem. Que poderá um diretor de colônia fazer com gente deste jaez? Esperar algo do tempo e da persuasão para o trabalho?”235

O desgosto de Ó d’Almeida com o trabalho livre também acontecia com o seu emprego nas oficinas de seu núcleo colonial, já que usar trabalhadores livres qualificados ou com ofícios exigia como contrapartida o pagamento de salários elevados, dado o pouco número desses e a constante oferta de trabalhos para os mesmos; o que, aliás, não seria diferente caso contratasse escravos ao ganho ou alugasse escravos com a mesma qualificação. Havia ele montado oficinas de ferreiro, marceneiro, torneiro e uma fábrica de conservas e licores, além de uma serraria. Destas só se mantinha a última “por causa de sua utilidade para a colônia.... Além disso, é um benefício para os jornaleiros, dado o salário que ela lhes paga”. As demais oficinas foram desmontadas e suas máquinas e utensílios vendidos “porque a renda não cobria as despesas; toda ela era consumida pelos salários e manutenção das oficinas e fábricas”, levando em conta para além “destes poderosos motivos” as “recomendações” de Dom Pedro II de que ele só devia se ocupar “da agricultura e pôr de parte todas as

233 Sobre a campanha contra os mocambos e os acoutadores de escravos fugidos, ver os diversos números

do periódico da Colônia de Nossa Senhora do Ó. Sobre a finalidade desse jornal como veículo das idéias e técnicas agrícolas e fabris em uso nos países civilizados, ver o relatório da Colônia de 20 de julho de 1859 apud AVÉ-LALLEMANT, op. cit., p. 229.

234 Cf. o relatório da Colônia de 20 de julho de 1859 apud AVÉ-LALLEMANT, op. cit., p. 228. 235 Ibid, ibidem.

manufaturas, por achar que a mistura de diversos ramos da indústria prejudicava o desenvolvimento agrícola”.236

A situação vivenciada por José ó d’Almeida em sua Colônia com os seus trabalhadores livres, não lhe era privilégio. Pelo contrário, nos fica mais claro as suas dificuldades vendo a de outros, neste caso a do Inspetor do Arsenal de Marinha da Província do Pará, Felipe José Ferreira, em seu ofício de 10 de agosto de 1855, à primeira autoridade da província, o presidente Miguel Antonio Pinto Guimarães. Nesta correspondência o inspetor tratou da falta de operários que tanto comprometia os bons serviços das oficinas de carpintaria e de calafate do Arsenal dado os baixos salários em vigor na tabela de vencimentos do dito estabelecimento, cujos valores dos jornais eram inferiores àqueles pagos pelos particulares em suas obras. A carência de operários, isto é de trabalhadores com alguma qualificação ou ofício, obviamente estava na origem da necessidade de se pagar um maior salário aos mesmos, que assim escolhiam o trabalho que lhes era mais oportuno. Por esse ofício se fica sabendo também que dada a falta desses trabalhadores, noutro momento o Inspetor havia solicitado “mesmo authorização para recorrer à polícia a fim de recrutar onde encontrasse carpinteiros e calafates a fim de fazerem-se os reparos exigidos pelo Comandante do Brigue de Guerra Calliope, o que ainda mesmo assim nenhum se tem podido conseguir!!”. Exasperado com a possibilidade de fechar as portas do Arsenal face à deficiência de tais operários, pedia ao governo provincial que desse conhecimento disso à Corte para que alguma solução fosse providenciada, pedindo mais ainda que fosse solicitado ao governo imperial “a nomeação de hum contramestre para a officina de Calafate, em lugar do que aqui falleceu á dias da epidemia [de cólera]”, que bem podia ser mandado da Corte, Bahia ou Pernambuco, “visto que aqui não se pode achar algum que quizesse o lugar, mesmo porque os officiais deste offício trabalhando para particulares tem o jornal maior do que o da tabella deste Arsenal marcado para o Contramestre d’essa officina” que era de 1.700 réis de jornal e 160 réis de gratificação, não existindo igualmente “mestre nomeado” da dita oficina.237

Noutro ofício de 7 de novembro de 1855, ao Conselheiro Sebastião do Rêgo Barros, presidente provincial, o Inspetor do Arsenal da Marinha voltou a tratar de suas

