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Para fazer dos seus escravos homens ou quando os senhores fazem a emancipação.

“o movimento... no paiz em prol da emancipação dos escravos”, a moda de começo.

Na edição de 17 de julho de 1869, sob o título “Emancipação de escravos”, o

Diário do Gram-Pará comunicou a seus leitores que “n’outra parte desta folha” dava estampa a uma carta dirigida à redação do jornal, “capeando algumas bases para a Associação Philantrópica de Emancipação de Escravos”; cuja criação estava sendo proposta pelo autor da referida carta, o comerciante e livreiro austríaco Carlos Seidl. Em sua chamada sobre o assunto, o Diário do Gram-Pará analisava a conjuntura da década de 1860, comparando-a com o período anterior, no tocante à questão da emancipação dos escravos:

“Vejam o movimento que se opera no paiz em prol da emancipação dos

escravos. A sorte d’aquelles desgraçados que tem escripto na côr da epiderme a sentença da condemnação, parecia tão em relação com elles, que tinha-se no paiz que era lei natural que o negro fosse escravo. Se alguém fallava em abolir a escravatura era tido em conta de anarchista, e ia-se logo buscar um facto - a associação de Voltaire, o creador da opnião pública, com uma casa de importação de escravos para justificar a qualificação”.387

Do “movimento que se opera no paiz em prol da emancipação dos escravos” passo então a tratar aqui, buscando compreender este “movimento” no contexto da década de 1860, já distinto daquele vivenciado na década anterior. Até porque, nos anos sessenta do século XIX, o problema do que fazer com a escravidão e como lidar com os ex-escravos constituía-se no chamado Problema Servil ou Questão Servil que, neste momento, começava a ganhar alguma importância junto à opinião pública brasileira, até mesmo por conta dos receios causados pela experiência da guerra civil norte-americana e abolição da escravidão nos estados sulistas quanto ao futuro da escravidão no Brasil, como bem demonstrou Joaquim Manuel de Macedo, quando fez publicar seu livro:

Vítimas-Algozes, Quadros da Escravidão, em 1869.388 Escrito como “ligeiros

387 Cf. “Emancipação de escravos”, Diário do Gram-Pará, 17 de julho de 1869, p. 1. A partir daqui uso a

sigla DGP para Diário do Gram-Pará.

388 A primeira edição foi em 1869; a segunda em 1896; a terceira em 1988. Aqui foi consultada a última

edição, com estabelecimento do texto e notas por Rachel Teixeira Valença e estudo introdutório de Flora Süssekind. Cf. MACEDO, Joaquim Manuel de. As Vítimas-Algozes. Quadros da Escravidão. Romances.

romances” retratando histórias que, segundo o autor, os leitores sabiam serem relatos ficcionais passíveis de veracidade pela vivência na escravidão, as três novelas que compõe esta obra de Joaquim Manuel de Macedo nada lembram o autor das deliciosamente frívolas páginas de A Moreninha, pois, segundo o juízo de Flora Süssekind, “é o medo o eixo dos ‘quadros exemplares’ do escritor emancipacionista”.389 Medo senhorial face o Problema Servil, visto como uma “crise social iminente, infalível, que a todos há de custar direta ou indiretamente onerosos sacrifícios”, no vaticínio do romancista, mas que conduzida a contento e a tempo pelos próprios senhores por meio de medidas gradualistas e moderadas, “iniciada pelos ventres livres das escravas, e completada por meios indiretos no correr de prazo não muito longo, e diretos no fim desse prazo com indenização garantida dos senhores”, se constituía no “conselho da prudência e o recurso providente dos proprietários”, segundo Joaquim Manuel de Macedo, permitindo que a questão da emancipação escrava fosse resolvida sem maiores abalos da ordem social; sendo então evitada a “emancipação imediata e absoluta dos escravos” que, no entanto, podia “vir a ser um fato indeclinável e súbito na hipótese de adiamento teimoso do problema, e provocador do ressentimento do mundo”,390 como aconteceu em relação ao fim do tráfico atlântico de escravos africanos na década de 1850, segundo o entendimento do romancista e de outros intelectuais da época, ainda mais se considerando um possível futuro próximo de isolamento internacional do Brasil como única nação cristã do Ocidente a manter a escravidão.391

Escrevendo então para o público de leitores das camadas senhoriais, o romancista fazia de sua obra um romance de tese, no qual argumentava pela necessidade

3ª edição, comemorativa do Centenário da Abolição. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa; São Paulo: Editora Scipione, 1988.

