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Extinção do tráfico, segurança pública e reforma civilizadora (1850-1860).

O inspetor e o trabalho escravo a guisa de começo.

Em 13 de janeiro de 1852, o inspetor da Thezouraria do Pará Manoel Antonio D’Almeida Pinto oficiou ao presidente da província Fausto de Aguiar sobre a necessidade de se ter uma tabela de vencimentos dos operários artífices e serventes do Arsenal de Guerra, sendo conveniente que os valores dos jornais pagos a tais trabalhadores fossem superiores àqueles pagos aos escravos, explicando seu pensamento da seguinte maneira:

“Devo ponderar á V. Exa. que no arbitramento dos jornaes convirá que se tenha em vista que os operários livres não sejão contemplados com jornaes iguaes aos dos operários escravos a fim de animar aquelles a concorrerem ao trabalho e procurar se acabar com a acquisição dos escravos nas Repartições Públicas, conforme as Disposições dos Decretos de 25 de junho e 20 de setembro de 1831; e julgo mais conveniente ao serviço ter bons operários, pagar- lhes bem e conforme as suas habilitações de que ter escravos com diminutos vencimentos.”93

O inspetor Almeida Pinto revivia a legislação antiescravista da década de 1830 que excluía os escravos dos serviços dos estabelecimentos públicos havendo livres para atender as suas necessidades. Assim se perfilhava ao espírito da época de abolição do tráfico e incentivo ao trabalho livre expresso por legisladores e autoridades públicas, que por meio de “atos legislativos, executivos e administrativos” tratavam da “exclusão dos escravos de certos serviços principalmente públicos, e também até do serviço agrícola, v. g., nas colônias”, segundo Perdigão Malheiro. Aliás, no mesmo ano em que Almeida Pinto escreveu seu ofício ao presidente da província seria aprovada a Lei Geral de 26 de junho de 1852 proibindo o emprego de escravos na construção e conservação da estrada de ferro de D. Pedro II.94

93 Cf. Ofício n. 9 do Inspetor Manoel Antonio D’Almeida Pinto ao Presidente da Província, Dr. Fausto

Augusto de Aguiar, em 13 de janeiro de 1852, Fundo: Secretaria da Presidência da Província, Série: Ofícios, Ano: 1852, Caixa: 166 (Ofícios da Thezouraria do Pará), Arquivo Público do Pará/APEP.

94 Cf. PERDIGÃO MALHEIRO, Agostinho Marques. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico, jurídico,

social. III parte e apêndice. Volume II. Petrópolis: Vozes; Brasília:INL, 1976, p. 90. Ver também notas 343 e 344.

O inspetor do tesouro público era um confiante partidário do trabalho livre, pois dizia ter “intervindo para que se levasse a effeito a creação da Companhia dos Menores, que a ser bem administrada, poderá vir a ser de grande utilidade”. Almeida Pinto referia-se à Companhia de Aprendizes Menores do Arsenal de Guerra, instalada em 2 de setembro de 1842, na qual eram engajados até 50 meninos pobres maiores de 08 e menores de 12 anos sob a supervisão de um “pedagogo” responsável pelo ensino das primeiras letras, devendo tais menores aprenderem diversos ofícios com seus respectivos mestres em oficinas como as de ferreiro, serralheiro, carpinteiro e funileiro.95 Almeida Pinto também sugeria ao presidente a criação de um “Corpo de Operários artífices” no Arsenal de Guerra tal qual na Corte, opinando que assim se teria verdadeiramente um arsenal na província, pois convinha “que se deêm garantias aos operários livres, a quem se deve proteger mais do que aos escravos”, afinal desejava que o Arsenal de Guerra saísse do “estado pouco satisfatório” em que existia.96

Já em 13 de fevereiro de 1852, Almeida Pinto comunicou ao presidente provincial a dificuldade da Thesouraria da Fazenda adjunta ao Thesouro Público Provincial de fazer os pagamentos dos jornais dos operários, dos soldos dos soldados e marinheiros, dos proventos dos funcionários públicos, bem como dos fornecedores. Isto porque dirigentes de vários órgãos descumpriam as formalidades e prazos previstos pela Thesouraria da Fazenda, que desde a sua recente criação centralizava os pagamentos, inclusive substituindo a extinta Pagadoria Militar. Neste ofício, o inspetor dizia que entre as várias conveniências de se manter os pagamentos em dia “principalmente quando há dinheiro em cofre”, havia a de:

“1º que a classe dos operários é a que mais precisa de dinheiro por ser na mor parte composta de homens pobres que vivem do seu jornal, e á não serem pagos em dia, desgostar-se-hão e despedir-se-hão dos serviços dos Arsenaes, preferindo as obras particulares, e ahi se continua com o reprovado systema de chamar-se os escravos.”97

95 Cf. Relatório do Arsenal de Guerra ao Presidente da Província, Conselheiro Sebastião do Rêgo Barros,

assinado pelo bacharel Joaquim Jerônimo Barrão, Capitão Director interino, em 15 de novembro de 1853, Fundo: Secretaria da Presidência da Província, Série: Ofícios, Ano: 1852-1853, Caixa: 168 (Ofícios do Arsenal de Guerra do Pará), APEP.

