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Escritos sobre Composição em Geral

2.3 REVISÃO DE LITERATURA

2.3.2 Aspectos Conceituais Relativos à Textura

2.3.2.2 Perspectivas Normativas

2.3.2.2.5 Escritos sobre Composição em Geral

Esta porção da literatura engloba trabalhos acadêmicos (ou de teor similar) que tenham por fim a composição, mas que incluam textura como elemento fundamental para esse objetivo.

here is that transparency can be achieved through the consistent use of a relatively modest number of levels of texture at one time combined with the reappearance of sonic material. [...] In contrast, works in which new material is introduced fairly regularly, normally need to be listened to several times before such familiarity can be developed. Yet how many people will be offered or choose to take the chance to hear such works more than once, given the current state of the art?”

142 Em verdade, Landy apresenta diretrizes identificadas em mais de 100 obras eletroacústicas do passado, a fim

Incluem-se também obras que abordam a composição musical de uma maneira menos específica, mais abrangente. Em alguns casos, o estudo sistemático de textura suscita outras implicações teóricas sobre o assunto, mesmo que esse não seja o foco dos autores. Em geral, o objetivo na sistematização desse estudo reside no enriquecimento da consciência musical em textura para fins compositivos.

O primeiro nome a referirmos é o de Ligeti (1964), em seu artigo intitulado

Metamorphoses of Musical Form. Nele, o autor aborda forma musical e as novas tendências

pelas quais se passou a tratá-la em sua época — as quais Ligeti chama de metamorfoses. Após discutir questões de estilo, mudanças composicionais na música serial e propor prismas analíticos para esses fenômenos, Ligeti aponta para algumas possíveis tendências que estavam se fazendo emergir à época, considerando as limitações que compositores começavam a encontrar com a técnica serial. Dentre essas possibilidades, o autor menciona a existência de Estruturas e Texturas como categorias que delineariam a forma musical.

Com a palavra ‘estrutura’, pretendo me referir a um tipo diferente de material em que as partes separadas podem ser discernidas, uma construção que pode ser vista como um produto das inter-relações entre esses detalhes ou partes separados. A palavra ‘textura’, por outro lado, se refere a um complexo mais homogêneo, menos articulado, no qual os elementos constituintes dificilmente podem ser discernidos. A diferença entre as duas palavras pode ser assim caracterizada: uma estrutura pode ser analisada em termos de seus componentes; uma textura é melhor descrita em termos de suas características globais, estatísticas. (LIGETI, 1964, p. 14)143

A proposta terminológica de Ligeti aproxima bastante o termo textura à ideia de timbre, aproximação esta que se encontra com bastante frequência em outros autores, como é possível observar nesta dissertação. Embora suscinta, sua ideia de que a percepção de textura emerge quando não mais se pode discernir os elementos constituintes, possui alguns ecos em autores posteriores como Piston (1970), visto há pouco, e Mountain (1997), a ser vista mais adiante. Curiosamente, encontram-se também autores que empregam o termo em sentido totalmente oposto, como pudemos ver anteriormente nos dicionários de música, bem como em outros autores de que ainda iremos tratar, notavelmente Dubnov, Tishby e Cohen (1997).

Outro autor que trata de textura de maneira semelhante a Ligeti é Lachenmann (1970). Sua proposta consiste em organizar os sons em tipos, de acordo com algumas características. O

143 No original: “Whith the word ‘structure’ I intend to refer to a different kind of material in which the separate

parts can be discerned, a construction that can be regarded as the product of the inter-relationships between these separate parts or details. The word ‘texture’, on the other hand, refers to a more homogeneous, less articulated complex, in which the constituent elements can hardly be discerned. The difference between the two words can be characterized thus: A structure can be analysed in terms of its components; a texture is better described in terms of its global, statistical features.”

objetivo de Lachenmann com isso não é o de estabelecer uma terminologia fechada, mas de possibilitar uma visão mais organizada do material sonoro por parte do compositor, de forma a lhe permitir um acesso mais apropriado às novas obras musicais de então.