389 Cf. “ligeiros romances” em MACEDO, op. cit., p. 4. O Romance A Moreninha data de 1844, quando o

autor tinha 24 anos, sendo o seu primeiro e mais famoso romance. Para a citação de Süssekind, ver SÜSSEKIND, Flora. As vítimas-algozes e o imaginário do medo. In: MACEDO, op. cit., pp. XXI- XXVIII. A citação na página XXII.

390 Cf. MACEDO, op. cit., pp. 1-5.

391 Após a abolição imediata e total da escravidão no Sul dos Estados Unidos, na década de 1860, somente

as colônias espanholas de Porto Rico e Cuba, juntamente com o Império do Brasil, mantinham a escravidão nas Américas. No entanto, como parte do surgimento do movimento abolicionista na Espanha nas décadas de 1860 e 70 associado a fatores internos à realidade cubana, em 1870, a metrópole espanhola determinou que crianças e velhos escravos fossem “juridicamente libertados e o emprego do chicote foi proscrito”, dando inicio ao desmonte da escravidão que foi abolida em 1873 em Porto Rico, sendo que em Cuba, em 1880, foram introduzidos salários módicos para os patrocinados, condição intermediária entre escravidão e liberdade, com a adoção da Lei do Patronato em 13/02/1880, regulamentada em 10 de maio; em 1883, troncos e ferros foram abolidos como formas de punição dos patrocinados, sendo que em 7 de outubro de 1886 foi o próprio patronato abolido por decreto real. Cf. SCOTT, Rebecca J. Emancipação Escrava em Cuba. A transição para o trabalho livre, 1860-1899. São Paulo: Editora da Unicamp; Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, pp. 19, 25, 141-142, 155, 202-203 e 285.

de se resolver a emancipação escrava de forma gradualista, se evitando a precipitação dos acontecimentos que podiam levar à abolição imediata e absoluta, o que a seu ver “seria louco arrojo que poria em convulsão o país, em desordem descomunal e em soçobro a riqueza particular e pública, em miséria o povo, em bancarrota o Estado”. Escreveu um romance de tese também porque argumentava que manter a escravidão seria condenar a sociedade brasileira à barbárie, daí afirmando a condição anfíbia dos escravos como vítimas-algozes de seus senhores e da própria sociedade brasileira: “vítimas pela prepotência que lhes impões a escravidão, algozes pelo dano que fazem, pelas vinganças que tomam, pela imoralidade e pela corrupção que inoculam” junto ao mundo dos livres, revelando para além do medo senhorial de uma revolução social fora de controle, o temor de que o “veneno da escravidão” ou o “cancro da escravidão” corrompesse definitivamente a nação brasileira. Joaquim Manuel de Macedo tecia então ao longo das páginas de suas novelas ou quadros da escravidão: Simeão, o crioulo; Pai-

Raiol, o feticeiro e Lucinda, a mucama, crítica moralista e racial à escravidão e ao escravo em sua argumentação pró-emancipação, sendo viés comum ao pensamento emancipacionista e abolicionista brasileiro ao longo da segunda metade do século XIX.392

Foi também por volta de 1869 que um jovem estudante da Faculdade de Direito do Recife, que ao longo de sua militância emancipadora e depois abolicionista compartilhou da mesma argumentação moralista e racial de Joaquim Manuel de Macedo na crítica à escravidão, começou a escrever um libelo contra a escravidão, continuando sua redação ao longo dos anos de 1870 e 71, embora não o terminando nem o publicando em vida, quem sabe deixando de escrever a última parte que trataria de suas propostas emancipadoras por conta da aprovação da Lei do Ventre Livre em 28 de Setembro de 1871. Falo aqui da obra A Escravidão, de Joaquim Nabuco.393 Talvez

392 Sobre As Vítimas-Algozes como romance de tese ver SÜSSEKIND, op. cit. Ver as citações de

MACEDO, op. cit., pp. 1-5 e 303. Ainda sobre o emancipacionismo de Macedo, ver AMARAL, Sharyse. Emancipacionismo e as representações do escravo na obra literária de Joaquim Manuel de Macedo. Afro-

Ásia, 35(2007), pp. 199-236. Sobre o movimento abolicionista e pensamento racial no Brasil, ver AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco. O negro no imaginário das elites-

século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. Da mesma autora, ver igualmente: AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Abolicionismo. Estados Unidos e Brasil, uma história comparada (século XIX). São Paulo: Annablume, 2003. Ainda sobre as interfaces entre emancipacionismo/abolicionismo, moralismo humanitarista e racialismo desde décadas anteriores (1840 e 1850), bem como o vínculo de Joaquim Manuel de Macedo com o círculo de emancipadores da cidade do Rio de Janeiro, ver: KODAMA, Kaori. Os debates pelo fim do tráfico no periódico O Philantropo (1849-1852) e a formação do povo: doenças, raça e escravidão. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 28, nº. 56, pp. 407-430, 2008.

