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Um povo caloroso e sensato

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[p.9]

(O h depois de uma

consoante é uma das coisas que fazem o português parecer tão estranho aos nossos olhos. Ele se

pronuncia como y: Con–say– son–zeen–ya.) *

RECENTEMENTE aconteceu 2 no Rio de Janeiro um daqueles dramas de “interesse humano”, o mesmo pequeno drama que acontece 3 com tanta frequência em Nova York ou Londres ou Roma: um bebê recém-nascido foi raptado da maternidade. Seu nome era Maria da Conceição, 4 mas os jornais logo o abreviaram, ao estilo brasileiro, para Conceiçãozinha. 5

... custo de vida, os feitos do novo presidente, Jânio Quadros – talvez ...

Conceiçãozinha ocupou as manchetes por uma semana, e durante esse tempo é certo que a inflação, 6 o terrível custo de vida, as trocas de poder no governo – talvez até mesmo os resultados do futebol – ficaram em segundo plano para a maioria dos leitores.

[Talvez um QUADRO explicando um pouco da pronúncia portuguesa, como no livro do JAPÃO.

Diminutivos – inha – ão – x = sh – etc. Talvez com formas de tratamento.]

A equipe do hospital foi interrogada. Uma débil mental que vagava pelas imediações foi detida. A polícia vasculhou bueiros, moitas e as favelas, os famosos bairros pobres do Rio, nas encostas dos morros. De alguma forma o rapto foi ocultado da mãe, mas o pai, um jovem funcionário público, foi fotografado em sua mesa de trabalho, em desespero. E [p.10]

1 Nos arquivos da autora, em Vassar, consta o rascunho de uma carta aos Editores, de 19 dez. 1961. Logo no

início, a autora refere-se aos títulos: “O Sr. Blashell [sic, John Blashill, da sucursal da Life do Rio de Janeiro] leu para mim os títulos dos capítulos 1, 5, 6, 8 e 10. Os últimos quatro estavam O.K. mas seguramente o primeiro capítulo não pode ser ‘A warm and respectable people’ [Um povo caloroso e respeitável]! Penso ter lido um outro em Nova York – melhor que esse. Warm [caloroso] soa como se estivesse relacionado ao clima – e respectable [respeitável] – deve ser um erro”. No final da página, Bishop pede: “Posso ver todos os títulos de capítulos?”. Em seu exemplar [HRV], a autora rasurou esse título, mas não o substituiu. Nos capítulos 2 a 8, substituiu o título publicado pelo original.

* Nos originais constam recados aos editores, como os desta página, quase sempre entre parênteses ou colchetes. 2 [1970]: ‘Há algum tempo aconteceu’.

3 No original datilografado, hoje em Vassar [VAS]: took place ... happens [aconteceu ... acontece]; nas duas

edições analisadas [1962, 1970] o verbo se repete: took place ... takes place.

4 Também em inglês: or Mary of the Conception. 5 Também em inglês: or “Little Conception”.

Conceiçãozinha foi encontrada três dias depois, sã e salva. Uma das enfermeiras da maternidade, que havia sofrido um aborto pouco antes, foi quem raptou a menina.

... notícia, ele “ficou branco”, chorou e disse, ...

... abraçando o chefe de polícia.

ATÉ aí tudo isso poderia ter acontecido em Nova York, Londres ou Roma. Mas agora a história torna-se brasileira. O amante da enfermeira branca, um mulato, proprietário de uma pequena mercearia, havia prometido uma casa se ela tivesse um filho, e já havia dado o equivalente a 50 dólares para o enxoval do bebê. Assim, a enfermeira – determinada, como ela disse aos repórteres, “a ter um lugar decente para viver”, com “atmosfera caseira”, e também porque ela realmente queria ter um filho – ocultou seu aborto e disse ao amante que o bebê nasceria em tal dia. Enquanto isso, ela deixou Conceiçãozinha com sua lavadeira, uma senhora idosa que morava num barraco de favela. A enfermeira foi presa quando levou comida para elas. O bebê estava gordo e passava bem. A lavadeira, analfabeta, não sabia nada do tumulto nos jornais e jurou completa inocência. Quando o pai recebeu a boa notícia, chorou e disse, “Esta é a emoção mais forte que eu já senti na minha vida”. Ele foi fotografado abraçando os policiais. Conceiçãozinha foi levada de volta para a maternidade, onde “os médicos a aclamaram e as enfermeiras choraram”. Trezentas ou quatrocentas pessoas estavam reunidas do lado de fora. O bebê, de fraldas, foi levado a uma janela, mas a multidão gritou: “Mostre a carinha dela!”. E assim ela foi mostrada “para aplausos e vivas”.

