• Nenhum resultado encontrado

O momento em que Elizabeth Bishop escreve Brazil é extremamente problemático em sua vida: os primeiros oito anos no país haviam sido desfrutados em um sítio nos arredores de Petrópolis, mas no final de 1960 Carlos Lacerda, amigo e vizinho de Lota de Macedo Soares, foi eleito para o governo do recém-criado estado da Guanabara e imediatamente a convidou para coordenar a implantação do que se tornaria o Parque do Flamengo – uma das mais importantes realizações de sua gestão. Encerrava-se a fase em que Lota e Bishop liam, “de modo intermitente, das sete da manhã até uma da madrugada todos os dias, coisas de todo tipo...” (Bishop, 1995, p.419), num lugar onde “o que tem de flora e fauna parece um sonho” (p.241), as nuvens “entram e saem pela janela do quarto da gente, tem cascatas, orquídeas, todas as flores que eu conheci lá em Key West, e mais frutas de clima temperado como maçãs e peras” (p.242). Elas praticamente se transferem para o Rio, onde a nova e agitada atividade pública de Lota vai destruir a antiga paz e confrontá-las com a realidade política do país. Em 1963 a norte-americana vai declarar-se, em carta ao amigo Robert Lowell, “uma pessoa que está paralisada por estar sentindo coisas demais ao mesmo tempo”, e concluirá: “dou-me conta de que esta é exatamente a situação em que estou vivendo há mais ou menos dois anos” (p.462).

O Brasil também atravessa, nessa época, um período crítico: o presidente Juscelino Kubitschek inaugura Brasília em abril de 1960, e seu sucessor, Jânio Quadros, renunciará em agosto de 1961, depois de apenas oito meses no cargo. A mensagem de renúncia de Jânio é reproduzida em Brazil, ao lado da carta-testamento de Getúlio Vargas, de 1954, como documentos de nossa história contemporânea, e a posse do vice-presidente João Goulart, após uma crise que se resolveu com a adoção do parlamentarismo, é o último fato político registrado no livro. A industrialização empreendida por Juscelino, a inauguração da nova capital e a busca pela interiorização do desenvolvimento, associadas a uma vertiginosa

urbanização, vão modificar radicalmente a face do país. Até mesmo a construção do Parque do Flamengo, vivenciada por Bishop, insere-se numa alteração urbana pela qual se constituem “novos locais de socialização ... rearticulando as relações do carioca com a cidade”. Esse contexto vai sugerir “uma nova modernidade cujo modelo não é Paris ou Londres, e sim a América do Norte” (Parada, 1994, p.113).

No cenário mundial assiste-se à pior fase da Guerra Fria, com a construção do Muro de Berlim (agosto de 1961), e nas Américas as atenções se voltam para a recém-vitoriosa Revolução Cubana (1959), pois Fidel Castro progressivamente se alinha à União Soviética. Durante a redação do livro, Bishop recebe um telegrama de Nova York no qual os editores perguntam se ela já havia sido comunista, levando-a a incluir este comentário, entre parênteses, em carta à amiga Pearl Kazin: “Algum garoto que trabalha lá deve ter visto um poema meu na Partisan Review, e só de ver o nome da revista eles entraram em pânico” (Bishop, 1995, p.436).

O relacionamento de Elizabeth Bishop com a publicação mais importante da intelectualidade esquerdista norte-americana havia começado muitos anos antes, em 1938, quando os editores aceitaram seu poema “Love lies sleeping” e, pouco depois, ela venceu um concurso promovido pela revista com o conto “In Prison”. Em 1939 publicou “Gregorio Valdes, 1879-1939”, reminiscências sobre um pintor primitivista que conhecera na Flórida, e ao longo dos anos surgiriam na Partisan Review outros poemas seus, como “Argument”, em 1947. Ela se refere à revista, com a qual nunca perdeu contato, em carta escrita em 1952, pouco depois de sua chegada a Petrópolis: “é engraçado receber a Partisan Review trazida no lombo de um cavalo às vezes – mas também não devo dar a impressão enganosa de que a gente está num lugar muito remoto” (Bishop, 1995, p.255).

