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Espécies de coisa julgada inconstitucional

No documento Relativização da coisa julgada (páginas 41-46)

Antes de iniciar a análise dos “tipos de coisa julgada inconstitucional”, cumpre esclarecer qual a espécie de vício de que padece o referido instituto. A sentença inconstitucional seria um ato nulo ou um ato inexistente?

Antes de buscar a resposta para o questionamento proposto, é valido apresentar as lições de Reale (2009, p. 207) que esclarece o que seriam atos nulos e os atos inexistentes. Os atos nulos, na lição do autor, seriam “atos que carecem de validade formal ou vigência, por padecerem de um vício insanável que os compromete irremediavelmente, dada a preterição ou a violação de exigências que a lei declara essenciais”.

Por outro lado, o ato inexistente “carece de algum elemento constitutivo, permanecendo juridicamente embrionário, ainda em formação, devendo ser declarada a sua não-significação jurídica, se alguém o invocar como base de uma pretensão” (REALE, 2009, p. 207).

Sintetizando, tem-se que os atos inexistentes sequer chegam a existir no ordenamento jurídico por faltar algum elemento constitutivo, ao passo que os atos nulos possuem todos os requisitos para o ingresso no universo jurídico, todavia, padecem de algum vício insanável.

Feitos esses esclarecimentos, conclui-se que não cabe falar em inexistência da sentença inconstitucional, mas sim em nulidade da sentença. Castelo Branco (2009, p. 96), ressalta que, muito embora a nulidade por inconstitucionalidade muito se assemelhe com a inexistência, não se confundem.

Esclarece a autora que a sentença inexistente é aquela que foi proferida em processo no qual faltou algum dos pressupostos de existência, tais como: jurisdição, capacidade postulatória, petição inicial e citação. Por outro lado, a sentença inconstitucional é uma sentença nula, uma sentença invalida que gera efeitos jurídicos inválidos, mas que não

deixa de ser uma sentença existente, visto que foi proferida em um processo regular. Nesse mesmo sentido, dissertam Theodoro Jr. e Faria (2003, p. 92):

Uma decisão judicial que viole diretamente a Constituição, ao contrário do que sustentam alguns, não é inexistente. Não há na hipótese de inconstitucionalidade mera aparência de ato. Sendo desconforme à Constituição o ato existe se reúne condições mínimas de identificabilidade das características de um ato judicial, o que significa dizer, que seja prolatado por um juiz investido de jurisdição, observado aos requisitos formais e processuais mínimos. Não lhe faltando elementos materiais

Diante do exposto, conclui-se que, no ordenamento jurídico brasileiro, os atos inconstitucionais padecem do vício da nulidade. Partindo dessa premissa, analisar-se-ão, agora, as espécies de coisa julgada inconstitucional.

Otero (1993, p. 65), em sua obra “Ensaio julgado sobre o caso inconstitucional”, apresenta três tipos de sentenças inconstitucionais, quais sejam: decisão judicial direta e imediatamente violadora da Constituição; decisão judicial que aplica uma norma inconstitucional; e decisão judicial que não aplica uma norma constitucional, sob a alegação de inconstitucionalidade, sem que se verifique qualquer inconstitucionalidade da normal.

Castelo Branco (2009, p. 105), por sua vez, acrescenta à tipologia de Otero a sentença que dá à lei interpretação incompatível com a Constituição brasileira. Passa-se à análise de cada uma das hipóteses apresentadas.

4.3.1 Decisão judicial direta e imediatamente violadora da Constituição

Nesse caso, a sentença é inconstitucional, pois o seu comando ofende diretamente à Lei Maior. Para facilitar a visualização desse caso, Otero (1993, p. 66) fornece dois exemplos, quais sejam: 1) a sentença judicial que recusa o reconhecimento de um direito consagrado na Constituição através de uma norma de aplicabilidade imediata e 2) decisão de um tribunal administrativo que recuse a anulação de um ato administrativo violador do princípio constitucional da proporcionalidade, fundamentando a decisão com o argumento de que este princípio não tem acolhimento na Carta Magna.