No dia seguinte o drama continuou num nível mais calmo, mas num estilo ainda mais brasileiro. A família do pai e a da mãe brigaram para ver qual delas teria a honra de abrigar a criança e sua mãe em primeiro lugar. Uma das avós impediu que o chefe de polícia fosse convidado para ser o

... planícies pantanosas ao norte ...

... peregrinações e penitências e para o pagamento ...

padrinho de Conceiçãozinha, porque “isso é sempre um assunto de família”. E o pobre pai teve de enfrentar o cumprimento de suas promessas. * Se o bebê fosse encontrado vivo, ele havia prometido (1) encomendar quatro missas; (2) parar de fumar por um ano; (3) levar duas velas de um metro, assim como um bebê de cera, de tamanho natural, até a Igreja de Nossa Senhora da Penha; e (4) subir a escadaria dessa mesma igreja de joelhos, carregando uma vela acesa. Essa igreja do século XVIII fica empoleirada no alto de uma penha ou rocha de formato estranho, que desponta no meio das planícies ao norte da cidade. É uma igreja muito utilizada para peregrinações e para o pagamento de promessas. Os degraus são 365.

Esta pequena história reúne ...

... são muito fortes. Eles são católicos, ao menos na aparência. São muito mais francos ...

... atrasado: as lavadeiras são analfabetas; há débeis mentais soltos, pessoas que nos Estados Unidos estariam recolhidas em instituições; e os hospitais podem não ser administrados com a eficiência que consideramos apropriada. Assim, tudo é previsível.

A HISTÓRIA de Conceiçãozinha reúne uma quantidade surpreendente de informações acerca da vida dos brasileiros, de seus hábitos e caráter. A maior parte, é claro, é o que se espera encontrar em qualquer país latino-americano. Brasileiros adoram crianças. Eles são profundamente emotivos e não se envergonham disso. Os laços de família são muito fortes. Eles são católicos apostólicos romanos, ao menos no comportamento exterior. São mais francos que os anglo-saxões acerca de amor fora do casamento, e são tolerantes à miscigenação. Também – como se espera num país muito pobre e em vários sentidos atrasado – muitas pessoas são analfabetas; há débeis mentais soltos, pessoas que em outros países estariam recolhidas em instituições; e os hospitais nem sempre são administrados com eficiência moderna. Assim, tudo é previsível.

Mas não é só isso. Essa história logo faz pensar num dos piores, e mais chocantes, problemas do Brasil: a

mortalidade infantil. Por que toda essa preocupação sentimental, quase histérica, em torno de um bebê, quando a taxa de mortalidade infantil brasileira ainda é uma das mais altas do mundo? Os detalhes da história de Conceiçãozinha merecem exame não apenas pela luz interessante que lançam sobre essa coisa contraditória, o caráter brasileiro, mas também porque o problema trágico e insolúvel que eles apresentam é quase um paradigma de vários outros problemas do país, grandes e pequenos.

... leite em pó, se ele perceber que é importante). Pais gostam de “arrumar” seus filhos; os bailes a fantasia infantis são parte importante do famoso Carnaval, todos os anos.

Primeiro, existe a óbvia devoção às crianças. Como em outros países latinos, bebês estão por toda parte. Parece que todos sabem conversar com crianças pequenas e niná-las, e isso inconscientemente. Dizem que dois tipos de pequenos negócios nunca vão à falência no Brasil, lojas de roupas infantis e de brinquedos. O trabalhador mais pobre vai gastar uma quantia desproporcional de seu salário numa roupa de batismo (ou em leite, se ele perceber que é vital para a saúde de seu filho). Pais gostam de arrumar seus rebentos; os bailes a fantasia infantis são parte importante do Carnaval todos os anos, por todo o país.

[p.11]

O Brasil é um país católico. Não existe ...

... e 8 ou 9 parecem ser ... ... 55 por cento da população está abaixo dos 17 anos de idade. Casar-se cedo é normal, 21 ou 22 anos para o rapaz, 17 ou 18 para a menina, e um bebê ...

No Brasil católico não existe divórcio nem controle de natalidade legalizado, e 7 famílias grandes são a regra. Às vezes as famílias chegam a ter 20 filhos ou mais, e cinco ou seis parecem ser a média. 8 O Brasil é um país muito jovem; mais de 52 por cento 9 da população está abaixo dos 19 anos de idade. Casar-se cedo é normal, e um bebê no primeiro ano é garantido. Crianças são quase sempre bem-vindas – as primeiras três ou quatro ao menos 10 – e adoradas.