96 Cf. Ofício n. 9 do Inspetor Manoel Antonio D’Almeida Pinto ao Presidente da Província, Dr. Fausto

Augusto de Aguiar, em 13 de janeiro de 1852, Fundo: Secretaria da Presidência da Província, Série: Ofícios, Ano: 1852, Caixa: 166 (Ofícios da Thezouraria do Pará), APEP.

97 Cf. Ofício n. 28 do Inspetor Manoel Antonio D’Almeida Pinto ao Presidente da Província, Dr. Fausto

Augusto de Aguiar, em 13 de fevereiro de 1852, Fundo: Secretaria da Presidência da Província, Série: Ofícios, Ano: 1852, Caixa: 166 (Ofícios da Thezouraria do Pará), APEP. Sobre a criação da Thezouraria da Fazenda e extinção da Pagadoria Militar, ver: Ofício n. 28 do Inspetor Manoel Antonio D’Almeida

O trabalho escravo não gozava das simpatias do inspetor Almeida Pinto, tanto que ao propor ao presidente provincial um “projecto de Instruções provisórias para regularisar o serviço das obras públicas”, estabelecia que “Serão preferidos os Mestres, Operários e Serventes livres aos escravos para que se precederão annuncios nos jornaes”.98 Mas, o dito inspetor não era insensível à condição miserável dos que sofriam a escravidão. Em 8 de maio de 1852 ele sugeriu ao presidente da província abonar uma gratificação de 29 réis diários ao “escravo da Nação Antonio Ferreira empregado no Arsenal de Guerra como servente dos Aprendizes menores” que recebia a “mesquinha gratificação” de 6 réis diários “não se lhe dando nem ao menos roupas para vestir-se”, pensando ser “isso uma injustiça” que corrigida possibilitaria ao dito escravo “vestir-se, e aplicar o mais no que lhe parecer mais útil a suavizar sua triste condição”.99

Vê-se, então, um graduado servidor público manifestar suas preferências pelo trabalho e trabalhador livre, pelo menos nas obras e serviços públicos, exemplificando como ao longo do oitocentos, particularmente a partir da segunda metade, uma nova mentalidade associando a escravidão ao atraso material e moral do país ia aos poucos galgando simpatias, sendo a extinção do tráfico resultado igualmente dessa mudança da opinião pública;100 afinal, se no período colonial o trabalho escravo era visto como caminho para o desenvolvimento e prosperidade da colônia portuguesa nas terras da Amazônia, tal qual ocorria no Estado do Brasil, como nos demonstram Colin MacLachlan e Rafael Chambouleyron,101 no correr do século XIX já o seria diferente, vindo a escravidão a se constituir no chamado “problema servil”, do qual a questão do tráfico negreiro era parte.

Pinto ao Presidente da Província, Dr. Fausto Augusto de Aguiar, em 24 de janeiro de 1852, Fundo: Secretaria da Presidência da Província, Série: Ofícios, Ano: 1852, Caixa: 166 (Ofícios da Thezouraria do Pará), APEP.

98 Cf. Ofício n. 87 do Inspetor Manoel Antonio D’Almeida Pinto ao Presidente da Província, Dr. Fausto

Augusto de Aguiar, em 17 de abril de 1852, Fundo: Secretaria da Presidência da Província, Série: Ofícios, Ano: 1852, Caixa: 166 (Ofícios da Thezouraria do Pará), APEP.

99 Cf. Ofício n. 110 do Inspetor Manoel Antonio D’Almeida Pinto ao Presidente da Província, Dr. Fausto

Augusto de Aguiar, em 08 de maio de 1852, Fundo: Secretaria da Presidência da Província, Série: Ofícios, Ano: 1852, Caixa: 166 (Ofícios da Thezouraria do Pará), APEP.

100 Sobre o que seja a opinião pública no império, ver ALONSO, Ângela. Idéias em movimento: a

Geração de 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo: Paz e Terra, 2002. Segundo Alonso, a opinião pública era expressão dos anseios e sentimentos, a voz das classes proprietárias, restrita ao universo social daqueles cidadão portadores de direitos políticos como votantes e potenciais candidatos.