Para visualizar a primeira situação apresentada pelo autor supracitado, Castelo Branco (2009, p. 110) dá o exemplo de uma sentença que negue ao autor da ação o direito de

receber informações de sue interesse particular, sob o argumento de que o disposto no art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal3 somente terá aplicabilidade após ser regulamentado.

Tal decisão dada como exemplo pela autora, sem dúvida alguma, ofende diretamente a Constituição, na medida em que, por expressa determinação do art. 5º, § 1º, da Constituição Federal4, as normas constantes do rol do art. 5º tem aplicabilidade imediata, portanto, uma sentença não poderia negar tal direito sob o fundamento de que lhe falta regulamentação.

Quanto à segunda situação apresentada por Otero, Castelo Branco (2009, p. 110- 111) esclarece que tal hipótese também se aplica entre nós, na medida em que, no sistema brasileiro, não há uma previsão expressa do princípio da proporcionalidade e tal princípio é sempre invocado com esteio no art. 5º, § 2º, segundo o qual “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Republica Federativa do Brasil seja parte”.

4.3.2 Decisão judicial aplicadora de normal inconstitucional

Seguindo a tipologia tríplice de Otero (1993, p. 69), a decisão judicial também pode ser inconstitucional porque aplica uma norma desconforme com a Constituição. Nesse caso, conforme esclarece Castelo Branco (2009, p. 105), o vício, que culmina o ato normativo cuja aplicação é prescrita no comando da sentença, a esta se estende, visto que a sentença seria, na verdade, um efeito da norma e, por conseguinte, norma inválida gera efeitos inválidos. Sendo assim, sentença estaria a determinar a prática da inconstitucionalidade, por meio da aplicação de um ato viciado.

Otero (1993, p. 70-71) destaca a hipótese de a sentença determinar a aplicação de uma norma que já fora declarada inconstitucional com força obrigatória geral. Sobre essa hipótese, Castelo Branco (2009, p. 106) levante o seguinte questionamento: “se a norma já havia sido retirada do sistema ao tempo da prolação da sentença que determinou sua aplicação, não seria inexistente a sentença, ao determinar a aplicação do inexistente?”.

Esclarece a autora que, quando a Suprema Corte declara inconstitucional uma determinada norma dentro do controle concentrado, está declarando nula a norma atacada,

3 Eis o teor do dispositivo: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse

particular, ou de interesse coletivo ou geral que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (BRASIL, 1988).

4 Assim dispõe do dispositivo: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação

portanto serão nulos todos os seus efeitos, passados, presentes e futuros. Sendo assim, a sentença que determina a sua aplicação seria também nula.

4.3.3 Decisão judicial que não aplica uma norma constitucional, sob a alegação de suposta inconstitucionalidade desta

A terceira e última hipótese elencada por Otero (1993, p. 72-73) corresponde à sentença que afasta a aplicação de uma norma com o fundamento de que a norma é inconstitucional, sem que verifique, todavia, qualquer inconstitucionalidade desta.

Para melhor compreensão da hipótese, o autor português apresenta duas situações que se encaixariam no tipo apresentado, quais sejam: 1) utilizar como fundamento para o afastamento da norma constitucional uma norma inconstitucional; e 2) optar por aplicar uma norma constitucional em substituição da norma que foi tida, equivocadamente, como inconstitucional.

Na primeira situação, como conclui o próprio autor, Otero (1993, p. 73), o que se tem, na verdade, é uma decisão judicial que aplica uma norma inconstitucional, ou seja, a situação se enquadra no tipo descrito anteriormente. Na segunda situação, existem duas normas válidas, tendo havido, na realidade, um erro do juiz quanto à subsunção do fato à segunda norma, pouco importando que a justificativa para afastar a aplicação da primeira norma tenha sido uma equivocada alegação de inconstitucionalidade deste.