... infantil é a [em branco] maior do mundo. Nas regiões mais pobres e distantes, em

E mesmo assim a taxa de mortalidade infantil continua pavorosamente alta. Nas regiões mais pobres e distantes do

7 [1970]: ‘não existe divórcio, o controle de natalidade é malvisto, e’.

8 [1962, 1970]: ‘ou seis são a média’. A autora aceitou a atualização: a média teria caído de ‘oito ou nove’ para

‘cinco ou seis’, mas em seu exemplar [HRV] corrigiu ‘são’ para ‘parecem ser’ a média.

9 [1970]: ‘mais de 50 por cento’.

grande parte do Nordeste ...

A cidade do Rio, capital do país até 1960, ainda é uma das piores.

... sobreviveu, é possível que mais de 300 bebês tenham morrido apenas no Rio.

Nordeste e na Bacia Amazônica, ela chega a 50 por cento durante o primeiro ano de vida, e às vezes é ainda mais alta. As cidades do Recife e do Rio, com suas grandes favelas, são duas das piores. Durante os três dias em que Conceiçãozinha ficou escondida no barraco 11 da lavadeira, e sobreviveu, é quase certo que mais de 60 bebês morreram no Rio. 12

... desse terrível desperdício de vida deve-se apenas à fome, ou ao menos à desnutrição.

... gratuitas, mas os médicos desistem ...

A MAIOR parte desse trágico desperdício de vida deve-se à desnutrição. 13 Mas a desnutrição muitas vezes se deve mais à ignorância que à falta de alimento, um círculo vicioso em que pobreza cria ignorância e esta cria mais pobreza. No Rio, por exemplo, existem muitas clínicas conceituadas e gratuitas. 14 Mas os bons médicos 15 desistem, depois de trabalhar nelas por anos; eles não suportam ver as mesmas crianças trazidas dia após dia, mais doentes, mais fracas e afinal morrendo porque os pais são ignorantes demais, ou supersticiosos demais, para seguir instruções simples.

Alimentos impróprios, remédios para vermes, xaropes para dormir, amuletos – tudo isso ...

As massas de pessoas pobres nas grandes cidades, e os pobres e nem-tão-pobres do “sertão”, 16 amam seus filhos e os matam gentilmente, aos milhares. Alimentos impróprios, comida estragada, remédios para vermes, xaropes para dormir – tudo isso tem um preço muito alto: “pequenos 17 anjos” em

caixões forrados de papel e enfeitados de dourado, azuis para meninos e cor-de-rosa para meninas.

Todavia, a população do Brasil cresce rápido. A expectativa de vida aumentou de maneira considerável nas

11 [VAS]: hut [cabana]; [1962, 1970]: shack [barraco], termo que será usado ao longo do livro. 12 [HRV]: na margem a autora anota: ‘?’.

13 [1962, 1970]: ‘desnutrição que enfraquece a resistência da pessoa às doenças’. [HRV]: além de eliminar o

trecho, a autora anota na margem: ‘!’.

14 [1962, 1970]: ‘clínicas boas [good] e gratuitas’. [HRV]: a autora substitui good por worthy.

15 Na carta aos Editores: “Seção 1, par. 11, linha 8: But the good doctors have been known, etc. ELIMINE o the.

Deve ficar But doctors have been known – Vocês estão indicando todos os médicos. No mesmo período, ELIMINE a few [algumas]”. Apenas a primeira das duas alterações foi aceita; a segunda refere-se a “algumas instruções simples”, no final do período.

16 Backlands, entre aspas, termo que aparecerá várias vezes ao longo do livro; no português, ‘sertão’, lembrando

que Os sertões, de Euclides da Cunha, foi publicado nos Estados Unidos (em tradução de Samuel Putnam, 1957) como Rebellion in the backlands.

... e começa a se desenrolar uma nova folha verde.

últimas décadas. 18 A forte e, ao que parece, crescente vitalidade do Brasil brilha através das mais terríveis estatísticas de mortalidade. É como a bananeira, que cresce por toda parte no país. Corte-a deixando apenas um toco acima do chão, e em questão de horas surge 19 um novo broto e começam a se desenrolar novas folhas verdes.

Esta não é apenas uma figura de retórica. É um símbolo perfeito do Brasil e de seus contrastes, e do que vem acontecendo nele desde o descobrimento. O Brasil ...

... violentado, mas crescendo com vigor.

... choca e entristece não só ...

