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Espírito de cruzada contra adversários comerciais

Génova, Pisa e Barcelona mostravam-se especialmente interessadas na aniquilação de Almeria, poderosa concorrente que actuava como uma cidade-estado de vocação marítima. No fundo, todas estas praças seguiam projectos muito semelhantes.

Em 1146, os genoveses tinham desferido diversos raids sobre Almeria e as Baleares. A motivação face ao relativo sucesso tê-los-á impulsionado para o projecto do ano seguinte. Al-Zuhri explica que os genoveses, grande povo de marinheiros, controlavam rotas comerciais entre o Médio Oriente e o al-Andaluz.213

Os pisanos, além de terem interesses nestas regiões, afluíam aos mercados do Egipto e do Magrebe. O geógrafo andaluz refere que os de Pisa eram os mais bravos na guerra e engenhosos no mar. Construíam poderosas máquinas de guerra e produziam fogo grego, que utilizavam na batalha naval. Fabricavam ainda excelentes armas, como cotas de malha, capacetes, espadas e lanças. Mas adverte: “São gente traidora, sinistra

e potente no mal”.214

A competição era, pois, cerrada. Quanto a Afonso VII, governava territórios sem acesso ao mar. Um porto como o de Almeria seria uma presa a não desperdiçar.

Pela leitura do Bayan, constatamos que a frota de Almeria afectava ainda os interesses comerciais dos normandos da Sicília. Se Rogério II não tivesse transferido a sua capacidade naval para Oriente, com o ataque ao império bizantino entre 1147 e 1148, quem sabe as galés sicilianas teriam feito parte da aliança cristã que conquistou Almeria. Nem sempre os laços familiares teriam peso nestas questões, mas Rogério era tio de Afonso VII (e Afonso Henriques), porque casado com Elvira de Castela, filha de Afonso VI.

A Crónica de Afonso o Imperador refere que foi uma delegação de genoveses, a quem Afonso VII atribuiu 30 mil maravedis para financiar a operação, a convencê-lo da

213 Al-Zuhri, Kitab al-Dja’rafiyya, Ed. M. Hadj-Sadok, parágrafo 201. 214 Idem, parágrafo 202.

campanha sobre Almeria. Em contrapartida, prometeram regressar com barcos, homens, armas, máquinas de guerra e provisões. Agosto era a data-limite para a chegada dos italianos.215 Afonso, pela sua parte, enviou o bispo de Astorga junto do conde de Barcelona e de Guilherme de Montpellier, para procurar convencê-los das vantagens da campanha na salvação das almas. O espírito cruzadístico, ao rubro (estava-se a preparar a II Cruzada), deu o enquadramento espiritual a uma operação que, na origem, tinha natureza sobretudo comercial.

No caminho para Almeria, as tropas de Leão e Castela tomaram Baeza e Úbeda, onde estabeleceram um centro de operações para cobrir a retirada. O imperador foi obrigado a conseguir pela força das armas aquilo que falhou em obter por via, digamos assim, diplomática. Enquanto suserano de Yahia b. Ghanya, pressionou-o para entregar estas cidades. Caso contrário, imporia um aumento de tributo.216 O almorávida conseguiu resistir. Só em meados de 1148, já sem saída face às investidas do imperador, optou por entregar Carmona e Córdova a Barraz, um elemento da sua tribo: os massufa. Provavelmente, a revolta de Ceuta, em que depositou tanta esperança para a recuperação da linhagem almorávida, também já teria sido anulada.

A Primeira Crónica Geral de Espanha dá conta da conquista de Baeza e Úbeda, mas valoriza sobretudo a primeira operação, cujo sucesso atribui à intercessão de Santo Isidro. Posto o cerco à cidade, chegaram muçulmanos de várias proveniências para acudir aos sitiados. Mas o santo apareceu em sonhos a Afonso VII e garantiu-lhe a vitória caso se mostrasse corajoso e esforçado. As hostes do imperador ganharam ânimo e, na batalha encarniçada, com muitas baixas de parte a parte, derrotaram os adversários. Os habitantes, ao verem que não podiam resistir, acabaram por render-se. Afonso VII guarneceu a cidade com militares e moradores cristãos e mandou erigir uma igreja a Santo Isidro.217