393 Esta obra foi planejada em três partes: “O Crime”; “A História do Crime” e “A Reparação do Crime”,

influenciado pelo ambiente de crítica social e, portanto, de crítica à escravidão vivenciado primeiro na Academia de Direito de São Paulo e depois na do Recife ainda nos idos da década de 1860, na qual terminou seus estudos,394 Joaquim Nabuco na primeira parte de seu manuscrito A Escravidão, denominada “O Crime”, traçou considerações gerais sobre a influência da escravidão na sociedade brasileira, concebendo o fim da escravidão como uma obra de regeneração, uma vez que a escravidão violava os direitos naturais, “prostituiu a religião e a moral”, “rebaixou o trabalho”, atacava a “base da sociedade livre: os costumes”, bem como a “família”, tecendo uma imagem crítica biologizada da escravidão “como um vírus que se embebeu longos anos em nosso sangue”,395 imaginário comum aos emancipadores e abolicionistas brasileiros.

Para além da denúncia dos vícios da escravidão que corroia e corrompia a sociedade brasileira, o jovem Nabuco defendia a tese de que a escravidão era um crime, um roubo na sua origem, seja através do tráfico legal ou não, questionando a validade moral e legitimidade da propriedade escrava, daí dizendo ter o escravo o direito à liberdade, não cabendo ao liberto indenizar o senhor, mas tão-somente ter reconhecida e restituída a sua liberdade. Inclusive, sobre a questão da indenização devida aos senhores pela perda de sua propriedade escrava, especulava Nabuco que não cabia ao escravo fazê-lo, sendo uma questão entre o Estado e os particulares: “o Estado pode pagá-la se quiser, como para impedir sua mesma destruição”, pois não julgava “fundamento da indenização o fato da posse sobre o escravo, o fundamento razoável seria a garantia da lei do Estado a respeito da propriedade escrava”, até porque “o senhor reclama a indenização não porque possuí justamente o escravo, mas porque o possuí legalmente”. Nabuco então reconhecia a escravidão como instituição legal, apesar de sua condição imoral e questionar as bases morais e filosóficas do direito de propriedade senhorial, quando, por exemplo, deixa claro que no Brasil “ao lado de uma escravidão legal, há uma escravidão ilegal” fazendo aqui referência aos africanos importados ilegalmente

publicado postumamente em 1951, aquando do centenário de nascimento de seu autor, no número 204 (correspondente ao período de julho-setembro de 1949) da Revista do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, a quem havia sido doado em 1924 por D. Evelina Nabuco, viúva de Joaquim Nabuco. Em 1988 saiu sob a forma de livro, com o selo da Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco, compilado, organizado e apresentado por Leonardo Dantas Silva e prefácio de Manuel Correia de Andrade. Em 1999, houve uma 2ª edição pela Editora Nova Fronteira, a partir da transcrição do texto publicado em 1988 pela Editora Massangana. Foi desta edição que fiz uso. Cf. NABUCO, Joaquim. A Escravidão. Compilação, organização e apresentação de Leonardo Dantas Silva; prefácio de Manuel Correia de Andrade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

394 Cf. ANDRADE, Manuel Correia de. Prefácio. In: NABUCO, op. cit., p. XV. 395 Cf. NABUCO, op. cit., pp. 1-5.

após 7 de novembro de 1831, embora sem esperança de que chegasse o dia em que houvesse uma “revisão geral dos títulos da propriedade escrava”,396 questão esta que Rui Barbosa já havia denunciado em suas conferências radicais, o que será mais adiante comentado.