Quando, em 1956, a revista lhe ofereceu um auxílio de 2.700 dólares, Bishop comentou em carta: “A bolsa tem ajudado muito, financeiramente. (E acho que eles me deram porque ficaram com pena de mim depois de um ‘ataque’ que sofri nas suas páginas! Você leu? Não me incomodou muito; a distância endurece o coração.)” (p.345). Em razão da distância, talvez desconheça o que se passa na redação da revista, da mesma forma como continuará a associar, em 1961, a Partisan Review à intelectualidade comunista. Afinal, a verba para sua bolsa de 1956 viera da Fundação Rockefeller, um dos mais importantes meios de distribuição de dinheiro do governo norte-americano aos agentes culturais, durante a Guerra Fria. Numa súbita mudança de atitude, a Fundação passara a apoiar financeiramente a revista:

O dinheiro [utilizado na bolsa de Bishop] viera da Fundação Rockefeller, ao ritmo de 4 mil dólares anuais, por três anos, para ser distribuído em fellowships literárias. Pode ter sido uma coincidência, mas é curioso que, a despeito das repetidas solicitações de auxílio financeiro, a Fundação Rockefeller havia recusado todos os pedidos dos editores da revista nos dez anos anteriores. (Saunders, 2000, p.337)

Essa afirmação consta no polêmico livro The cultural Cold War: the CIA and the

world of arts and letters, da pesquisadora Frances S. Saunders,1 extensa investigação sobre a influência governamental norte-americana “no mundo das artes e das letras” ao longo de grande parte do século XX. O livro investiga, por exemplo, a mudança de rumos promovida nas fundações financiadoras de projetos culturais, naquele momento. Pouco após o término da Segunda Guerra Mundial, com a forte polarização política em dois blocos liderados, respectivamente, pelos Estados Unidos e pela União Soviética, o governo norte-americano resolveu atrair os intelectuais de esquerda buscando aproveitar-se de sua influência sobre o restante da sociedade. Um dos focos de análise de Saunders é o Congress for Cultural

Freedom, organizado em 1950 e extremamente ativo até a década de 1960, o qual buscava ser

visto como “a única organização internacional independente que proclamava o valor da liberdade de forma inequívoca” (Saunders, 2000, p.312). Seus objetivos aparentes, segundo uma publicação do próprio Congresso, seriam “opor-se a um mundo em que tudo serve para fins políticos” criando “plataformas das quais a cultura pudesse ser expressa sem vínculos com a política e sem confusão com propaganda, em que a preocupação imediata se relacionasse às ideias e às obras de arte em si” (p.312).

No campo das artes plásticas, o foco de Saunders recai principalmente sobre Jackson Pollock e o Expressionismo Abstrato: independentemente de suas qualidades, o artista e o movimento só foram aceitos na Europa após a “encomenda” de resenhas positivas na França e a distribuição de verbas entre galeristas e marchands. O curador de uma grande mostra em Paris, em 1952, membro do American Committee for Cultural Freedom, endossava o valor político da exposição ao anunciar a apresentação de “obras-primas que não poderiam ter sido criadas nem exibidas em regimes totalitários como os da Alemanha nazista ou da atual Rússia soviética e seus satélites” (Saunders, 2000, p.268).

1 O livro foi traduzido e recentemente publicado no Brasil como Quem pagou as contas? A CIA na Guerra Fria

da cultura (Rio de Janeiro: Record, 2008). Esse título é mais próximo ao da edição inglesa: Who paid the piper? (London: Granta, 1999), associado ao dito “Who pays the piper calls the tune”, por vezes citado no Brasil como “Quem paga os músicos dá o tom” ou “define o repertório”.

Em entrevista concedida por ocasião do lançamento da edição brasileira de seu livro, em 2008, Frances Saunders sintetizou sua análise:

O que a CIA fez foi infinitamente mais sofisticado do que fizeram os nazistas ou os soviéticos. Não se tratava de armar estratégias para forçar pessoas a seguirem a linha oficial. Desenvolveu uma forma muito sutil de propaganda: o tipo em que as pessoas envolvidas em sua produção, e aquelas envolvidas em seu consumo, sequer sabiam o que é propaganda ... um dispositivo bem inteligente para encorajar a ideia de que os Estados Unidos são o campeão da liberdade, apesar do que esteja acontecendo em seu nome ou sob seus auspícios (o estabelecimento de ditaduras na América Latina, a interferência com esquadrões da morte, tortura etc.). (Simões, 2008)

Nessa mesma entrevista a autora afirma que o melhor retorno foi obtido exatamente “nas áreas dos periódicos e livros. A CIA tinha um programa de publicações e revistas bem abrangente e um bom orçamento – com o qual foi possível atrair algumas das melhores mentes da era pós-guerra e dar a essas pessoas a plataforma para transmitir suas ideias” (Simões, 2008). Seria Elizabeth Bishop uma dessas mentes? A tese exposta no livro de Saunders provocaria, no Brasil, a repetição de críticas observadas quando do lançamento na Inglaterra (1999) e nos Estados Unidos (2000): seu trabalho foi comparado a uma “lista negra ao contrário”:

Quem foi financiado pela CIA? Quem sabia que estava sendo financiado? ... Pouca gente resistia, entretanto, a mordomias, bons pagamentos e viagens grátis: Mary McCarthy, Robert Lowell, Hannah Arendt, William Styron são citados entre os que, “sabendo ou não”, participaram no mínimo de um ou outro convescote. (Coelho, 2008)

Em 1956, quando recebeu a bolsa proveniente da Fundação Rockefeller repassada pela

Partisan Review, Bishop escrevia contos que retratavam episódios de sua infância, vivida no

Canadá e nos Estados Unidos, e estava preocupada em finalizar a tradução para o inglês de

Minha vida de menina, tendo de negociar com os editores para que ela fosse publicada em seu

país. Esperava que o leitor norte-americano se encantasse – como ela própria se encantara – com o diário da menina mineira do século XIX, e decepcionou-se com a repercussão modesta entre crítica e público. Envolvida, acima de tudo, com a parte literária desse projeto, censurou em cartas a falta de empenho dos editores e até mesmo o comportamento da autora, Helena

Morley (pseudônimo de Alice Caldeira Brant), agora uma velha senhora muito rica, interessada unicamente no possível retorno financeiro da edição norte-americana (Bishop, 1995, p.380).

Preocupações com a gratificação pelo trabalho, no entanto, permeiam as cartas de Bishop ao longo de toda a vida, e a chegada de dinheiro é sempre festejada. Em 1958, quando envia à New Yorker seu artigo sobre a viagem a Brasília e ao Xingu, comenta que a publicação do texto – afinal, recusada – permitiria iniciar a construção da garagem em Samambaia (Bishop, 1995, p.389). Na mesma carta, sugere que se faça alguma coisa para que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil convide sua amiga Marianne Moore para vir a Brasília e ao Mato Grosso, embora reconheça: “Acho que a nudez dos índios seria demais para ela” (p.389). A Robert Lowell, sugere: “Por que você não arranja uma bolsa Fulbright e vem para cá? ... Querem pessoas conhecidas para vir aqui dar uma conferência, ou mais de uma, nas cidades maiores, e pagam muito bem, e a taxa de câmbio no momento não podia ser melhor” (p.389).

“Apesar de suas reservas em aceitar apoio governamental” (Saunders, 2000, p.347), Lowell virá à América Latina em maio de 1962 com financiamento do Congress for Cultural

Freedom, para participar de um encontro literário em Buenos Aires, e permanecerá no Rio por

algumas semanas.2 Bishop se entusiasma com a vinda do grande amigo, uma vez que o pessoal do Departamento de Estado – equivalente ao nosso Ministério das Relações Exteriores – “comporta-se de maneira tão estúpida e grosseira” e “costuma mandar romancistas e professores enfadonhos e desimportantes” (p.347).

Até mesmo a vinda de Bishop à América do Sul, em 1951, só se havia concretizado graças a uma bolsa concedida pela faculdade Bryn Mawr. Entretanto, em 1966, no período em que pela primeira vez aceitou lecionar em uma universidade – em Seattle, Washington –, a escritora comentou em entrevista que “auxílios [grants], bolsas [fellowships] e ciclos de palestras de leitura [reading-tours] são apenas meios pelos quais o establishment acadêmico subsidia a mediocridade” (Monteiro, 1996, p.37). Se “todos os poetas latino-americanos são diplomatas” (Bishop, 1995, p.707), como disse certa vez em referência a João Cabral, ela própria deixava de ser, nessa época, “o único poeta norte-americano que não dá aulas” (p.487). No final da vida, em 1976, afirmará não conhecer nenhum poeta que se mantenha

2 É justamente em 1962 que encontramos, na correspondência de Bishop a que tivemos acesso, as únicas

referências a Nicolas Nabokov, personagem chave do livro de Saunders por sua função como agente cultural da CIA. Em carta a Lowell (5 abr.), ela pergunta: “QUEM custeia o Congress for Cultural Freedom? Eu realmente não estou sabendo de nada, além da Encounter e do Nicolas Nabokov...” (Bishop, 1995, p.444). Em carta posterior (8 out., p.723), refere-se a ele como “Nicolas”, indicando, no mínimo, uma boa convivência.

apenas com as publicações, “o que é bom”, pois “ninguém se lança à poesia para ganhar dinheiro” (Monteiro, 1996, p.60). No Brasil, todos são funcionários públicos; em seu país, professores universitários. E completará: “Eu tive sorte. Depois que publiquei meu primeiro livro de poesia, fellowships e outros tipos de auxílio chegaram nos momentos certos” (p.60).