REALMENTE, a bananeira é um excelente símbolo para o país e para o que aconteceu e ainda está acontecendo nele. O Brasil impressionou todos os primeiros exploradores como um “paraíso natural”, um “jardim”, e em seus melhores momentos ainda nos dá essa impressão – um jardim abandonado, violentado e, até agora, em grande parte não cultivado, mas ainda assim crescendo com vigor. Grandes reservas foram desperdiçadas, mas outras ainda maiores estão lá, esperando. Excluindo a ocorrência de algum desastre mundial, a prosperidade material parece prestes a chegar. Mas é a má administração e o desperdício das riquezas humanas e materiais ao longo do tempo o que choca não só o estrangeiro, mas também o brasileiro sensível, educado. Para dar apenas um exemplo: por causa de estradas inadequadas, transporte insuficiente e falta de 20 refrigeração, cerca de 40 por cento 21 de todos os alimentos produzidos se estragam antes de chegarem aos grandes centros consumidores.

Taxas de natalidade e de mortalidade infantil explosivas, 22 grande riqueza e pobreza degradante – estes são os dois grandes paradoxos. Mas eles vêm acompanhados por muitos outros, menores, repetindo seu padrão, sobrepondo-se

18 [HRV]: a autora insere colchetes em ‘aumentou ... décadas’, certamente no intuito de conferir ou eliminar o

trecho; na margem: ‘?’.

19 [1962, 1970]: ‘em questão de dias surge’. Os editores parecem ter duvidado do surgimento tão rápido dos

brotos, como constava nos originais. [HRV]: a autora substitui ‘dias’ por ‘horas’.

20 [1962, 1970]: ‘insuficiente e uma falta generalizada de refrigeração’. [HRV]: a autora elimina a widespread. 21 [1970]: ‘30 por cento’.

... tocante, [predisposição para discutir] combinada ...

... brasileira e nos sucessivos governos: períodos ...

a eles e com eles interagindo: patriotismo apaixonado e tocante, 23 combinado com constante autocrítica e menos- prezo; luxo e inatividade (ou a admiração por ambos) combinados com explosões de energia; 24 extravagância e orgulho, com sobriedade e humildade. Os mesmos contrastes aparecem ao longo da história brasileira, períodos de desperdício e corrupção alternando com períodos de reforma, nos quais “se põe a casa em ordem”. 25

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... de uma região para outra [e parecem orgulhar-se disso].

O Brasil é muito grande e muito diversificado. Os brasileiros variam de maneira extraordinária de uma região para outra. 26 Um homem pode ser “carioca” (do Rio – supõe-

se que o nome derive de uma expressão indígena que significa “casa do homem branco”), “paulista” (de São Paulo), “mineiro” (do estado de Minas Gerais) ou “baiano” (do estado da Bahia), 27 e ele se orgulha das peculiaridades de sua região.

Mas isso não ocorre apenas na geografia, também em sua história o Brasil é variado. Homens de duas, três ou mais eras da história europeia vivem no Brasil, hoje. As cidades costeiras – de Belém, na foz do Amazonas, a Porto Alegre, no Sul – são habitadas por homens do século XX envolvidos com problemas do século XX: progredir no mundo e evoluir socialmente; como pagar escolas, médicos e roupas. Nas regiões vizinhas existe uma população rural ou semi-rural que leva uma vida defasada em pelo menos meio século, antiquada nos aspectos agrícola e social. E para as pessoas das vilas pesqueiras, para aqueles que vivem nas margens dos grandes rios, para os vaqueiros e mineiros – todos os habitantes do

23 [VAS]: a própria autora cortou a chip on the shoulder (predisposição para discutir); [1970]: elimina-se ‘e

tocante’ [and touching].

24 Na carta aos Editores: “Seção 1, último par., deve ser: ‘luxo e inatividade (ou a admiração por ambos)

combinados com ascetismo e explosões de energia;’ etc.”. No texto publicado continuou faltando ‘ascetismo’. [HRV]: na margem, asceticism.

25 Na carta aos Editores: “Última palavra da Seção 1 – Eu não escrevi housecleaning [limpeza da casa], e prefiro

a palavra original, qualquer que seja ela”. Em [VAS] constam duas opções, ambas cortadas: carefulness e in which it was carefully nurtured. Os editores mantiveram housecleaning.

26 [VAS]: a própria autora eliminou ‘e parecem orgulhar-se disso’. 27 [1970]: ‘(do estado da Bahia ou de sua capital, Salvador),’.

interior – o tempo parece ter estacionado no século XVII. Por fim, se alguém se aventura um pouco mais longe, entra no mundo atemporal e pré-histórico dos índios.