Enfim, o emancipador Joaquim Nabuco, na segunda parte de seu estudo, “A História do Crime”, já apresentava algumas propostas, entre elas o fim das penas de açoites e ferros aplicadas aos escravos criminosos, bem como da pena capital, defendendo ainda o direito do escravo ao pecúlio e, portanto, o direito à alforria mesmo que contrariando a vontade senhorial, aceitando então que os escravos indenizassem os senhores que, inclusive, pensava de forma bastante paternalista podiam ser os próprios curadores dos libertandos, ainda que não achasse aceitável o princípio da revogabilidade da alforria, achando ser igualmente necessário um censo da população escrava,397 propostas que eram discutidas na época, sendo algumas delas incorporadas ao corpo da Lei de 28 de Setembro de 1871. Propostas então ainda não marcadas pela defesa da abolição imediata e total da escravidão que Nabuco defenderia anos depois na década de 1880, ainda que não tenha abandonado muito das opiniões que abraçou na mocidade quando escreveu seu manuscrito, sendo possível ver na leitura dele muito das idéias relativas à escravidão e aos escravos presentes em sua obra posterior, O Abolicionismo (1883), sendo, portanto, importante comentar o manuscrito A Escravidão, ainda que não publicado, como testemunho do pensamento emancipador da época.

Outra publicação foi sem dúvida a mais importante obra dos anos 60, no que diz respeito à propaganda da causa emancipadora e que traduz em grande medida o pensamento emancipacionista dessa época e também dos anos da década de 1870. Obra esta que foi para o período, o que fora O Abolicionismo de Joaquim Nabuco nos idos da década de 1880. Falo d’A Escravidão no Brasil, que Perdigão Malheiro publicou em 1867, e na qual apresentou seu projeto emancipacionista à opinião pública brasileira, propugnando o término da escravidão de forma gradual com indenização, com respeito à propriedade e prezando a manutenção da ordem, pois temia o perigo de ir-se do regime da escravidão para o da inteira liberdade como havia acontecido nos Estados Unidos da América do Norte.398 Por conta desse temor, ainda mais escrevendo sob o impacto da guerra civil norte-americana e a abolição daí decorrente, foi que Perdigão

396 Cf. NABUCO, op. cit., pp. 49 e 103.

397 Cf. NABUCO, op. cit., pp. 118-123.

398 Cf. PERDIGÃO MALHEIRO, Agostinho Marques. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico, jurídico,

Malheiro tratou da necessidade de o Brasil resolver o Problema Servil por sua conta enquanto havia tempo, caso não se quisesse repetir o que havia ocorrido com o fim do tráfico, feito de uma só vez sob a pressão internacional por se ter demorado a cuidar de sua extinção ao longo do tempo. O terreno devia então ser preparado, se despertando do “sono da indiferença sobre o vulcão, sobre o abismo!”, a fim de se “evitar a emancipação brusca e irrefletida”, pois Perdigão Malheiro acreditava que “essa reforma importa uma crise que cumpre saber e poder preparar, dominar, e dirigir; é uma revolução pacífica para o verdadeiro bem moral e material de nossa pátria”, afinal parecia convencido de que a extinção da escravidão era um grande principio humanitário e de utilidade pública e particular.399 Digo que parecia, porque seu medo de uma emancipação fora dos eixos da ordem sugere ter sido maior que seu princípio emancipador, demonstrando ser mais fiel à determinada visão conservadora da sociedade, quando alguns anos depois ele foi contra a chamada Lei do Ventre Livre aprovada em 28 de setembro de 1871.400

Perdigão Malheiro, no entanto, anos antes da publicação de sua obra emancipacionista de 1867, em sua posse como presidente do Instituto dos Advogados do

Brasil/IAB em 1862, já havia tratado do “problema” da escravidão; e, em 1863, também discursou sobre a “illegitimidade da propriedade constituída sobre o escravo”, apresentando então diversas propostas de emancipação, entre elas a do ventre livre da escrava, proposta essa que se sobressaia em relação às demais na época.401 Aliás, Perdigão Malheiro nos informa ainda que em 1863 “foi abertamente levantada a questão da emancipação”, destacando o periódico O Correio Mercantil e sua postura emancipadora, questão que novamente surgiu nos anos de 1865 e 1866.402 Já Tobias Monteiro, em Pesquisas e Depoimentos para a História, tratando do adormecimento do abolicionismo após 1850, situava o início do movimento emancipador em 1867, ano do projeto parlamentar de Pimenta Bueno;403 do que discordava Osório Duque-Estrada em seu livro A Abolição, escrito em 1914, mas publicado em 1918, lembrando os precursores da causa emancipadora da década de 1850, bem como tratando de outros

399 Cf. PERDIGÃO MALHEIRO, op. cit., pp. 149, 146, 173 e 152 e 148.

400 Sobre Perdigão Malheiro ver PENA, Eduardo Spiller. Pajens da Casa Imperial. Jurisconsultos,

Escravidão e a Lei de 1871. Campinas: Editora da Unicamp, 2001.

