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As possibilidades metodológicas e teóricas da interface entre os estu-dos e a infraestrutura de CTS são muito interessantes, e existe uma produ-ção importante em etnografia das infraestruturas (Star; Ruhleder, 1996; Miguel, 2017). As formas de conhecimento científico e tecnológico con-temporâneo dependem das coordenações entre sistemas técnicos e infra-estruturas para acomodar e dar alcance global à geração de dados massivos

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em pesquisas de longo alcance temporal e espacial. A escala das pesquisas sobre mudanças climáticas e biotecnologias, por exemplo, é de tal ordem que a infraestrutura necessária para sua concretização condiciona os ar-ranjos sociotécnicos e suas formas de atuação. Nessas redes sociotécnicas, as infraestruturas estabelecem tal intensidade na geração e armazenamen-to de dados e no estudo do comportamenarmazenamen-to de sistemas reais através da computação, que a modelagem computacional se torna um componente integrador de equipes multi- e interdisciplinares.

Os experimentos e projetos de pesquisa dependentes de infraestru-turas tecnológicas são cada vez maiores e mais sofisticados. O conjunto massivo de dados e as modelagens levam à formulação de novas teorias e relações entre as equipes de cientistas. Consequentemente, gargalos es-truturais para a manutenção e gestão dessa infraestrutura tornam-se mais sensíveis, principalmente diante de modelos burocráticos. Ou seja, as in-fraestruturas incorporam sistemas técnicos, padrões de certificação, roti-nas normativas, comunidades de práticas e formas de vida no seu funcio-namento. Toda alteração nas propriedades constituidoras da organização de uma infraestrutura se manifesta na sua maneira de atuação, desejada ou não.

Para os ESCT, manter as infraestruturas relativamente em foco é im-portante, pois favorece a compreensão da fenomenologia de problemas complexos em diversas áreas do conhecimento e da propagação de grandes empreendimentos para a manutenção de sistemas econômicos e políticos (dimensão tecnopolítica das infraestruturas). A atenção aos elementos po-líticos das infraestruturas facilita, analiticamente, a conectividade entre questões básicas e emergentes, tais como mudanças climáticas, sistemas sustentáveis de produção a partir da sociobiodiversidade, gestão de recur-sos naturais e de riscos tecnológicos; urbanização acelerada, monoculti-vo e regulamentação das interações entre unidades de conservação, terras indígenas, populações tradicionais, comunidades quilombolas e controle de patrimônio genético e tradicional; interdependência entre sistemas de comunicação, logística, energia, educação e estrutura computacional e de informática descentralizados.

Para questões mais práticas e vinculadas a políticas públicas, os con-flitos e tensões sociais derivados de empreendimentos econômicos em

infraestrutura podem ser inevitáveis, principalmente pelo desamparo territorial legado às populações do entorno de obras,9 e pela falta de condicionantes e conectividade, no Brasil, de determinados “planos de desenvolvimento” com a dinâmica mais complexa de todo um conjunto de indústrias e serviços relacionados a novos conhecimentos. Se, por um lado, infraestruturas econômicas podem reproduzir padrões de desigual-dade e não garantir resultados que impulsionem uma onda de inovação e de adensamento tecnológico em setores diversificados da sociedade e nas cercanias desses projetos, por outro, a infraestrutura científica tem a capacidade de criar as condições de compreensão, em várias escalas, de entidades humanas e não humanas (biomas, vírus, clima), e da melhor maneira de favorecer o convívio e a capacidade de dar solução aos arran-jos políticos e institucionais baseados, no histórico caso brasileiro, em desigualdade e concentração de poder.

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9 Geração e transmissão de energia, exploração de minérios e petróleo e expansão agropecuária, esta focada geralmente em monoculturas, por exemplo.

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Os estudos CTS diante