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Uma nova proposta: ação rescisória adaptada

No documento Relativização da coisa julgada (páginas 53-60)

Muito embora a doutrina venha discutindo há muito tempo a problemática da coisa julgada inconstitucional, bem como os mecanismos processuais para a sua relativização, percebe-se que o sistema processual brasileiro tem dado pouca importância para a temática. Prova disso é que não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, previsão expressa de um instituto próprio para o combate da coisa julga inconstitucional, exceto os embargos à

execução que ganharam um novo contorno após a reforma ocorrida pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001, devidamente abordada em tópico precedente.

Nesse contexto de vazio normativo, a doutrina e os tribunais vêm se utilizando de institutos próprios para o combate de outros vícios para solucionar o problema da coisa julgada inconstitucional.

Como ensina Canotilho (2012, p. 497), tal contexto de incerteza acaba por ofender o próprio princípio de acesso à justiça, nas palavras do autor:

Como conteúdo constitucional e internacional mínimo, exige-se que a proteção jurisdicional não fique aniquilada em virtude da inexistência de uma determinação judicial da via judicial adequada. [...] Se a determinação dos caminhos judiciais for de tal modo confusa (ex.: através de reenvios sucessivos de competências) que o particular se sinta tão desprotegido como se não houvesse via judiciária nenhuma, haverá violação do princípio do Estado de direito e do direito fundamental de acesso ao direito e à via judiciária.

Nesse diapasão, Câmara (2003, p. 201) expõe a sua preocupação com falta de um mecanismo próprio para o combate da coisa julgada inconstitucional:

O ordenamento jurídico vigente, como demonstrado, permite a relativização da coisa julgada por diversos mecanismos, entre os quais alguns que permitirão que uma decisão judicial inconstitucional proferida por um órgão superior seja desconsiderada por um órgão inferior. Isto pode gerar uma insegurança prejudicial à pacificação social que é, afinal de contas, o escopo maior da jurisdição. Por isso é que se deve buscar um aperfeiçoamento do sistema.

Para solucionar o problema, Castelo Branco (2009, p. 173) propõe uma espécie de “ação rescisória adaptada”. A autora, inicialmente, esclarece que a Medida Provisória nº 2.180-35/2001 não se ocupou da sentença inconstitucional na qual se decidiu pela improcedência do pedido, o que, a seu ver, demonstra a parcialidade da medida. Do mesmo modo, aquele que teve seu pleito rejeitado na ação ordinária, cuja sentença pretende atacar, não terá interesse em manejar a ação declaratória, visto que o vencido na primeira ação não alcançará nada além de uma declaração de nulidade da coisa julgada. Sendo assim, conclui a doutrinadora, que apenas a ação rescisória serviria ao intento de reverter a situação desfavorável do vencido, visto que a lei prevê expressamente a possibilidade de proferimento de um novo julgamento em sede de ação rescisória, o que tona a medida capaz de sanar, de forma eficiente, o vício da coisa julgada inconstitucional nesse caso.

A autora esclarece que sua proposta de “ação rescisória adaptada” não significa a criação de um novo meio processual, mas seria a mesma ação rescisória já prevista no ordenamento jurídico, com algumas alterações pontuais.

Inicialmente, a referida autora propõe que se inclua no inciso V, do art. 485, do CPC, a disposição “ou da Constituição”. De modo que o dispositivo passaria a prever que a sentença transitada em julgado pode ser rescindida quando violar literal disposição de lei “ou da Constituição”. No sentir da doutrinadora, tal providência afastaria qualquer dúvida quanto ao meio cabível de impugnação da sentença inconstitucional com trânsito em julgado (CASTELO BRANCO, 2009, p. 174).

Além disso, defende o afastamento do prazo decadencial bienal previsto no at. 495 do Código de Processo Civil, nos casos de violação à Constituição, visto que a inconstitucionalidade, por atentar contra toda a base do sistema, não pode ser tratada como os demais vícios. Demais disso, sugere que o art. 495 do CPC, ao afastar o prazo de dois anos para a propositura da ação, nos casos de ofensa à Constituição, deveria também prever que, após esse mesmo prazo, a ação somente poderia ser proposta se a sentença rescindenda contrariasse decisão definitiva do STF (CASTELO BRANCO, 2009, p 178- 179).