236 Ibid, p. 229.

237 Cf. Ofício da Inspeção do Arsenal da Marinha do Pará ao Illmo. Exmo. Senr. Miguel Antonio Pinto

Guimarães, Vice-Presidente da Província [do Pará], de 10 de agosto de 1855, Fundo: Secretaria da Presidência da Província, Série: Ofícios, Ano: 1851-1856, Caixa: 160 (Ofícios do Arsenal de Marinha do Pará), APEP.

dificuldades em vencer os serviços de reparos de diversas embarcações entregues aos cuidados do Arsenal, mesmo fazendo uso da mão-de-obra de aprendizes e de escravos, o que lhe permitia só fazer pequenos e malfeitos reparos. Uma vez que lhe faltava em número suficiente os operários “para o prompto desempenho do serviço” das oficinas do Arsenal, “tanto pela deficiência de taes operários nesta Cidade, principalmente depois do fabrico da seringa, verdadeira Califórnia para essa classe de indivíduos e ultimamente com a Epidemia [cólera] de que tem sido víctimas alguns dos que ainda se conservão neste Estabelecimento com o minguado salário da Tabela antiga, com esperança de melhorarem”. Então, para além das perdas causadas pelas epidemias, seu principal problema estava justamente em manter sob contrato os operários necessários ao trabalho das oficinas do Arsenal, dado os baixos salários da “tabela antiga” que pedia fossem reajustados. Pois, como homens livres esses operários podiam e escolhiam melhorar sua sorte na extração da borracha, quando não preferiam se empregar por melhores jornais em obras particulares, embora o Inspetor apontasse como outra possível solução a dispensa do serviço da Guarda Nacional daqueles que se mantivessem trabalhando no Arsenal.238

Era fato que sujeitos livres pobres com alguma qualificação ou profissão definida, tal como carpinteiros e calafates, entre outros, e até caixeiros de casas comerciais, que comprovadamente vivessem desses ofícios ou trabalho; ou ainda aqueles entregues ao aprendizado de algum desses ofícios ou profissão, quando não fazendo seus estudos, tinham possibilidades de escapar aos diversos tipos de recrutamento não só para a Guarda Nacional, mas para a Armada, o Exército ou para a Polícia, sem falar no Corpo de Trabalhadores. Assim, as autoridades dispensando tais sujeitos obviamente buscavam minorar os problemas com a escassez destes trabalhadores. Outro expediente seria o contrato de colonos europeus, melhor dizendo portugueses, que engajados ainda na Europa vinham suprir essa falta por trabalhadores qualificados nos núcleos coloniais fundados na província, quando não eram engajados nos próprios serviços públicos, tipo o corte de madeiras ou nas oficinas tanto do Arsenal de Guerra, quanto no de Marinha. O recurso aos imigrantes engajados sob contrato tinha vantagens no tocante a possibilidade de que os mesmos estariam menos dispostos em abandonar os serviços pelos quais foram contratados, ao que se associava a ilusória

238 Cf. Ofício da Inspeção do Arsenal da Marinha do Pará ao Illmo. Exmo. Senr. Conselheiro Sebastião do

Rêgo Barros, Presidente da Província [do Pará], de 7 de novembro de 1855, Fundo: Secretaria da Presidência da Província, Série: Ofícios, Ano: 1851-1856, Caixa: 160 (Ofícios do Arsenal de Marinha do Pará), APEP. Destaques meus.

imagem de que eles seriam “estrangeiros industriosos”, enfim “mão-de-obra” disciplinada e ideal. Ainda mais considerando que, ao contrário do que acontecia com os nacionais, era esperado que esses trabalhadores estrangeiros em seus ofícios e na agricultura estivessem menos afeitos ou até mesmo imunes as tentações do “ouro branco” da Califórnia amazônica, ou seja, o extrativismo da seringa. Mas quem esperava que assim fosse ficou sentado. Muitos desses engajados quando não conseguiam destratar seus contratos, fugiam; outros se revelaram pouco ou nada “industriosos”, portanto não seriam trabalhadores disciplinados e ideais, pelo contrário, embora outros tantos cumprissem com que era esperado.239

A essas dificuldades com a deficiência de trabalhadores se somou a extinção do tráfico, embora tida e havida como medida necessária. É bem verdade, no entanto, que não havia necessariamente uma relação direta entre o término da importação de escravos africanos novos na década de 1850 com os problemas relativos à falta de trabalhadores, uma vez que desde 1834 não existia mais tráfico atlântico entre a província paraense e a África. A relação era outra, em razão do fim desse comércio negreiro: o aumento do preço dos escravos, ainda mais daqueles qualificados, tornando senão proibitiva muitas vezes difícil a sua aquisição. O viajante inglês Henry Bates, em meados do século XIX, relata-nos que certo proprietário paraense queixou-se da subida dos preços dos escravos pós-fim do tráfico com um cativo custando 400 dólares, que antes era comprado pela metade.240