101 Cf. MACLACHLAN, Colin M. African Slave Trade and Economic Development in Amazônia, 1700-

1800. In: TOPLIN, Robert Brent (ed.). Slavery and Race Relations in Latin America, contributions in

Afro-American and African Studies, number 17. Westport, Connecticut; London, England, Greenwood Press, 1974, pp. 112-145. CHAMBOULEYRON, Rafael. Escravos do Atlântico equatorial: tráfico negreiro para o Estado do Maranhão e Pará (século XVII e início do século XVIII). Revista Brasileira de

Aqui, então focando a província do Grão-Pará, discuto a extinção do tráfico de escravos africanos em meados do século XIX, compreendendo a possibilidade de atuação dos traficantes no litoral paraense e a necessidade de sua repressão como reveladores de outros eixos para se entender o combate ao tráfico, tais como a preocupação com a manutenção da ordem e segurança públicas, bem como a implementação de reformas de caráter civilizadoras, sendo a extinção do tráfico uma delas no contexto da década de 1850.

Assim o fazendo, compartilho em larga medida com que a historiografia mais recente tem produzido sobre o tráfico e as razões de sua extinção, lembrando as palavras de Flávio Gomes e Mariana Blanco Rincón, que “há um longo debate historiográfico sobre o final do tráfico, enfatizando desde o debate parlamentar, a pressão inglesa, a convergência de interesses das elites agrárias e políticas até as perspectivas mais recentes que destacam o papel do controle sobre os escravos, temores de revolta e africanização.”102

Historiografia que começou a ser produzida ainda no calor da repressão ao tráfico, sendo exemplo o trabalho do Conselheiro, político liberal e advogado Tito Franco de Almeida, O Brazil e a Inglaterra ou o Tráfico de Africanos de 1868, cuja tese era a de que apesar das pressões inglesas coube ao Brasil o mérito de ter abolido o tráfico por vontade própria, contrapondo-se àqueles que viam o fim desse comércio ilegal apenas como resultado do ato de força inglês através do Bill Aberdeen de 1845, sendo esta a versão inglesa da história.103 Por sua vez, Aureliano Cândido Tavares Bastos, político liberal e advogado, em Cartas do Solitário de 1863, mesmo reconhecendo a importância inglesa para abolição do Tráfico diante muitas vezes da fraqueza dos governos brasileiros, demonstrou que não coubera aos ingleses ter iniciado a luta contra o tráfico, mas aos norte-americanos e franceses quando de seus governos revolucionários de fins do século XVIII, mesmo que a Inglaterra na condição de grande potência da época tenha dado o tom e feito toda a diferença na solução da questão; mas,

102 Cf. GOMES, Flávio & RINCÓN, Mariana Blanco. Escravidão, Nação e Abolição no Brasil e

Venezuela: Notas sobre perspectivas comparadas. Cadernos do CHDD, Fundação Alexandre Gusmão, Centro de História e Documentação Diplomática, ano IV, número especial. Brasília: Funag, 2005, pp. 107-132, citação da página 129. Ver também nessa revista os comentários sobre a historiografia do tráfico não apenas no Brasil, mas em Portugal e alhures em FERREIRA, Roquinaldo. Abolicionismo e fim do tráfico de escravos em Angola, séc. XIX, pp. 159-176, em especial a página 159.

103 Cf. ALMEIDA, Tito Franco de. O Brazil e a Inglaterra ou Tráfico de Africanos. Rio de Janeiro:

Typographia Perseverança, 1868. Sobre esse debate, ver BETHELL, Leslie. A Abolição do Comércio

Brasileiro de Escravos. A Grã-Bretanha, o Brasil e a Questão do Comércio de Escravos 1807-1869. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002 (Coleção Biblioteca Básica Brasileira), pp. 383, 405, 408-409.

mesmo assim, para Tavares Bastos coube ao Brasil reabilitando-se junto às nações civilizadas contribuir nos idos de 1850 para acabar de vez com esse “infame comércio” que tanto maculava a sociedade brasileira.104 Já o advogado, ex-Curador dos africanos livres, Procurador dos Feitos da Fazenda Nacional e político conservador Agostinho Marques Perdigão Malheiro, em A Escravidão no Brasil. Ensaio Histórico, Jurídico e