Algumas encomendas, entretanto, exigem contrapartidas penosas – algo que Elizabeth Bishop só iria constatar em 1961, ao ser contratada pelos editores da revista Life. Quando, em agosto de 1958, ela e Lota receberam a visita do escritor norte-americano John dos Passos em Samambaia, souberam que ele estava no Brasil a convite do Itamaraty, com a incumbência de escrever uma matéria para a revista mensal Reader’s Digest: “Isto já devia ter nos deixado com o pé atrás – e como nossas opiniões a respeito de Brasília eram violentamente contrárias, o principal tema de conversação tinha de ser evitado” (Bishop, 1995, p.388). Afinal, nessa época ela estava escrevendo por iniciativa própria o artigo que apresentaria à New Yorker, e não enfrentava – nem esperava enfrentar – nenhum constrangimento ao expor suas ideias e opiniões. John dos Passos estaria desfrutando da mesma liberdade? Os motivos que levaram a revista a recusar o ensaio de Bishop poderiam ser discutidos caso a autora tivesse demonstrado alguma revolta e questionado a atitude dos editores, mas ela preferiu considerar- se responsável pela negativa. John dos Passos, que escreveu textos jornalísticos sobre a América Latina para diversas publicações norte-americanas, coincidentemente lançaria um livro sobre o país, Brazil on the move,3 na mesma época em que a Time Inc. publicou Brazil.

Fazendo algo por seu país

Em 1961, quando Bishop teve seu nome e seu trabalho associados à revista Life, o convite para a elaboração de Brazil partiu dos editores norte-americanos, mas a escritora estava ávida por contribuir, de alguma maneira, para o governo do presidente Kennedy, o qual logo anunciara o desejo de “uma relação produtiva com os artistas” (Saunders, 2000, p.344). Buscando apagar as marcas deixadas pelo terror do macartismo e pelo relacionamento pouco caloroso no período Eisenhower, Kennedy convidou 156 dos mais importantes artistas e intelectuais, americanos ou não, para a festa de sua posse. Um deles, Robert Lowell, pouco depois escreveria à amiga Elizabeth Bishop confidenciando que, pela primeira vez na vida, “sentia-se um patriota” (Millier, 1993, p.324). O Brasil também vivia, nos meses iniciais do

3 Lançado nos Estados Unidos em 1963, o livro de John dos Passos foi traduzido por Pinheiro de Lemos e

governo Jânio Quadros – empossado simultaneamente a John Kennedy –, muito do entusiasmo que restara dos tempos de Kubitschek, e Bishop percebia todos à sua volta – a começar por Lota, que trabalhava sem remuneração para o governo de Lacerda, na Guanabara – envolvidos em algum projeto importante. “Todos parecem estar encontrando sua verdadeira vocação nestes dias” (p.324), afirmou em carta de abril, e seu comentário incluía até mesmo a vizinha e amiga Mary Stearns Morse, ex-companheira de Lota, que acabava de adotar Mônica, uma garotinha brasileira. Nessa mesma época a escritora perguntou a Lowell se ele poderia mencionar “a alguém na Casa Branca” que ela “gostaria de fazer algo por seu país no Brasil” (p.324). Uma carta enviada a ela por Arthur Schlesinger – conselheiro do presidente Kennedy – em julho de 1961, pedindo “sugestões relacionadas ao envolvimento americano no país”, não passava de um gesto formal, segundo a biógrafa de Bishop, mas a iniciativa da escritora em “aproximar-se da arena política” foi “sem precedentes” (p.324). Em junho surgiu o convite da Time Inc. para que escrevesse o livro sobre o Brasil para sua série relacionada aos países do mundo, e a resposta positiva foi imediata.