O acentuado aumento dos preços dos escravos, não somente em função do fim de seu comércio ilegal, como também por sua maior procura por conta da expansão da

239 Sobre o que foi dito neste parágrafo acerca da dispensa de trabalhadores com ofício ou profissão

comprovadamente exercida, bem como a dispensa de aprendizes e estudantes dos diversos tipos de recrutamento forçado; e sobre o engajamento de colonos portugueses e os problemas decorrentes com o trato com esses trabalhadores imigrantes, ver a documentação constante do Fundo: Secretaria da Presidência da Província, Série: Ofícios; e o Fundo: Segurança Pública/Secretaria de Polícia da Província, Série: Ofícios. Nestes fundos há inúmeros ofícios de diversas autoridades e de particulares ou empresas privadas tratando destes temas, a partir dos quais fizemos esse comentário resumido.

240 Cf. BATES, Henry Walter. Um naturalista no Rio Amazonas. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São

Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1979. Ainda sobre a alta dos preços dos escravos, Ivone Bertonha nos informa que o preço médio do escravo que era 550$000 entre 1843-1847, subiu para 649$500 entre 1848-1852, dando um pulo significativo para 1:177$500 entre os anos de 1853-1857, mantendo a sua alta entre 1858-1862, passando o preço médio para 1:840$000. Cf. BERTONHA, Ivone.

O emancipacionismo dos liberais e a economia brasileira no último terço do Império: o projeto político dos liberais na crise da economia brasileira 1868-1884. São Paulo: Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo, 2001, tese de doutorado. Os dados estão na Tabela 5: “Preço Médio do Escravo 1843/1887”, p. 66. Goldsmith, por sua vez, diz-nos que: “Entre 1850 e 1858 os preços subiram em 260%, ou a uma taxa média anual de mais de 17%.” Cf. GOLDSMITH, Raymond W.

Brasil 1850-1984. Desenvolvimento Financeiro sob um Século de Inflação. São Paulo: Editora Harper & Row do Brasil Ltda; Banco Bamerindus do Brasil; 1986, p. 34.

atividade cafeeira no Sudeste brasileiro, tornando difícil a aquisição de novos trabalhadores escravos, parecia ser de fato um problema para as classes proprietárias. Mas, não parecia sê-lo no tocante à diminuição do contingente demográfico da população escrava na província paraense, ao menos em números absolutos; pois, tanto o término do tráfico quanto o crescimento do tráfico interprovincial em favor das áreas açucareiras e cafeicultoras do Nordeste e Sudeste do Brasil não parecem ter afetado a população escrava no Pará de forma significativa a ponto de sangrar essa província de seus trabalhadores cativos. Em 1854, segundo Tavares Bastos, a província paraense tinha uma população livre de 167.909 indivíduos e a escrava somava 30.847 pessoas; em 1862, havia aumentado a livre para 185.300 e a escrava reduzida somente para 30.623, dando-nos uma relação de 1 escravo para cada 6 livres, enquanto na província vizinha do Amazonas, seria de 1 escravo para 45 livres, embora Tavares Bastos julgasse haver “exageração no algarismo de 30.623”.241 Ivone Bertonha, por seu turno, diz que em 1864 existiam 30.000 escravos no Pará e dez anos depois, em 1874, existiam 31.537 cativos.242 Enfim, em trabalho anterior sobre a escravidão negra na província paraense, foi possível computar números semelhantes ou relativamente aproximados a esses, conforme aparecem no quadro que segue:243

Quadro I

População escrava no Grão-Pará (Século XIX).

Ano População Escravos Escravos %

1848 164.949 33.542 20,28

1850 179.415 33.323 18,57

1854 198.756 30.847 15,52

1862 215.923 30.623 14,18

1872 275.237 27.458 9,98

Fonte: BEZERRA NETO, op. cit.