(Aqui, se você quiser, posso incluir um pouco de

informação acerca dos dias da semana, que vêm do período de [em branco]) *

MAS existe um fator que une todo o Brasil mais estreitamente que alguns países europeus cuja área não é maior que a de um estado brasileiro: sua língua. O Brasil é o maior país onde se fala a língua portuguesa. Seu português difere daquele falado em Portugal tanto quanto o inglês americano difere do inglês britânico. Mas por todo o Brasil a língua é uniforme num grau surpreendente, e os brasileiros não encontram dificuldade em compreender uns aos outros.

A história de

“Conceiçãozinha” ilustra que a tendência é de torná-la mais leve e mais suave com os diminutivos. Cria-se uma atmosfera de familiaridade, afeição, intimidade, que parece ser tipicamente brasileira. O mais próximo exemplo desse tipo de fala é o modo pelo qual os homens de meia-idade do Sul dos Estados Unidos referem-se aos seus “dads”. De fato, como vários escritores já observaram, muito da vida brasileira pode ser mais bem compreendido ou apreciado por norte-americanos

familiarizados com o extremo sul de seu próprio país. (QUADRO?)

É uma língua difícil e solene, e algumas de suas formas gramaticais provêm direto do latim da República Romana. Os brasileiros tendem ao descuido com a precisão gramatical, ao menos na fala, e ao abrandamento da língua com constantes diminutivos (Maria da 28 Conceição tornou-se Conceiçãozinha). De fato, os portugueses consideram o português brasileiro “efeminado” – charmoso quando as mulheres o falam, mas não uma língua para homens.

Não apenas o uso constante de diminutivos, mas também as formas de tratamento ajudam a criar uma atmosfera de familiaridade, afeição e intimidade. As formas de tratamento 29 brasileiras são quase tão complicadas quanto as russas, e costumam ser comparadas a elas, mas em geral as

* Nesta página e na seguinte, mais exemplos de recados da autora ao Editor.

28 [1962, 1970]: ‘(assim como Maria da Conceição’. [HRV]: a autora elimina ‘assim como’ [as].

[Apelidos e diminutivos são muito comuns. “Dona Baby”, “Dona Magu” (de Maria Augusta), “Doutor Carlinhos” (mesmo que ele tenha mais de 60 anos e pese mais de 100 quilos). Mais uma vez, esta é uma reminiscência de nosso próprio Sul, com seus “Miss Natties” e “Mr. Billies”.]

mulheres são chamadas de Dona, 30 seguido pelo prenome ou apelido, e os homens de Doutor, se tiverem formação universitária ou, se não 31 a tiverem, utiliza-se uma forma abrandada de Senhor, Seu, também seguida pelo prenome.

BRASILEIROS são muito rápidos, não só no aspecto emocional mas também no físico. Como os heróis de Homero, homens podem mostrar suas emoções sem cair em desonra. Seus admiráveis jogadores de futebol 32 abraçam e beijam uns aos outros quando fazem gols, e choram dramaticamente quando erram. Os brasileiros são rápidos também ao mostrar solidariedade. Uma das primeiras – e mais úteis – palavras que um estrangeiro aprende é coitado.

Coitado: isso pode aplicar-se

a qualquer um ou a qualquer coisa, sempre num tom de piedade e comiseração: Conceiçãozinha foi

automaticamente chamada de

“coitadinha”.

... “um acolhimento” – o pai de Conceiçãozinha deu um “abraço de urso” no chefe de polícia.

Parte do mesmo sentimentalismo da vida social aparece no uso do abraço. 33 Os brasileiros dão as mãos sempre, e os homens ao mesmo tempo se abraçam 34 com o braço livre. As mulheres também se abraçam e beijam rápido os dois lados do rosto: esquerda! direita! Quando acompanhado de um sentimento profundo o abraço torna-se um verdadeiro “acolhimento”. 35

... dá a mão a um negro pobre

e ... Um homem rico dá a mão a um pobre e o abraça, e

também lhe dá dinheiro, tenta arranjar um emprego para ele e

30 [1962, 1970]: ‘Dona’, ‘Doutor’ e ‘Seu’ em português, entre aspas.

31 [1962, 1970]: ‘formação universitária ou um grau suficiente de prosperidade [or a sufficient degree of

prosperity], ou, se não a tiverem, utiliza-se’.

32 Em português e inglês [soccer football]. 33 Em português e inglês [embrace].

34 [1962, 1970]: ‘se abraçam casualmente com o braço livre’. 35 Becomes a real embrace.

pagar as contas do médico de sua esposa, uma vez que cresceram juntos na mesma fazenda, fizeram juntos a primeira comunhão e talvez sejam até “irmãos de criação”, um sistema de adoção parcial que vem dos tempos da escravidão. Os empregados nas casas ainda são chamados de criados, um termo que em outra época significava terem crescido no seio

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