401 Cf. MORAES, Evaristo. A escravidão africana no Brasil (das origens à extincção). São Paulo:

Companhia Editora Nacional, 1933, p. 105.

402 Cf. PERDIGÃO MELHEIRO, op. cit., p. 147.

403 Apud DUQUE-ESTRADA, Osório. A Abolição (Esboço Histórico), 1831-1888. Rio de Janeiro:

emancipacionistas e de suas propostas ao longo da década seguinte.404 Fazendo uma primeira história mais sistematizada da abolição e marcadamente republicana, ainda que muito focada no Rio de Janeiro, Duque-Estrada escreveu que “o movimento abolicionista accentúa-se na imprensa e na tribuna das conferências” em 1869, destacando nesse ano o inicio das atividades abolicionistas de Rui Barbosa quando ainda estudante de Direito e antes mesmo do início da campanha abolicionista; isto porque para Duque-Estrada, embora reconhecendo os precursores da emancipação e o pioneirismo abolicionista de Rui Barbosa, a “phase militante e revolucionaria do verdadeiro abolicionismo” somente foi iniciada em 1879 como luta da sociedade civil que forçava o governo imperial a se posicionar acerca da Questão Servil, daí não reconhecer como Tobias Monteiro o início do movimento emancipador quando das propostas de Pimenta Bueno apresentadas com o beneplácito de Dom Pedro II.405

Sobre a década de 1860, ainda que criticasse a monarquia como favorável à escravidão, conta-nos Evaristo de Moraes que por essa época havia ganhado mais densidade as propostas dos “emancipadores officiaes” com seus projetos de uma emancipação “lenta, regular, legal” em respeito ao direito de propriedade senhorial; sendo estes “emancipadores”, portanto, opostos aos “verdadeiros abolicionistas” na defesa da abolição imediata e sem indenização aos senhores, os quais surgiriam com maior destaque nos anos da década de 1880.406 Tavares Bastos, segundo a classificação de Moraes, seria um desses “emancipadores officiaes”.

Em suas Cartas do Solitário, do início dos anos 60, Tavares Bastos propunha a necessidade de se tratar da emancipação escrava enquanto político e pensador liberal, mas não incendiário, porque seu intuito não era “o de uma philantropia ardente e provocadora”; pelo contrário, na sua crítica à escravidão e aos seus horrores, vendo-a como causa da miséria moral e material do Brasil, Tavares Bastos pensava a emancipação de forma gradual se evitando o seu fim como aconteceu com o tráfico que se findou sem uma preparação anterior, pois dizia que a questão da sociedade brasileira

404 Cf. DUQUE-ESTRADA, op. cit., pp. 41-42. Santos já havia chamado atenção acerca de Osório

Duque-Estrada “como primeiro estudioso do abolicionismo”, dizendo que Duque-Estrada “está entre os pioneiros na tentativa de sistematizar e ordenar cronologicamente o emaranhado de acontecimentos relativos à abolição”, ainda que não reconheça neste autor o esforço de escrita de uma história da abolição republicana e antimonarquista. Cf. SANTOS, Ronaldo Marco dos. Resistência e superação do escravismo

na província de São Paulo (1885-1888). São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas, 1980, p. 2.

405 Cf. DUQUE-ESTRADA, op. cit., pp. 45, 25 e 10. 406 Cf. MORAES, op. cit., p. 81.

seria como fazer a abolição sem revolução.407 No Parlamento, em 1862, Tavares Bastos, deputado por Alagoas, também defendeu suas propostas emancipadoras quando associou à idéia do ventre livre “a prohibição da venda pública de escravos, a prohibição da separação dos membros da mesma família escrava, a prohibição ás corporações de mão morta de possuírem escravos e a emancipação dos escravos da nação”.408 Em 1866, ainda no Parlamento, propusera um aditivo à lei do orçamento “pelo qual seriam libertos os escravos da nação e seria vedado a associações ou corporações civis ou religiosas possuírem escravos”.409 Em 1870, em A Província,

estudo sobre a descentralização no Brasil, Tavares Bastos outra vez tratou da emancipação no que tangia a competência dos governos provinciais, se perguntando o

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