Ao todo, Lachenmann propõe cinco tipos para a organização do som: “Som-cadência – som-cor – som-flutuação – som-textura – som-estrutura.” (1970, p. 20)144 , dos quais nos interessam o som-textura e som-estrutura. Sobre o primeiro, Lachenmann coloca:

É característico ao som-textura que ele possa mudar constantemente em suas propriedades acústicas individuais [...] sem se repetir. [...] após certo período indeterminável, porque é individualmente diferente, ele não mais é percebido como um processo, mas como um estado arbitrariamente estensível. (1970, p. 14-15)145 A ideia de som-textura, aqui, assemelha-se à textura de Ligeti há pouco mencionada. Em ambas, a percepção dos componentes internos é preterida em relação ao todo sonoro resultante. Lachenmann esmiúça essa característica:

Deve-se enfatizar novamente que a a propriedade total de uma textura não é necessariamente idêntica às propriedades dos detalhes ali escutados, mas no sentido especial de que o grau de complexidade do caráter resultante geral são frequentemente aglomerados bastante estatísticos, e geralmente menor do que do que o das figuras internas que casualmente se misturam no interior da textura — assim como a massa é geralmente mais primitiva que seus componentes individuais. (1970, p. 17)146 Outro tipo de som interessante à nossa discussão é o som-estrutura, tipo análogo ao termo estrutura, como usado por Ligeti e visto há pouco. Para Lachenmann, os componentes internos do som-estrutura não são mais meros detalhes, pormenores que se confundem na percepção do todo, o que significa dizer que o som-estrutura:

tem sem próprio tempo, o qual é idêntico à duração de seu efeito, e não pode ser continuado indefinidamente como um timbre ou textura. Tão precisamente como sua propriedade se comunica, ele não pode ser experienciado como um estado contemplativo, mas apenas como um processo, e [...] em um que seja ambíguo, de varredura em múltiplas camadas. (LACHENMANN, 1970, p. 17-18)147

144 No original: “Kadenzklang – Farbklang – Fluktuationsklang – Texturklang – Strukturklang.”

145 No original: “Charakteristisch für den Texturklang ist, daß er sich in seinen akustischen Einzel-Eigenschaften

[...] dauernd ändern kann, ohne sich[...] zu wiederholen. [...] nach einer gewissen, unbestimmbaren, weil individuell verschiedenen, Eigenzeit nicht mehr als Prozeß, sondern als beliebig verlängerbarer Zustand erlebt.”

146 No original: “Betont sei noch einmal die Tatsache, daß die Gesamt-Eigenschaft einer Textur nirgends mehr

notwendig identisch ist mit den momentan darin zu hörenden Detail-Eigenschaften, allerdings in dem besonderen Sinn, daß der Komplexitätsgrad des resultierenden Gesamtcharakters, als oft eher statistisch zu bewertendes Resultat von Häufungen, meist geringer ist als derjenige der im Textur-Inneren eher beiläufig sich zusammenschließenden Gestalten — so wie eben die Masse meist primitiver ist als ihre einzelnen Komponenten.”

147 No original: “hat eine Eigenzeit, die mit seiner effektiven Dauer identisch ist. Man kann ihn nicht beliebig

fortsetzen wie eine Klangfarbe oder eine Textur. So präzis seine Eigen schaft sich mitteilt, sie läßt sich nicht erfahren als beschaulicher Zustand, sondern einzig als Prozeß, und zwar [...] in einem mehrschichtigen und

A relação entre textura e estrutura, em Ligeti (1966), com som-textura e som-estrutura, em Lachenmann (1970) é bastante próxima. De fato, as propostas desses dois autores para o entendimento de textura configuram uma importante corrente alemã de pensamento, com a qual se pode contrastar a corrente inglesa a partir de Parry (1911) e Dyson (1923a; 1923b; 1923c). Desenvoveremos essa discussão mais à frente em nosso trabalho, na seção de Perspectivas Críticas, quando abordarmos esses dois últimos autores.

Seguindo ao próximo autor, incluímos um artigo de Steve Reich (1988). Não se trata de uma pesquisa acadêmica, mas sua contribuição se concentra em colocações bastante pessoais acerca da textura em seus processos compositivos. O compositor esclarece essa abordagem de início ao leitor: “Eu irei falar desses tópicos sob um ponto de vista pessoal como eu mesmo lidei com eles.” (REICH, 1988, p. 272)148

Pelo caráter intimista de sua publicação, pouco se pode extrair para uma discussão conceitual sobre textura. Reich aponta para uma técnica, a que chama de phasing, de criação de texturas canônicas. Ela pode ser entendida como “um processo para compor cânones em uníssono onde o sujeito é curto e o intervalo rítmico entre o sujeito e suas respostas é variável.” (REICH, 1988, p. 272)149

Ainda, ao longo de seu texto, o autor faz outras colocações potencialmente interessantes acerca de textura, por exemplo, atribuindo-lhes características categóricas como pesada e leve (REICH, 1988, p. 274). Embora o autor não desenvolva seu pensamento, compreendemos, a partir da leitura geral do texto, que seu comentário se refere a uma forma de densidade mais espessa e mais fina, respectivamente, com a inclusão de fatores como espaçamento e disposição de notas no registro.