Portanto, o autor supracitado acaba por excluir de sua tipologia a decisão judicial que não aplica uma norma constitucional, sob a alegação de suposta inconstitucionalidade desta, em suas palavras:

Em conclusão, a terceira situação tipificada de caso julgado inconstitucional carece de verdadeira autonomia, isto por uma de duas razões: (i) ou a recusa de aplicação de norma não inconstitucional conduz a uma decisão judicial que aplica uma norma inconstitucional, sendo esta hipótese subsumível na segunda situação tipificada; (ii) ou a recusa de aplicação da norma não inconstitucional conduz a uma decisão judicial aplicadora de uma outra norma legal não inconstitucional, sedo esta hipótese disciplinada pelo regime do caso julgado meramente ilegal. (OTERO, 1993, p. 74- 75)

Muito embora procedam as ponderações de Otero, vale destacar as observações de Castelo Branco (2009, p. 109) sobre o tema, veja-se:

Ousamos discordar do jurista português, pelo menos no que se refere ao sistema pátrio. Em nosso sistema, é, sim, mister do controle de constitucionalidade a

proteção de normas compatíveis com a Constituição. Não à toa, foram previstos instrumentos do controle difuso e concentrado de constitucionalidade tendentes à proteção dessas normas. Portanto, [...] a segunda hipótese, cremos, configura inconstitucionalidade, porque foi esse o tratamento que o constituinte de 1988 optou por dar à não aplicação de norma constitucional.

Procede a ponderação da autora, visto que, como ela mesma ressalta, o referido sistema de controle de constitucionalidade não visa tão somente à expulsão de normas incompatíveis com a Lei Maior, mas também à proteção das normas compatíveis com a Constituição.

4.3.4 Sentença que dá a lei interpretação incompatível com a Constituição Federal

Como se sabe os atos estatais gozam de presunção de constitucionalidade, de modo que, como salientam Mendes e Branco (2011, p. 1366), de acordo com a interpretação conforme à Constituição, na dúvida, o juiz deve reconhecer a constitucionalidade das leis e os Tribunais devem, por conseguinte, partir do princípio de que o legislador busca positivar uma norma constitucional.

Nesse diapasão, Castelo Branco (2009, p. 112) apresenta a hipótese de um órgão judicial que, ao julgar o caso concreto, determine a aplicação de determinada lei, conferindo-lhe, dentre as suas possíveis interpretações, uma que não seja compatível com a Constituição.

No sentir da autora, tal hipótese muito se assemelha à sentença que aplica a lei inconstitucional, visto que, se a única interpretação possível da lei fosse aquela que lhe fora conferida na sentença, a lei seria inconstitucional.

Portanto, devido à ampla aceitação na doutrina e na jurisprudência brasileira da interpretação conforme à Constituição, a sentença que dá a lei interpretação incompatível com a Constituição Federal se enquadra também como um tipo de coisa julgada inconstitucional.

4.3.5 Sentença que se torna inconstitucional por superveniência de emenda constitucional

Esclareça-se, desde já, que essa hipótese não figura como um dos tipos de coisa julgada inconstitucional, visto que a inconstitucionalidade da norma deve ser aferida de acordo com a ordem constitucional vigente ao tempo de sua edição. Mas, tendo em vista a relevância da hipótese, cumpre abordá-la.

Castelo Branco (2009, 112-113) esclarece que, em se tratando de lei, a superveniência de emenda constitucional que lhe seja contrária implica indubitavelmente sua revogação. Todavia, o mesmo raciocínio não se aplica às sentenças, visto que não é possível que uma emenda constitucional (lei abstrata) revogue ato judicial específico para o caso concreto. Demais disso, não cabe nenhuma interpretação do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal de 1988que aceite uma ofensa à coisa julgada formada de acordo com a ordem constitucional vigente à época da prolação da sentença por emenda constitucional posterior. Portanto, conclui a autora:

Sentença que determina aplicação de determinada norma à época compatível com a Constituição, ou que deixa de aplicar norma então inconstitucional, ou, ainda, que ofenda diretamente a Constituição Federal e vigor, não passa a ser inconstitucional com a superveniência de emenda constitucional que altere, acrescente ou suprima algum dispositivo constitucional. (CASTELO BRANCO, 2009)

Por outro lado, esclarece ainda a autora que o mesmo raciocínio vale para a sentença inconstitucional que não pode, por força de emenda constitucional, torna-se válida. Visto que, como já esclarecido em tópico precedente, a lei ou sentença inconstitucional é ato nulo, que padece do mais grave dos vícios, qual seja: a inconstitucional, o qual não sana nem mesmo com alteração da ordem constitucional, que opera efeitos ex nunc.

No documento Relativização da coisa julgada (páginas 41-46)

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