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Capítulo 2: Crônica e literatura de viagem

2.1 Esfera pública, imprensa e opinião pública

A imprensa foi decisiva na formação dos costumes, do pensamento social e da consciência histórica oitocentista, sendo, portanto, um elemento ativo no processo histórico. Tal abordagem se assemelha à de Robert Darnton em seus estudos sobre o papel da tipografia no contexto da Revolução Francesa, no qual o historiador buscou entender a palavra impressa como um “ingrediente” do acontecimento, ou seja, como “força ativa na história” e não apenas como um registro do aconteceu durante a Revolução. Segundo Darnton, “para tomar o poder tem que tomar a palavra e difundi-la”, o que torna a tipografia “o principal instrumento na criação de uma nova cultura política”.4

A atividade impressa no Brasil, no decorrer do século XIX, esteve intimamente ligada ao campo político e seu desenvolvimento foi concomitante à criação de espaços de discussão política. Desse modo, os periódicos, produzidos em um contexto de liberdade de expressão, contribuíram para a formação da esfera pública. Entendemos a noção de esfera pública, a partir da formulação empreendida por Jürgen Habermas, apresentada inicialmente em Mudança estrutural da esfera

pública e revistada no livro Direito e democracia, à luz de questões características

das sociedades contemporâneas e das próprias críticas que o conceito recebeu de diferentes pesquisadores.5

4

DARNTON. Robert; ROCHE, Daniel (Orgs.). Revolução impressa: a imprensa na França de 1775 a 1880. São Paulo: Edusp, 1996, p.15-16.

5

O conceito de esfera pública habermasiano foi amplamente debatido entre cientistas políticos, filósofos e historiadores desde que foi lançada a primeira edição, em 1961, de Mudança estrutural

da esfera pública. Nesse sentido, ressaltamos o livro Habermas and the public sphere, organizado

por Vraing Calhoun, que reúne uma série de críticos que problematizaram os pressupostos habermasiano, tais como: Nancy Fraser, Peter Howendahl e Seyla Benhabib. Cf. CALHOUN, Craing (ed). Habermas and the public sphere. Cambridge: MIT Press, 1994. Recentemente, a tese de doutorado de Jorge Lubenow empreendeu uma “leitura reconstrutiva” do conceito de esfera

Primeiramente, Habermas aponta que a esfera pública é uma categoria histórica que se relaciona com o universo da burguesia, uma vez que, esta classe social formava um público letrado, num período em que o desenvolvimento da imprensa facilitou a difusão de ideias acerca de assuntos de interesse geral, inclusive debates em torno das ações do Governo. Trata-se, portanto, de um processo de publicização dos atos políticos institucionais, dando ao público informações sobre o andamento da vida política nacional, bem como, condições para que questionasse determinadas práticas de seus governantes. Desse modo, o surgimento de uma esfera pública representa o nascimento de um espaço de discussão a fim de se estabelecer certo consenso acerca das questões políticas que envolvem a cena pública. De acordo com Habermas:

A esfera pública burguesa pode ser entendida inicialmente como a esfera das pessoas privadas reunidas em um público; elas reivindicam esta esfera pública regulamentada pela autoridade, a fim de discutir com ela as leis gerais de troca na esfera fundamentalmente privada, mas publicamente relevante, [...].6

A esfera pública, portanto, compunha-se por pessoas que se reuniam para discutir questões privadas, mas que tinham relevância pública. Entre seus membros, há duas características que estabelece uma igualdade entre eles: eram proprietários e seres humanos.7

A identificação do público dos “proprietários” como o dos “seres humanos” pode ser efetuada especialmente porque, em regra, o status social das pessoas privadas burguesas conjuga de qualquer modo as características de propriedade e formação cultural. Mas, antes de mais nada, a ficção de uma esfera pública é facilitada por assumir funções efetivas no contexto da emancipação política da sociedade civil burguesa em relação à regulamentação mercantilista, sobretudo, em relação ao regime absolutista.8

pública, observando suas transformações ao longo da produção intelectual de Habermas. Para tanto, o pesquisador percorreu as principais obras do filósofo alemão, analisando as “reformulações do conteúdo, a ampliação da categoria e o alargamento da infraestrutura da esfera pública”, bem como, o “reposicionamento da esfera pública por um rearranjo interno num contexto teórico mais amplo da teoria da ação comunicativa e da reformulação da relação sistema-mundo da vida da teoria da sociedade”, tendo em vista, as críticas que a noção de esfera pública recebeu e as repostas que Habermas formulou a tais apontamentos acerca de sua teoria. Cf. LUBENOW, Jorge Adriano. A categoria da esfera pública em Jürgen Habermas. Tese de Doutorado: Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2007.