Já o Chronicon Mundi, da autoria de Lucas de Tui, escrito em pleno período almóada, explica que “Havia uma cidade muito nobre e rica entre os bárbaros, na

margem do Mediterrâneo, chamada Almeria, para o assédio da qual o imperador convocou os de Génova e Veneza para virem por mar enquanto ele tomava os outros castelos bárbaros”.218

215 Crónica de Afonso o Imperador, Trad. Glenn Edward Lipskey, Livro II, 202. 216 A. Bel, Les Bénou Ghanya, pp. 9-10.

217 Primera Crónica General de España, Vol. II, Ed. Ramón Menéndez Pidal, pp. 660-1. 218 Lucae Tudensis, Chronicon Mundi, Ed. Emma Falque, pp. 310-1.

Sob o calor do Verão, as tropas do imperador tiveram de superar a penosa travessia das regiões secas até aos contrafortes da Serra Nevada e as duras sinuosidades montanhosas, para só depois ganharem o vale do Andarax. Esperavam-nas 226 naves dos aliados catalães, pisanos e genoveses.219 O cerco à cidade, que seria a morada de 28 mil habitantes, terá começado a 1 de Agosto.

Os sitiados tentaram algumas manobras de contra-ataque. Como explica Caffaro di Rustico da Caschifellone (ou, simplesmente, Caffaro), escritor, diplomata e marinheiro genovês que tinha liderado os ataques a Almeria e às Baleares no ano anterior, os sarracenos saíram com um pequeno grupo de galés para darem combate à frota aliada. Também procuraram eliminar o perigo com escaramuças em terra. Mas todas as tentativas foram anuladas. A breve narrativa de Caffaro destaca sobretudo o papel dos genoveses na operação, muito embora os pisanos fossem, nas descrições de al-Zuhri, bastante mais abastados e militarmente poderosos. Dir-se-ia que, mais do que Génova, era Pisa a estar em pé de igualdade com Almeria. Os Anales Toledanos também atribuem aos “cristãos genoveses” a conquista da cidade. Nem sequer referem a intervenção de Afonso VII.220

Segundo Caffaro, os cristãos assestaram torres de assalto e máquinas de guerra contra as muralhas, que os muçulmanos tentaram destruir, dia e noite, com fogo, armas e engenhos. Explica que os genoveses conseguiram introduzir-se na cidade, capturar duas torres do castelo e destruir 18 passos da muralha.221

A 16 de Outubro, quando começou a cair a cerca de Lisboa e uma semana antes de a cidade reverter para o domínio de Afonso Henriques, Almeria sucumbia aos ataques do imperador e seus aliados. “Naquele dia, foram mortos 20 mil sarracenos e

uma parte da cidade foi derrubada”, o que terá provocado mais 10 mil baixas.

Outros 10 mil indivíduos, entre mulheres e crianças, viram-se reduzidos ao cativeiro.222 Descontando a habitual inflação dos números, as palavras de Caffaro mostram bem a dimensão do que se passou em Almeria. O Chronicon Mundi refere que o imperador católico tomou a cidade pelo fio da espada e deu os seus tesouros aos venezianos e genevoses e reservou os escravos para o conde de Barcelona. Embora a riqueza fosse,

219 Caffaro, De Captione Almerie et Tortuose, Ed. Antonio Ubieto Arteta, p. 27. 220 Anales Toledanos, Trad. Ambrosio Huici Miranda, p. 347.

221 Caffaro, De Captione Almerie et Tortuose, Ed. Antonio Ubieto Arteta, p. 27. 222 Idem, p. 28.

no dizer de Lucas de Tui, infinita, o imperador não reteve para si nada mais do que o necessário.223

Al-Idrisi, que escreveu sobre Almeria após a conquista, dá às suas palavras um tom de lamentação: “Os seus encantos desapareceram, os habitantes foram reduzidos à

escravidão, as casas e os edifícios públicos destruídos e já nada subsiste de tudo quanto tinha”.224

Abd al-Mumin, descendente de Maomé, califa por direito

Com a conquista de Marraquexe e a submissão do Gharb al-Andaluz, Abd al-Mumin ficou a um passo de consolidar o poder. Quase 30 anos de guerra e extrema violência sulcaram o caminho para o califado almóada. As campanhas em Ifrikiyya até 1160 permitiram recuperar para o Islão as praças conquistadas por Rogério II da Sicília.

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