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A Esfera da Gestão e da Prática: diferenças entre as esferas de atuação na gestão

Objetivos e a pesquisa empírica

V. 2 A caracterização da amostra.

2) A Esfera da Gestão e da Prática: diferenças entre as esferas de atuação na gestão

Aqui nos interessou saber se haviam diferenças entre os dois tipos de gestores estudados quanto às formas de visibilizar a violência (reconhecer e fazer ver), acolher e assistir/cuidar das mulheres em situação de violência. Também, interessou saber se havia utilização de protocolos, guias, linhas de cuidado, reconhecimento de rotas críticas, possibilidades de encaminhamento e partilha de planos de cuidado, além do olhar para a integralidade e a longitudinalidade do cuidado. A importância da rede na atenção às mulheres em situação de violência, as diferenças entre as esferas de atuação na gestão, as várias áreas do conhecimento, a integração entre os pontos de atenção na rede de saúde e os demais setores da gestão (outras secretarias, judiciário etc.). A falta de continuidade do cuidado nas políticas ofertadas às mulheres em situação de violência. O ver e o fazer ver, o acolher e o fazer acontecer

Já se estudou a dificuldade que existe em se completar o ciclo de visibilidade da violência e qual a sua repercussão no acolhimento e cuidado às mulheres em situação de violência (BATISTA, 2003). Para que se reconheça a violência contra a mulher como um problema de saúde e como algo tecnologicamente passível de intervenção é fundamental que essa se faça visível aos outros profissionais envolvidos (respeitados os sigilos necessários pela ética dos profissionais de saúde). A visibilidade

da violência foi a única questão que se diferenciou na amostra dos profissionais da Estratégia Saúde da Família em relação aos demais profissionais de saúde em pesquisa multicêntrica realizada no Brasil (SCHRAIBER et al.,2002). Entre esses havia um maior reconhecimento da questão, mas, ao não registrar em prontuário os episódios de violência relatados pelas mulheres atendidas e não relacioná-los a questões de saúde, não se completava o ciclo da visibilidade, de fazer ver. Isso dificulta o acolhimento e o cuidado ofertado para enfrentar a questão, ampliando dessa forma, a sensação de impotência entre os profissionais de saúde, corroborando com o que está descrito na literatura (SUGG e INUI, 1992; SCHRAIBER et al., 2003; SCHRAIBER et al., 2005). Ao analisar as entrevistas dos gestores aqui estudados, percebemos que a sensação de impotência se repete. A dificuldade de ao se deparar com situações de violência contra a mulher, reconhecê-la como problema de saúde, dar seguimento ao ciclo de acolher e cuidar e, ainda, o não reconhecimento dos direitos das mulheres como direitos humanos, limita a implantação das ofertas de cuidado nos espaços da gestão.

… Se não se sabe sobre o problema, não se resolve o problema… se a gente visibilizar, se o problema tá lá para resolver, temos que criar políticas para atender a violência… que a violência é um problema de saúde pública… e um obstáculo é a falta de conhecimento dos profissionais… (M.D./G2)

A maior dificuldade não é escutar, acolher… a gente escuta…, mas o problema é saber o que fazer, para onde encaminhar… (F.S./G2)

… Eu acho que os casos, eles chegam mais no espaço de assistência, o que chega pra gente no nível central são ou os casos muito difíceis ou… sei lá… as vias de influência… (T.L./G1)

… sim, aparecem muitos casos (de violência contra a mulher) na rotina de nosso serviço de saúde… (A.S.W./G2)

… Nessa UBS passam aproximadamente quinhentas pessoas por dia e nos últimos quatro anos que estou aqui, nós só notificamos um caso de violência contra a mulher… essas mulheres são encaminhadas para os CAPS e nós perdemos essas mulheres… (M.D./G2)

A falta de articulação entre os pontos de atenção na rede de saúde como entre as UBS, os hospitais, os centros de especialidade e os serviços de referência (como, por exemplo, o NASF e os CAPS), são apontados como uma das questões que

dificultam o atendimento e, por outro lado, quando isso acontece essa articulação torna-se uma fortaleza.

… Então, são vários atores que formam essa Rede. E nós trabalhamos, procuramos trabalhar muito em rede, porque isso nos fortalece, isso nos dá, muitas vezes, a resposta que eu sozinha não encontraria. Então nós temos… uma vez por mês nós participamos dos polos de saúde mental. Quem participa dos polos de saúde mental? São as UBS daqui da região e os profissionais dos dois CAPS, do CAPS infantil, do CAPS adultos e do CAPS álcool e drogas. (J.U./G2)

Não saber exatamente qual o papel de cada serviço da rede de atenção no atendimento integral às mulheres em situação de violência também aparece como questão importante. Isso faz com que muitas vezes os gestores, principalmente aqueles dos serviços menos complexos e os com menor grau de sensibilização e conhecimento do tema, articulado ao fato de realmente não saber o que fazer ou como lidar com a questão, distanciem a gestão de pensar a organização nos serviços para acolher essas mulheres e faz com que, muitas vezes, exista o desejo de não atender a violência, ali. Algumas vezes, as ONGs que estão presentes na região são vistas como “oásis” que podem substituir o papel de cuidado que deveria ser dos serviços de saúde.

O medo de retaliações tanto pessoais como aos próprios serviços, também aparece na voz dos gestores. A dificuldade de encaminhamento para outros setores da gestão como para as secretarias de assistência social e para os espaços do judiciário, também são apontados como grandes dificuldades para lidar com as questões da violência.

… Para ser muito franca, todo mundo acha difícil abordar o tema da violência… até nós profissionais temos dificuldade para lidar com isso… (M.D./G2)

Nós temos medo de represálias… ficamos sem saber como tratar a questão da violência… (M.D./G2)

Quando precisamos, encaminhamos para a casa Zizi, para o Pérola Byington, para o Hospital do Tatuapé ou para o Hospital do Jabaquara11…, mas

essas são coisas que normalmente as pessoas não conhecem… (T.R.Z./G2)

11. Trata-se respectivamente de uma ONG e três hospitais que atuam na violência contra a mulher e