Social de 1867, tratou do envolvimento da Inglaterra com o tráfico de escravos africanos até o início do século XIX, quando passou a combatê-lo como parte de seu jogo político para se tornar senhora dos mares, fazendo uso político da luta contra o comércio negreiro, avocando para si o direito de policiamento dos mares e portos. Crítico da prepotência inglesa a pretexto de combater o tráfico, desrespeitando os princípios dos Direito das Gentes e a soberania brasileira, enfim os próprios tratados firmados com o Brasil, Perdigão Malheiro demonstrou que o tráfico feito “quase que exclusivamente por estrangeiros” continuara apesar da repressão britânica, sendo justamente a mudança da opinião pública brasileira e internacional importante para o combate ao tráfico de africanos, cabendo ao parlamento e governo monárquico brasileiro decisivo papel na extinção desse comércio.105

Quando Tito Franco Franco, Tavares Bastos e Perdigão Malheiro escreveram e publicaram seus livros ao longo da década de 1860, a questão do tráfico ainda estava em aberto, apesar de já extinto o comércio ilegal de africanos entre Brasil e África, pois, além do Bill Aberdeen ainda não ter sido revogado pelo governo inglês, “dois outros aspectos da questão do comércio de escravos continuaram a azedar as relações entre Grã-Bretanha e o Brasil por mais de uma década depois que o próprio comércio tinha sido suprimido”;106 ou seja, as questões relativas às indenizações reclamadas contra a Inglaterra por sua ação naval e policial de combate ao tráfico contra a marinha mercante brasileira; e o destino dos africanos livres introduzidos no Brasil desde a década de 1830 e ilegalmente escravizados. Segundo Bethell, o ápice do tensionamento das relações azedas entre Inglaterra e Brasil deu-se com a famosa Questão Christie, que estava relacionada com as questões em aberto acerca do combate ao comércio ilegal de escravos africanos.107 Daí que Perdigão Malheiro criticou a recusa da Inglaterra em pagar as indenizações “por apreensão de navios julgados más presas pela própria

104 Cf. TAVARES BASTOS, Aureliano Candido. Cartas do Solitário. Rio de Janeiro: 1863, 2ª edição, pp.

108-109, 112, 126-129.

105 Cf. PERDIGÃO MALHEIRO, op. cit., pp. 41, 43-44, 49, 51, 52-57. 106 Cf. BETHELL, op. cit., p. 427.

comissão mista [anglo-brasileira] em Serra Leoa, pretextando que, não obstante tais

decisões, o Governo Inglês tinha a convicção de que esses navios se destinavam a uma empresa ilegal”.108 Mas se o direito ou não às indenizações não se resolvia, Malheiro demonstrou que a Inglaterra em novembro de 1865, quando do restabelecimento das relações diplomáticas entre o Brasil e a Grã-Bretanha, não mais renovou sua questão em torno dos africanos livres face o Decreto brasileiro de 24 de Novembro de 1864, que declarou emancipados todos os africanos livres existentes no Império. Restava, então, a revogação do Bill Aberdeen, “uma questão, ainda de honra e dignidade da Nação [brasileira]”, segundo Malheiro, finalmente revogado pelo governo inglês em abril de 1869.109

No século XX, sob a égide da República, a perspectiva historiográfica anterior acerca da extinção do tráfico postulando um papel importante para o governo monárquico brasileiro, apesar das pressões fiscais e diplomáticas e ações navais inglesas, parecia não caber mais na memória e história escrita pelos republicanos, eclipsando-a. A historiografia novecentista buscou razões econômicas e políticas associadas aos interesses das elites agrárias e políticas brasileiras como eixo para se pensar a abolição do tráfico sob peso diplomático do “tacape” da Grã-Bretanha, que assim agiria movida pela defesa dos interesses do capitalismo industrial e de suas colônias produtoras de açúcar do Caribe.110 Razões essas, todavia, que estudos mais recentes sobre a escravidão, o tráfico e o seu fim no Brasil e em outras partes do Atlântico tem posto em questão, chamando atenção para outras possibilidades cognitivas tal como o “papel dos escravos, como força de ruptura – real ou imaginada – da ordem social escravista, (que) aparece como um elemento-chave do contexto que desencadeou o fim do tráfico”, segundo Roquinaldo Ferreira.111 De fato, historiadores como Robert Slenes, Sidney Chalhoub, Flávio Gomes e, particularmente, Dale Graden vem chamando atenção em seus estudos sobre os mundos da escravidão, nos quais se inseria o tráfico, para a situação de medo das elites diante da possibilidade de revoltas escravas sob o espectro do haitianismo, bem como o temor de uma irreversível africanização do Brasil que comprometesse seu potencial como civilização, como

108 Cf. PERDIGÃO MALHEIRO, op. cit., p. 49, destaques do autor.

109 Cf. PERDIGÃO MALHEIRO, op. cit., p. 65. Sobre as razões que levaram a revogação do Bill

Aberdeen, ver BETHELL, op. cit., pp. 433-434.