6

HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003a, p.42.

7

Ibidem, p. 74.

8

A igualdade entre os indivíduos nessa esfera pública reside na defesa de interesses em comuns, a saber, a defesa da propriedade privada e a ânsia por preservá-la. Entretanto, a atuação da burguesia nesta espera pública pressupõe uma “capacidade de racionalização pública”:

A arte do raciocínio público é aprendida pela vanguarda burguesa da classe média culta em contato com o “mundo elegante”, na sociedade aristocrática da corte que, é na verdade, à medida que o moderno aparelho do Estado se automizava em relação à esfera pessoal do monarca, separa-se, separava-se cada vez mais da corte, passando a constituir um contrapeso na cidade.9

A cidade, para Habermas, não é apenas um centro econômico, no qual a burguesia engendra seus negócios, mas também, “uma primeira esfera pública literária que encontra as suas instituições nos coffe-houses, nos salons e nas comunidades de comensais”10

. Desse modo, a cidade oferece espaços de sociabilidade que se tornam lugares propícios para o debate político, contribuindo para a formação de uma opinião pública baseada na racionalização, característica inerente ao ser humano. Atrelada à emergência de uma opinião pública, apresenta- -se a questão da publicidade, pois a propalação das ideias garante que os temas debatidos sejam submetidos a uma avaliação pública. A publicidade, portanto, “procurava submeter a pessoa ou a questão ao julgamento público e tornava as decisões políticas sujeitas à revisão perante a instância da opinião pública.”11

Em Direito e democracia, Habermas se refere à “esfera ou espaço público” como um “fenômeno social elementar”, que não pode ser “entendida como uma instituição, nem como uma organização”, tampouco como um sistema, pois se caracteriza por meio de “horizontes abertos, permeáveis e deslocáveis”.12

Sendo assim, nas palavras do filósofo:

A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos.13 9 HABERMAS, 2003a, p. 44. 10 Ibidem, p. 45. 11 Ibidem, p. 235. 12

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Vol II. 2º ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003b, p.92.

13

Habermas reitera que há uma ligação entre a esfera pública e espaços concretos, cuja presença de um público é inerente ao seu funcionamento. Em geral, os participantes de tais reuniões são designados, entre outros termos, como “foros”, “palcos”, “arenas”. Contudo, o autor observa que a esfera pública não se restringe à reunião efetiva de seus membros em um espaço concreto, isto porque, ela integra também:

[...] a presença virtual de leitores situados em lugares distantes, de ouvintes ou espectadores, o que é possível através da mídia, tanto mais clara se torna a abstração que acompanha a passagem da estrutura espacial das interações simples para a generalização da esfera pública.14

Problematizando as reflexões de Habermas, François-Xavier Guerra e Annick Lempérière procuraram entender a formação de espaço público na América, tendo em vista as peculiaridades dos processos políticos no continente que alcançou sua independência nas primeiras décadas do século XIX. Para os autores, somente a difusão da palavra impressa não explicaria as transformações políticas ocorridas no território americano, uma vez que, a difusão do Iluminismo e de novas formas de comunicação e sociabilidade apareceram tardiamente na América hispânica e na América portuguesa. Contudo, como assinala o pesquisador:

[...] las nuevas pautas culturales no bastaron para modificar profundamente las características del espacio público del Antiguo Régimen. La noción misma de absolutismo debe ser reexaminada analizando no sólo la distancia que media entre las prácticas políticas y el discurso de los gobernantes, sino incluso releyendo el discurso absolutista sin atribuir a sus autores propósitos y significaciones anacrónicas. Por lo tanto, es una cultura pública muy antigua la que afronta los procesos revolucionarios desde 1808. Inversamente, la revolución propicia de manera decisiva el auge de las formas modernas de sociabilidad y de formación de la opinión. Sin embargo, muchas de las ambigüedades que podemos percibir en el uso que hacen las élites, durante el periodo revolucionario, de conceptos como la “libertad de imprenta”, el “pueblo”, la “opinión pública”, o bien en la organización de ceremonias cívicas, proceden del arraigo todavía vigoroso de los antiguos modos de concebir los variados vínculos entre los miembros de la comunidad política.15

14

Ibidem, p.93.

15

GUERRA, François-Xavier. LEMPÉRIÈRE, Annick et al. Los espacios públicos en Iberoamérica. Ambigüedades y problemas. Siglos XVIII-XIX. Cidade do México: Fondo de Cultura económica, 1998, p. 13-14.

Desse modo, de acordo com Guerra, a transição entre do Antigo Regime para a Modernidade no território americano se deu num processo de amálgama entre práticas políticas antigas e novos pressupostos e reivindicações. No Brasil, a modernidade política foi se estabelecendo, paulatinamente, a partir do debate em torno de tais ideias entre a elite política brasileira. Contudo, Guerra ressalta que essas transformações políticas não extirparam práticas políticas e tradicionais da cena pública.16

François-Xavier Guerra e Annick Lempérière reconheceram a importância da obra Mudança estrutural da esfera pública para os estudos sobre a política moderna, no entanto, apontaram três pontos problemáticos no conceito de esfera pública exposto na obra em questão. Primeiro, o caráter teleológico da análise de Habermas, cuja interpretação histórica é marcada por uma visão histórica linear e progressiva, na qual, nas palavras de Guerra e Lempérière, “busca en el pasado premoderno todo lo que pudieran ser gérmenes, fuentes y orígenes de nuestra modernidad cultural y política”.17

O segundo ponto crítico está relacionado à analise circunscrita das formas modernas de comunicação das elites, que segundo os autores, exclui outros modos de circulação de informações, utilizadas há mais tempo, como os pasquins e os libelo e, mais populares, como a sátira. Desse modo, Guerra e Lempérière propõem uma gama plural de espaços e de esferas públicas, uma vez que a esfera pública é entendida como um espaço abstrato, os espaços públicos são concretos, logo:

La esfera pública se entiende como un espacio abstracto e inmaterial, aun cuando una historia cultural de nuevo cuño, [...], ha abordado ya sus aspectos más palpables: los impresos, su difusión y su recepción, las prácticas de lectura, etc. La mayor parte de los espacios públicos que encontramos aquí son muy concretos: la calle y la plaza, el Congreso y el palacio, el café y la imprenta. Y sobre todo la ciudad, lugar por excelencia de la política. El público es aquí, ante todo, el pueblo concreto con toda su diversidad. Los encuentros y las modalidades más intelectuales y etéreas de la comunicación y del intercambio de opiniones se producen en el espacio compartido de las relaciones personales, del vecindario, del parentesco y de la pertenencia a las mismas instituciones. El abstracto espacio público moderno es todavía uno más de los espacios —muy reducido en

16

Ibidem, p. 109-115.

17

muchos casos— en los que se congregan, comunican y actúan los hombres.18

Outra crítica direcionada ao arcabouço teórico habermasiano se refere à utilização do termo sociedade burguesa, François-Xavier Guerra e Annick Lempérière alertam para o uso inadequado de tal conceito, pois se limita a um enfoque estritamente sociológico das formas de publicidade, bem como, no contexto Ibero-americano é ainda mais problemático, pois a palavra burguesia não fazia parte do vocabulário político e ideológico americano até o ocaso do século XIX.19 Desse modo:

Se puede inferir de esto que las formas supuestamente “burguesas” de sociabilidad tampoco cuajan bien con la realidad iberoamericana. Y con eso aparece lo que para nosotros sería el punto más problemático: su encuesta se limita, esencialmente, a Francia, Inglaterra y Alemania; esta selección —que puede justificarse para el siglo xix— deja fuera del análisis una vasta y esencial área cultural del Antiguo Régimen: Italia y el mundo ibérico.20

