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2.3 REVISÃO DE LITERATURA

2.3.2 Aspectos Conceituais Relativos à Textura

2.3.2.2 Perspectivas Normativas

2.3.2.2.1 Harmonia

Discussões acerca de textura musical não são muito frequentes em livros de harmonia, uma vez que o foco principal está quase sempre no agrupamento de alturas. Porém, em algumas obras, como Harmony de Piston (1976), podemos identificar pontos de interesse à nossa pesquisa. Embora o autor utilize a palavra textura com sentido vago em alguns momentos, há um pequeno trecho de seu livro dedicado ao que chama de “textura rítmica da música” (PISTON, 1976, p. 201)126. Piston não se estende muito no assunto, e não chega a esclarecer totalmente a ideia sugeria por sua nomenclatura. Em uma das passagens, o autor coloca que:

Em seu efeito total sobre o ouvinte, o ritmo da música deriva de duas fontes principais, melódica e harmônica. Nós omitimos desta discussão a fonte percussiva, [...] não porque não tenha sido significantemente empregada, mas porque seu papel habitual tem sido o de aumentar ou sublinhar ora os ritmos melódicos, ora os harmônicos. (PISTON, 1976, p. 201)127

E continua, ainda sobre textura rítmica:

As mudanças de fundamental [do acorde], que dão o padrão rítmico da harmonia, não são regulares em tempo, como um pulso regular, nem são de igual valor rítmico, além

126 No original: “Rhythmic Texture of Music”

127 No original: “In its total effect on the listener, the rhythm of music derives from two main sources, melodic

and harmonic. We omit from this discussion the percussive resource, [...] not because it has not been significantly employed, but because its habitual role has been to heighten or underline either melodic or harmonic rhythms.”

dos valores de tempo desiguais que eles possuem. Ambos esses aspectos de ritmo harmônico, frequência de mudança de fundamental e a qualidade dessa mudança devem receber atenção no estudo de harmonia como usada pelos compositores. (PISTON, 1976, p. 202)128

Piston provavelmente considera que a textura rítmica se dê pelo resultado dos diferentes ritmos presentes em melodia e acompanhamento, dando especial atenção ao movimento do baixo — que traz a fundamental do acorde. O autor certamente quer chamar a atenção a esse ponto, para que o ritmo resultante dessa combinação não tenha seu efeito negligenciado pelo compositor. Sua descrição se aproxima em muito do que se entende por ritmo harmônico (termos inclusive utilizados também pelo autor). Seria possível, com isso, compreender que Piston se vale da expressão textura rítmica como equivalente a ritmo harmônico. Interpretando a passagem de outra maneira, o autor pode estar considerando que a textura rítmica difere de ritmo harmônico em que aquela inclui não apenas a frequência com que acordes mudam, mas também a qualidade desta mudança, isto é, levando-se em consideração também os intervalos dos saltos do baixo e as relações entre os acordes da progressão.

Seguindo a uma abordagem mais tradicional para o estudo da harmonia, encontramos importantes colocações acerca de textura musical na obra Harmonic Practice in Tonal Music de Gauldin (1997). O autor traz, inicialmente, uma definição própria para o conceito de textura musical:

Se ouvirmos atentamente uma composição orquestral, notaremos relações entre uma variedade de elementos musicais. Tais elementos incluem não apenas combinações particulares de alturas e padrões rítmicos, mas também densidade, registro, âmbito, timbre, dinâmica e dobramentos. Essas relações, que se combinam para produzir o que chamamos de textura musical, podem ser comparadas a um tecido: sua linha, cor, propriedades táteis, densidade de tecido e interação de padrões. (GAULDIN, 1997, p. 50, grifos no original)129

Gauldin sugere alguns componentes como formadores da textura musical percebida pelo ouvinte. Ainda segundo o autor, da interação desses componentes e das partes por eles formadas, três tipos básicos de textura seriam possíveis: monofonia, homofonia e textura

128 No original: “The root changes, which give the rhythmic pattern of the harmony, are not regular in time, like a

regular pulse, nor are they of equal rhythmic value, quite apart from the unequal time values they possess. Both of these aspects of harmonic rhythm, frequency of change of root and the quality of that change, must receive attention in a study of harmony as used by composers.”