110 Sobre o debate historiográfico acerca da incompatibilidade do tráfico e da escravidão com o

capitalismo industrial ver o balanço feito por FERREIRA, op. cit., pp. 159-160. Consultar também BETHELL, op. cit.

razões suficientemente fortes para se acabar com o tráfico de escravos africanos, questões, aliás, já indicadas antes por Leslie Bethell.112 Aliás, o próprio estudo do tráfico no Brasil já faz alguns anos que deixou de ser quase sempre apenas um capítulo dos trabalhos sobre a escravidão, à exceção de alguns importantes trabalhos,113 se tornando tema de investigações específicas de uma historiografia econômica, social e política renovada pelos avanços metodológicos e teóricos da pesquisa histórica brasileira da escravidão desde pelo menos a década de 1980, lembrando aqui, por exemplo, os trabalhos de Manolo Florentino, Jaime Rodrigues e Roquinaldo Ferreira.114 Enfim, o combate ao tráfico assumia importância como questão social e política que afetava também o Grão-Pará, ainda que o último carregamento direto de escravos da África para Belém tenha ocorrido no ano de 1834,115 portanto deixara de ser uma atividade econômica importante para a província paraense, tanto que a população escrava africana era bastante pequena sobressaindo-se a crioula desde pelo menos a

112 Cf. SLENES, Robert. Malungu Ngoma vem: África coberta e descoberta no Brasil. In: AGUILAR,

Nelson (org.). Mostra do redescobrimento: negro de corpo e alma. São Paulo: Associação Brasil 500 Anos Artes Visuais, 2000, pp. 212-233; CHALHOUB, Sidney. A Cidade Febril. Cortiços e epidemias na

Corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996; GOMES, Flávio. Histórias de quilombolas:

mocambos e comunidades de senzalas – Rio de Janeiro, século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1994; GOMES, Flávio. Experiências transatlânticas e significados locais: idéias, temores e narrativas em torno do Haiti no Brasil escravista. Tempo, Revista de História da UFF, Rio de Janeiro, v. 7, n. 13, julho 2002, pp. 209-246; GRADEN, Dale T. Uma lei ... até de segurança pública: resistência escrava, tensões sociais e o fim do tráfico internacional de escravos para o Brasil (1835-1856). Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, CEAA/UCAM, v. 30, 1986, pp. 113-150; BETHELL, op. cit. Ainda sobre a síndrome do haitianismo, ver MOTT, Luís R. B. A revolução dos negros do Haiti e o Brasil. História, Questões &

Debates, Curitiba, 3 (4), 1982; e BEZERRA NETO, José. Ousados e Insubordinados. Protesto e fugas de escravos na Província do Grão-Pará (1840-1860). Topoi, Rio de Janeiro, v. 2, 2001, pp. 73-112. Para um balanço dessa historiografia mais recente, bem como uma crítica à mesma ver NEEDELL, Jeffrey. The abolition of the brazilian slave trade in 1850: historiography, slave agency and statesmanship. Journal of

Latin American Studies, Cambridge, v. 33, nov. 2001.

113 Ver, por exemplo, BETHELL, op. cit.; CONRAD, Robert. Tumbeiros: o tráfico de escravos para o

Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1985; VERGER, Pierre. Fluxo e Refluxo. Do Tráfico de Escravos entre o

Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos. Dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987; TAVARES, Luís Henrique Dias. Comércio proibido de escravos. São Paulo: Editora Ática, 1988.

114 Cf. FLORENTINO, Manolo. Em costas negras. Uma história do tráfico de escravos entre a África e o

Rio de Janeiro (Séculos XVIII-XIX). São Paulo: Companhia das Letras, 1997; RODRIGUES, Jaime. O

infame comércio: propostas e experiências no final do Tráfico de africanos para o Brasil (1800-1850). São Paulo: Unicamp, 2000; RODRIGUES, Jaime. De costa à costa. Escravos e tripulantes no tráfico

negreiro (Angola-Rio de Janeiro, 1780-1860). São Paulo: Companhia das Letras, 2000; FERREIRA, Roquinaldo. Transforming Atlantic Slaving: trade, warfare and territorial control in Angola, 1650-1800. Los Angeles: Universidade da Califórnia (UCLA), 2003, tese de doutorado. Ver, ainda, CURTO, José.

Alcohol and slaves: the luso-brazilian alcohol commerce at Mpinda, Luanda, and Benguela during the

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