Em seguida, temos na dissertação de Lucas (1995) talvez o primeiro trabalho brasileiro dedicado ao estudo de textura musical, ainda que sob um viés compositivo. Nele, o autor realiza um levantamento bibliográfico sobre o conceito e busca organizar o conhecimento construído na área até então, baseando-se nos escritos dos autores por ele encontrados.

Lucas utiliza não apenas a definição de Berry (1987) para textura musical — a qual veremos na seção seguinte —, mas também boa parte do vocabulário então proposto pelo referido autor. Porém, em uma passagem específica de sua dissertação, Lucas esboça sutilmente uma definição própria para textura:

mehrdeutigen Abtast-Prozeß.”

148 No original: “I will speak on these topics from a personal viewpoint as I have dealt with them myself.” 149 No original: “a process for composing canons at the unison where the subject is short and the rhythmic interval

Seja qual for a obra com a qual nos deparemos, independente do estilo da época e dos procedimentos técnicos utilizados, um dos primeiros aspectos que salta aos olhos ao abordarmos uma partitura, é a sua textura. Esta diz respeito à natureza mesma dos materiais empregados e à maneira como são dispostos e relacionam-se entre si. (LUCAS, 1995, p. 10, grifos nossos)

A colocação grifada no trecho sugere que, segundo o entendimento do autor, a disposição dos materiais formadores da composição configura textura, primordialmente.

Além de reiterar constatações já colocadas por outros autores — como tipos texturais básicos e técnicas modernas de criação textural — Lucas considera que haja textura híbridas, isto é, “texturas que apresentam simultaneamente características de mais de uma dessas três formas de organização textural [monofonia, polifonia, homofonia].” (LUCAS, 1995, p. 73). Sua proposta não se diferencia muito das ideias de textura complexa de Piston (1969), ou de textura variada em Adler (2002). Contudo, Lucas considera que a heterofonia, por exemplo, seja uma “textura híbrida que apresenta aspectos polifônicos e homofônicos.” (LUCAS, 1995, p. 73).

Outro ponto de interesse na dissertação de Lucas está no relacionamento entre horizontalidade polifônica e verticalidade harmônico funcional. Para o autor, tal relação se configura como questão central no entendimento de textura. Isso viria “a relativizar a afirmação de Richard Delone [...] a respeito do ritmo, como elemento primordial na análise textural.” (LUCAS, 1995, p. 76).150 Ao fim do trabalho, Lucas tece considerações texturais e formais acerca de sua composição, Quasar, para quarteto de flautas.

Outro trabalho que se assemelha ao de Lucas (1995) é o de Schubert (1999), que também se propõe a estudar textura para fins compositivos. No caso em questão, a principal referência é também a de Berry (1987), cujos princípios analíticos basearam uma composição para orquestra de cordas, isto é:

Alguns conceitos foram especialmente úteis na avaliação final da análise, tais como as evidências de recessão textural em momentos cadenciais. Na peça “Aura” este recurso é amplamente usado, chegando a ser uma característica estrutural da peça a utilização de mudanças texturais para delimitar o início e o fim das seções. (SCHUBERT, 1999, p. 17)

Além da breve revisão de literatura, com enfoque em Berry, Schubert não traz grandes discussões conceituais ao estudo da textura musical. Destacamos aqui, porém, a preocupação crescente, por parte dos compositores, de compreender teoricamente textura a fim de atingir maior consciência de suas práticas compositivas.

Assim como Schubert (1999), podemos encontrar semelhantes estratégias de

planejamento textural para a composição em Alves (2002), que acrescenta um componente matemático ao planejamento das disposições texturais de suas peças para piano; Senna Neto (2007), em cuja tese se desenvolve um processo analítico para textura musical, bem como sua aplicação na composição; e Pontes (2014), autor que se utiliza matematicamente da teoria do caos para planejar a densidade textural de sua criação. Desses autores, destacamos Senna Neto (2007). Além de utilizar a definição de Berry (1987), é proposto também que textura seja entendida como “a percepção imaginária de um espaço sonoro, em constante mutação, formado pelas alturas envolvidas na trama e individuado por elementos diversos, tais como agógica, dinâmica e timbre.” (SENNA NETO, 2007, p. 2-3). O autor se destaca por sua grande preocupação em realizar um levantamento bibliográfico mais extenso, o que não apenas revela uma consciência de sua parte em situar conceitual e cronologicamente sua pesquisa, mas também contribui na árdua construção de um referencial bibliográfico para o estudo de textura musical.