Diante do exposto, conclui-se que a proposta apresentada pela autora consiste, inicialmente, na previsão expressa de violação ao texto constitucional como hipótese de cabimento da ação rescisória. O fim do prazo bienal decadencial nos casos de sentença inconstitucional, a fim de que a constitucionalidade possa ser alegada a qualquer tempo. E, por fim, o pronunciamento definitivo do STF acerca da inconstitucionalidade para que se possa rescindir a decisão judicial.

Tais sugestões, se positivadas pelo legislador, trariam uma maior segurança ao jurisdicionado que fora prejudicado com um pronunciamento contrário à Constituição, visto que existiria um mecanismo hábil para reverter tal situação e garantir a conformidade dos atos estatais com a Lei Maior, apanágio do Estado Democrático de Direto.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo primordial da pesquisa foi fomentar o debate da polêmica questão da coisa julgada inconstitucional que vem, cada vez mais, ganhando espaço nas discussões doutrinárias, especialmente em razão da constitucionalização do processo.

A coisa julgada, conforme abordado no capítulo inaugural, como materialização da segurança jurídica, é indispensável para a própria afirmação do Estado de Direito, constituindo fator relevante para a pacificação social. A par da importância do instituto, o constituinte conferiu-lhe especial proteção e dispôs, no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal de 1988, que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Devido à importância do instituto, a res judicata foi vista durante muito tempo pela doutrina como um verdadeiro dogma, algo intocável e imune a qualquer discussão. Entretanto, no atual contexto do direito processual civil, conhecido como processo civil de resultados, a preocupação maior é a construção de resultados justos. Deste modo, institutos até então sacramentalizados, começaram a ser revistos, como foi o caso da coisa julgada.

Conforme discorrido ao longo do trabalho, a existência de decisões transitadas em julgado, que revelavam flagrantes contrariedades à Carta Magna, levaram a doutrina e a jurisprudência a repensarem a autoridade da res judicata nos casos de coisa julgada inconstitucional.

Com efeito, tem-se que o princípio da supremacia constitucional, fruto do movimento constitucionalista do século XVIII, significa que todos os atos estatais devem guardar conformidade com a Lei Maior. Sendo assim, todos os atos emanados pelo Poder Público, inclusive os atos jurisdicionais, devem encontrar seu fundamento de validade na Carta Maior, sob pena de estarem maculados pelo vício da inconstitucionalidade.

Nesse diapasão, discorre-se sobre a inconstitucionalidade dos atos jurisdicionais, com especial enfoque à sentença transitada em julgado inconstitucional e, conclui-se que a sentença inconstitucional padece do vício da nulidade e, assim como os demais atos emanados pelo poder público, ainda que já transitada em julgado, é passível de controle de constitucionalidade.

Desta feita, defende-se que o caráter absoluto da coisa julgada não mais condiz com o atual estágio de evolução do pensamento jurídico, no qual tem como diretriz fundamental a garantia do acesso à justiça, entendida neste trabalho como uma prestação jurisdicional que dê preferência aos valores justiça e efetividade sobre o valor segurança.

Assim, passou-se à fase final do presente estudo, qual seja a apresentação dos mecanismos processuais hábeis a relativizar a coisa julgada inconstitucional. Para tanto, detalhou-se os meios processuais atualmente aceitos pela doutrina e pela jurisprudência para o combate do vício da inconstitucionalidade nas sentenças transitas em julgado.

Ao realizar esse estudo, porém, observou-se que o atual sistema processual carece de um mecanismo específico de combate à coisa julgada inconstitucional, o que, de certa forma, representa uma insegurança jurídica para os jurisdicionados que se veem diante de uma decisão judicial que afronta a Lei Maior.

Nesse diapasão, apresentou-se, então, a proposta da doutrina moderna de uma ação rescisória adaptada, que consiste fundamentalmente no afastamento do prazo decadencial em caso de violação à Constituição, visto que o vício de inconstitucionalidade é insanável com o decurso do tempo.

Por fim, conclui-se que o tema da coisa julgada inconstitucional releva-se atual e relevante, merecendo especial atenção dos juristas pátrios. A tese aqui exposta não tem como pretensão eliminar o instituto da coisa julgada, tampouco enfraquecê-lo, visto que, como materialização da segurança jurídica, a res judicata desempenha relevante papel na busca da segurança nas relações jurídicas e, consequentemente, na busca pela pacificação social. O que se busca, na verdade, é a defesa do próprio Estado Democrático de Direito, entendida neste trabalho como a conformidade dos atos dos Poder Público com os preceitos esculpidos na Carta Magna, a fim de atender o anseio social de busca pela Justiça.

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