Os problemas entre Bishop e os editores também surgiram logo. Em carta de agosto, ela informa à amiga Pearl Kazin:

O editor da Life me escreveu que “você não imagina como me ajuda preparar um esquema antes de começar a redação”, e também: “ainda que possa parecer um trabalho cansativo...” (etc. e tal) uma bibliografia dos livros que estou usando “seria uma boa ideia” – ora, faça o favor, vá ensinar padre a rezar missa. Eles são simplesmente INACREDITÁVEIS. A coisa tem muito mais a ver com a fabricação de

chantilly a partir de subprodutos de uma fábrica de plásticos do que com literatura –

ou mesmo com jornalismo. (Bishop, 1995, p.436)

No final de agosto, quando deveria ter escrito cem páginas, ela nem havia iniciado a redação, e a renúncia de Jânio vinha exigir novas considerações sobre a história brasileira contemporânea. Como escrevia muito devagar, Bishop não pôde aproveitar a verba disponível para viagens pelo país. Além disso, viu-se imediatamente em confronto com os editores em torno do que deveria ser incluído no livro: “o interesse de Elizabeth em flora e fauna” contrapunha-se ao dos editores, voltado para “pessoas” e política – “especificamente as circunstâncias relacionadas ao potencial do país para a democracia ao estilo norte-americano” (Millier, 1993, p.325). Sua ida a Nova York, na companhia de Lota, foi postergada de outubro para a primeira semana de novembro, e assim que chegou a escritora pôde constatar que o

original fora “devastado pelo ataque dos editores da Time Inc., determinados em promover os Estados Unidos e o futuro democrático do Brasil” (p.325).

Millier afirma que as cinco semanas em Nova York foram exaustivas, pois, “pela primeira vez na vida, Elizabeth trabalhava vários dias seguidos sob pressão dos editores” (p.325), e sua aversão pelo livro crescia também por não ter simpatizado com eles. No final, seu único triunfo resumiu-se ao fato de ter finalizado o livro e conseguido “preservar intacta a maior parte dos três primeiros capítulos” (p.326). Ainda em Nova York, Bishop escreveria em carta:

Não deixa de ser uma experiência interessante – mas trabalhar com a Time, a

Life etc. – isso nunca mais. Essa gente é inacreditável, e o que eles sabem sobre o

Brasil cabe na cabeça de um alfinete – e, no entanto, são de uma audácia, uma arrogância, uma condescendência! Porém – consegui salvar uma parte do texto, e ele diz a verdade, mais ou menos – e algumas das fotos são bonitas – mas podiam ser muito mais. (Bishop, 1995, p.439-440)

De volta ao Brasil no final de dezembro, a escritora continuou discutindo com os editores por cartas e telegramas, na tentativa de recuperar, para o livro, algo do tom original. Afinal, “eles receberam muitas de minhas ideias com entusiasmo, só que não tomaram nenhuma iniciativa” (Bishop, 1995, p.715). Finalizando o embate, Oliver E. Allen, o editor da série, escreveria a ela em 19 de janeiro de 1962: “Nunca antes me senti forçado a tentar provar que eu ou minha equipe éramos honestos ou íntegros ou imparciais, e espero não ter de fazê-lo novamente” (Millier, 1993, p.327). Bishop, por sua vez, afirmou que teria processado a editora, se seu temperamento fosse um pouco diferente (p.327).

Cansada, no final de 1962 a escritora comenta com amigos americanos a dificuldade enfrentada em descrever o país: “houve tantas crises políticas inexplicáveis (para os forasteiros)”. E completa: “aliás, a meu ver o Brasil em si é grande e cansativo demais... muito, muito mais complicado do que aquele livro açucarado da Life dá a entender” (Bishop, 1995, p.454).

Três motivos podem ter levado Elizabeth Bishop a essa reação diante dos rumos tomados por seu livro. O primeiro, que nos parece o mais tênue, seria a qualidade de seu próprio texto – escrito às pressas e envolvendo, até mesmo pelas características da encomenda, assuntos que a autora perfeccionista não dominava, alguns dos quais tivera de pesquisar superficialmente (Przybycien, 1993, p.72). O segundo motivo seria a instabilidade

emocional de Bishop, sempre insegura e indecisa diante da possibilidade de receber críticas talvez justas. Regina Przybycien (1993), Brett Millier (1993) e Carmen Oliveira (1995) apontam a crescente e perniciosa influência das crises associadas ao consumo de álcool nos relacionamentos de Bishop com amigos e editores. Durante os períodos de depressão, o afastamento era quase inevitável.4 No final de 1961, todavia, a escritora ainda estava sob o efeito positivo dos anos de tranquilidade e estabilidade emocional vividos em Petrópolis na companhia de Lota, e talvez julgasse as crises de insegurança – e de alcoolismo – superadas para sempre.

O terceiro motivo parece ser o mais consistente. É possível que, diante do livro

Documentos relacionados