A modernidade, de acordo com Guerra e Lempérière, difundiu novos padrões de comportamento e uma nova forma de ver a sociedade, calcados, sobretudo, na valorização do indivíduo, cuja penetração no mundo político foi latente. Desse modo, a política moderna esforçou-se para converter a diversidade dos atores sociais em uma “unidad de la opinión, del interés o de la voluntad generales”21

. Daí decorre a concepção unanimista de opinião pública, cujo caráter moderno é notório, na América hispânica em especial, “para evitar el riesgo de que la diversidad de opiniones conduzca a la guerra de partidos, se preconiza una solución sorprendente: la formación de un partido nacional.”22

O historiador Marco Morel, ao analisar o surgimento de uma modernidade política no Brasil, ressalta que o período entre 1820 e 1840 foi extremamente agitado e, portanto, propício para que tal processo se efetivasse. A partir dos estudos de Habermas acerca da esfera pública, Morel propôs três interpretações deste conceito, tendo em vista a realidade brasileira oitocentista: primeiro, salienta que a esfera pública não se confunde com o Estado; segundo, a esfera literária e

18

GUERRA; LEMPÉRIÈRE, 1998, p.10.

19

GUERRA; LEMPÉRIÈRE, loc. cit.

20

Ibidem, p.09-10.

21

GUERRA, François-Xavier. Modernidad e independencias. Ensayos sobre las revoluciones hispánicas. 3ª ed. 2ª reipression. México: FCE/MAPFRE, 2010, p.91.

22

cultural não está apartada da sociedade e é resultado “da expressão letrada ou oral dos agentes históricos diversificados”; e, por fim, trata-se, igualmente, de “espaços físicos ou locais onde se configuram estas cenas e esferas”.23

No caso brasileiro, o Rio de Janeiro teve papel de destaque para a formação de uma esfera pública no país, uma vez que, na condição de capital imperial, passou a reverberar propostas políticas para todo o território e discutir os princípios liberais e as experiências políticas advindas da América e da Europa. O autor expõe a gama de espaços públicos que a cidade contava, na qual as multidões se reuniam, quer seja para cerimônias oficiais ou para manifestações contra a corte. De acordo com Morel:

[...] as ruas da capital imperial eram o locus privilegiado de se fazer política, mesmo para os que não eram privilegiados sociais e não interferiam diretamente nas decisões do poder. A s ruas da Cidade- Corte era cena de poder, ponto essencial para a organização da nacionalidade que se elaborava. Ruas ocupadas numa mesma época de diferentes maneiras (celebrações dinásticas e religiosas, festejos diversos, “desordens” e revoltas, vozes, clamores, tentativas de manifestações cívicas), revelando assim a pluralidade de tempos num mesmo tempo histórico e apontando para as transformações dos espaços públicos em suas dimensões políticas.24

Essa modernidade política, para Morel, deflagrou alguns questionamentos no que tange à sua estruturação e dinâmica de funcionamento, no entanto, o autor destaca que alguns elementos foram cruciais para a emergência desse cenário, tais como: o aparecimento da figura do homem de letras, o estabelecimento da liberdade de imprensa, a multiplicação dos impressos e a formação de novos espaços públicos no decorrer das décadas de 1820.25

Cabe lembrar que o Brasil, durante o período colonial, esteve fora do circuito de produção de impressos, este isolamento deveu-se ao programa político- administrativo da Coroa, bem como à ausência de instituições de Ensino Superior na colônia. Foi a partir de 1808 que este panorama começou a ser modificado, porque a vinda da Família Real portuguesa para o Brasil marcou o início do processo de institucionalização da cultura escrita, com a criação da Impressa Régia, a fundação

23

MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos. Imprensa, atores políticos e sociabilidades na Cidade Imperial, 1820-1840. São Paulo: Hucitec, 2005, p 18.

24

Ibidem, p.166.