129 No original: “If we listen carefully to an orchestral composition, we will notice relationships between a variety

of musical elements. Such elements include not only particular combinations of pitches and rhythmic patterns but also density, register, range, timbre, dynamics, and doublings. These relationships, which combine to produce what we call musical texture, may be compared to a woven fabric: its thread, color, tactile properties, density of weave, and interplay of patterns.”

contrapontística. Ressaltemos aqui a colocação de Gauldin acerca de sua escolha por “contrapontística” em detrimento de “polifônica”: “Embora o termo polifônica seja frequentemente usado sinonimamente com contrapontística, ele literalmente significa qualquer música que apresente ‘muitas vozes’.” (GAULDIN, 1997, p. 53).130 Essa colocação é bastante curiosa, não apenas por ir de encontro a muitos autores131, mas também por colocar uma questão aparentemente óbvia, quando consideramos a composição da palavra polifonia.

Gauldin ainda propõe outras subdivisões para a textura, considerando, por exemplo, a existência de textura estrita e textura livre. Segundo o autor, “Algumas composições retêm um número específico de partes separadas, do início ao fim, no que é conhecido como textura estrita. [...] Outras composições apresentam uma textura livre, onde o número de partes varia.” (GAULDIN, 1997, p. 54, grifos no original)132.

Ainda no universo da harmonia, a obra Tonal Harmony de Kostka e Payne (2000), traz algumas breves reflexões acerca do papel da textura no século XX, bem como algumas de suas caraterísticas, na seguinte passagem:

Vimos o papel cada vez mais importante desempenhado pela textura na evolução do pensamento musical do século XX. Uma razão para isso reside na sua capacidade de fornecer meios convincentes de organização musical livres das convenções tradicionais de tonalidade e acorde. Mesmo no estilo textural relativamente conservador de Debussy, encontramos uma preponderância incomum de melodias angulares não acompanhadas; figuração independente de considerações funcionais; e sonoridades verticais usadas unicamente em consideração à cor. (KOSTKA; PAYNE, 2000, p. 557)133

Kostka e Payne trazem à tona questões referentes à organização do discurso musical e identificam a textura como uma então nova possibilidade para conduzir essa estruturação. Embora o manual de harmonia foque em perspectivas tonais da composição, os autores buscam introduzir o leitor ao universo compositivo do século XX. A textura é um dos elementos

130 No original: “Although the term polyphonic is often used synonymously with contrapuntal, it literally

describes any music that features ‘many voices’.”

131 Conforme observaremos ao longo desta revisão de literatura, nem todos os autores se posicionam quanto ao

par “textura polifônica” e “textura contrapontística”, utilizando-as indiscriminadamente. Entretanto, para que a colocação de Gauldin seja melhor interpretada no contexto maior da bibliografia, adiantaremos que, dentre os que optam por uma em detrimento da outra, todos preferem a polifonia, alegando que contraponto está mais próximo de técnica composicional do que de textura. Esses autores serão apresentados na seção de textos relativos à textura na tradição escrita.

132 No original: “Some compositions retain a specific number of separate voice parts throughout, in what is known

as strict texture. [...] Other compositions display a free-voiced texture, where the number of parts varies.”

133 No original: “We have seen the increasingly important role played by texture in the evolution of twentieth-

century musical thought. One reason for this lies in its capability to provide a convincing means of musical organization free from the traditional conventions of key and chord. Even in the relatively conservative textural style of Debussy we find an unusual preponderance of unaccompanied, angular melodies; figuration independent of functional considerations; and vertical sonorities used solely for the sake of color.”

utilizados para esse fim.