A estabilidade dos números desta população escrava ao longo das décadas de 1850 e 1860 até pelo menos meados da de 1870 são sugestivos de que houve alguma capacidade das elites proprietárias em reter seus escravos na província, apesar de seus

241 Cf. TAVARES BASTOS, A. C. O Valle do Amazonas. A livre navegação do Amazonas, estatística,

produções, commercio, questões fiscaes do Valle do Amazonas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937, p. 198. Esta é a 2ª edição, a 1ª edição é de 1866.

242 Cf. BERTONHA, op. cit., p. 23, Tabela 3: “Populações Escravas”.

243 Cf. BEZERRA NETO, José Maia. Escravidão negra no Grão-Pará (Séculos XVII-XIX). Belém:

problemas em adquirir os mesmos dado a sua elevação de preços.244 Até porque a falta de confiança no trabalhador livre nacional, bem como as frustrações com o “estrangeiro industrioso”, tendia ao reforço desse apego à escravidão, a partir da constatação de que o trabalho permanente era característico do trabalho escravo ao contrário do que acontecia com o trabalhador livre, uma vez que o escravo era estável e, portanto, não se ia embora deixando o lugar de trabalho, ao menos essa era a expectativa. Além do que, fazendo uso aqui dos comentários de Robin Blackburn, havia toda a formação de “capital humano” junto à mão-de-obra escrava, particularmente no que dizia respeito ao aprendizado e treinamento de ofícios especializados ou qualificados, que não se perdia já que o escravo como propriedade do senhor não podia deixá-lo, a menos que fugisse.245

Se já havia então certo mal-estar no ar no tocante a escravidão, ao menos junto a determinados segmentos da opinião pública, este parecia ser minimizado pela constatação do quanto era difícil muitas vezes a disciplinarização do trabalhador livre, ainda mais na região amazônica. Nesta, mesmo sendo a “raridade de escravos” a “maior vantagem econômica” das províncias do Amazonas e Pará, principalmente da primeira, tal qual o juízo de Tavares Bastos, se já parecia difícil se manter na linha o escravo porque era “difícil manter a propriedade sobre o homem ali, nas vizinhanças de desertos e de florestas vastíssimas, sendo possível a fuga para os territórios limitrophes, em nenhum dos quaes se permite a escravidão, que foi abolida há pouco no último que a tolerava, a Guyana Holandeza”,246 o que dizer então do controle sobre sujeitos livres? Até porque a pouca disposição destes para o trabalho rotineiro, segundo o juízo alheio dos viajantes estrangeiros igualmente compartilhado pelas elites proprietárias e políticas imperiais, no espaço amazônico parecia encontrar o meio ideal para juntar a indolência

e a preguiça com a vontade de descanso. O médico alemão Robert Ave-Lallemant em sua viagem pelo Rio Amazonas, por exemplo, em diversos momentos tratou da vida ao sabor da prodigiosa natureza dos habitantes do vale desse rio, que assim tinham seu sustento com o mínimo de esforço, ajuizando ser essa a razão para a falta de necessidade do trabalho somada à incúria e incivilidade dessa população livre e pobre;

244 Sobre o assunto ver BEZERRA NETO, op. cit.

245 Robin Blackburn faz esses comentários pensando na experiência escravista das plantations nas

colônias inglesas e francesas do Caribe, quando compara a escravidão do africano com a condição dos servos brancos temporários. Cf. BLACKBURN, Robin. A construção do escravismo no Novo Mundo. Do

barroco ao Moderno, 1492-1800. Rio de Janeiro: Record, 2003, pp. 389-390.

demonstrando então uma concepção de trabalho associado à idéia capitalista de transformação do meio e de uso do tempo, pois não via o extrativismo como trabalho.247

Para além da dita falta de aptidão para o trabalho face uma natureza que tudo disponha sem exigir maior esforço, falta essa que seria alimentada pela ausência de valores e costumes civilizados, havia a questão do controle social sobre essa população livre, uma vez que sua indolência e vadiagem eram vistas como irmãs da falta de sentimento de dever e de obediência às leis, sendo esses sujeitos livres e despossuídos potenciais criminosos.248 Daí um pulo para se ver na escravidão ao menos um mundo sob um mínimo de controle social, com um maior governo das elites sobre os trabalhadores escravos do que era esperado em relação aos livres, apesar dos perigos da rebeldia escrava ou talvez por conta desse mesmo medo de um novo Haiti nas terras do Império do Brasil.249 Pelo menos assim podiam pensar alguns, entre eles, o que é bastante sugestivo, o viajante estrangeiro Robert Avá-Lallemant quando explicou como

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