25

da Biblioteca Real (1813) e a abertura de escolas e universidades. A autorização da impressão no Brasil em 1808 foi fundamental para o progresso do ensino, bem como para o desenvolvimento das letras no país. Os testemunhos produzidos nesse período dão conta do impacto desta medida para a emancipação cultural da, então, colônia. Padre Perereca, por exemplo, relatou em tom eufórico:

O Brasil até ao feliz dia 13 de maio de 1808 não conhecia o que era tipografia: foi necessário que a brilhante face do Príncipe Regente Nosso Senhor, bem como o refulgente sol, viesse vivificar este país, [...], dissipando as trevas da ignorância, cujas negras, e medonhas nuvens cobriam todo o Brasil, e interceptavam as luzes da sabedoria.26

Hipólito da Costa, fundador do jornal Correio Brasiliense – que apesar de editado em Londres tinha ampla circulação no Rio de Janeiro – também comentou, em maio de 1808, o decreto joanino em seu periódico:

O mundo talvez se admirará com o que eu vá enunciar, como uma grande novidade, que se pretende estabelecer uma imprensa no Brasil; mas tal é o fato. Começou no século 19 e ainda os pobres brasilienses ainda não gozavam dos benefícios que a imprensa trouxe aos homens; [...] Tarde, desgraçadamente tarde, mas, enfim apareceram os tipos no Brasil.27

A imprensa foi crucial para a ampliação do saber no Rio de Janeiro e inconcebível seria pensar o desenvolvimento da cultura e da ciência de forma eficaz sem ela. Malgrado o país, antes mesmo da instalação dos prelos, possuir uma (pequena) elite instruída e familiarizada com a cultura escrita – impressa na Europa e introduzida nos trópicos muitas vezes por contrabando –, o seu alcance era pequeno e a interlocução entre os alfabetizados foi restrita. A presença da imprensa, nesse sentido, ampliou o gosto pelo saber e o acesso de um público-leitor mais amplo a este suporte. A inglesa Maria Graham esteve no Rio pela primeira vez em 1821, e observou o impacto do decreto de maio de 1808:

Ainda que a imprensa, naturalmente, não se pudesse gabar de muita liberdade, mesmo porque realmente sua liberdade por essa época não teria muita importância, foi isso o primeiro gosto pela leitura, que

26

SANTOS, Luiz G. dos. Memórias para servir à história do reino do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Editora Zélio Valverdes, 1943. p. 256-257.

27

se tornou, não somente um luxo, mas até uma necessidade em certos países e que aqui progride rápida e diariamente.28

Pelo que sugere o comentário de Graham, a criação da imprensa oficial no Brasil não significou livre circulação de ideias, já que o governo também criou meios de cerceá-la.29 Em 1821, um decreto estabeleceu a liberdade de imprensa e autorizou a instalação de novas tipografias, acabando com o monopólio real existente até então. Neste mesmo ano duas tipografias foram instaladas no Rio de Janeiro: a Nova Tipografia e a Tipografia de Moreira e Garcez. No ano seguinte, outras quatro foram montadas na cidade: a de Silva Porto e Cia., de Felizardo Joaquim da Silva Morais, a de Manuel Joaquim Silva Porto e a de Santos e Sousa. Todas se dedicaram à publicação de textos avulsos de cunho político e ao jornalismo noticiário.30

Em 1821, com o retorno de D. João VI para Portugal e as querelas que daí surgiram, rapidamente se multiplicaram os impressos no Rio de Janeiro, motivados, sobretudo, pelas reviravoltas políticas de Portugal que buscavam frear os avanços conquistados durante a administração joanina. Contrária aos rumos que as cortes de Lisboa pretendiam dar ao Brasil, o letrado carioca manifestou-se através de inúmeros panfletos e jornais contra aquilo que considerava um retrocesso ao estado colonial. A polêmica estendeu-se até a Independência, caracterizada pelo anonimato e pelo tom combativo. Ao longo desse período o número de impressos circulando pela corte multiplicou-se31 e as discussões em torno do que seria a nação brasileira ganharam corpo.

28

GRAHAM, Maria. Diário de uma viagem ao Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956,