• Nenhum resultado encontrado

As alterações nos sistemas de areias começaram a dificultar a acostagem dos barcos, pelo que a praça de Cacela, nas fontes muçulmanas referida quer como madina quer como hisn, foi perdendo importância face a Tavira. Na viragem para o século XIII, sofreu um primeiro abandono. Mas manteve relevância militar, tendo sido um dos últimos castelos a sucumbir aos cristãos. Na sua obra Uns Muhay wa Rawd al-Furay, al-Idrisi não deixa dúvidas sobre qual das povoações tinha mais importância: designa Cacela por castelo e Tavira como alcaria.162

Cacela definhava à medida que crescia o poderio naval de Tavira, que, no século XI, não passava de um pequeno porto e centro piscatório.163 Com a desagregação do califado, Tavira fez parte da taifa de Santa Maria e depois foi anexada pela Sevilha abádida. É interessante a referência que Ibn Idari faz no al-Bayan al-Mughrib à situação de independência da cidade entre 1151 e 1167.164 Os senhores do Gharb mantiveram-se autónomos do poder almóada até 1150, data em que Abd al-Mumin, com os territórios pacificados, os convocou a Salé para exigir uma homenagem inequívoca. As fontes dizem que Ibn Qasi foi o único a recusar.

No entanto, Tavira seguiu-lhe o exemplo. Ibn Idari refere que Abu Yaqub Yusuf, enquanto emir em Sevilha, ou seja, ainda no reinado do pai, Abd al-Mumin, por duas vezes pôs cerco à cidade, cujas gentes se dedicavam a saquear os bens dos muçulmanos. Ao analisarmos o al-Mann bil-Imama, de Ibn Sahib al-Salah, ficamos a saber que os tavirenses, chefiados por Abd Allah b. Ubayd Allah, eram exímios na pirataria, que praticavam em ambos os lados do Estreito de Gibraltar.165 Em 1167, as forças terrestres de Yusuf concentraram-se na fortaleza de Cacela e, a partir desta base, assediaram Tavira por terra, enquanto uma esquadra fez o bloqueio marítimo.

A supressão da rebeldia traz à superfície diversos pormenores interessantes. Em meados da década de 50 do século XII, os de Tavira mostravam-se muito activos na lide dos mares e perturbavam as rotas comerciais e costas mais próximas. Também podemos pensar que a importância da cidade tenha aumentado no contexto dos

162 Al-Idrisi, Trad. Jassim Abid Mizal, p. 83.

163 Helena Catarino, O Algarve Islâmico: Roteiro por Loulé, Silves e Tavira, pp. 30-2. 164 Ibn Idari, Nuevos Fragmentos, Trad. Ambrosio Huici Miranda, pp. 400-1.

movimentos independentistas do Gharb, potenciada pela progressiva debilitação das infraestruturas portuárias de Cacela. De contrário, Tavira teria sido descrita por al-Idrisi,166 que passou pela região poucos anos antes, ainda no período almorávida.

Talvez mais interessante, revela uma incapacidade almóada, durante mais de 20 anos sobre a queda do império almorávida, para controlar todas as dissidências. Os casos de Ibn Mardanis, de Múrcia, que se manteve no activo até 1172, data da sua morte, e dos Banu Ghanya, que continuaram a governar as Baleares até ao início do século XIII, provam-no claramente. Mas, mesmo no Gharb, depois do coercivo beija-mão a Abd al-Mumin, em 1150, persistiram resquícios da sedição iniciada por Ibn Qasi em 1144. O problema de Tavira, que só ficou resolvido à terceira tentativa, deve ter sido encarado como suficientemente grave para justificar uma frota e um vasto contingente militar. Em 1157, um exército almóada tinha esmagado todas as dissidências no Gharb, removendo, inclusive, Ibn Wazir dos seus territórios.167 A data marca o ocaso das chamadas segundas taifas. A independência de Tavira até 1167 adquire ainda mais relevância.

Autonomia semelhante foi tentada em Alcácer. O historiador Ibn Abd al-Malik al-Marrakushi, retomado por Abdallah Khawli, refere que, em 1158, os habitantes da cidade do Sado pediram ao então governador de Tavira, Ali b. Wahibi, para assumir a sua administração.168 A estratégia era simples: Ibn Wahibi tinha estabelecido um acordo com Afonso Henriques, pelo qual este não atacaria as suas possessões.169 De qualquer modo, o novo homem forte de Alcácer foi assassinado pouco antes da conquista pelos

166

O geógrafo dedica-lhe apenas uma breve referência, para dizer que dista 14 milhas de Cacela (Ed. António Ubieto Arteta, p. 168).

167 Foi destituído do governo de Beja e do Ocidente do al-Andaluz. Em 1172, a cidade foi surpreendida

pelos cristãos. Ibn Wazir passou, pouco depois, para a corte de Abd al-Mumin. Em 1174, as gentes de Beja pediram audiência ao califa, com vista à reconstrução da cidade destruída pelos cristãos. Abu Bakr b. Wazir, filho de Sidray, tornou-se seu novo governador. Em 1178, Ali b. Wazir, irmão do agora conselheiro almóada, controlava o castelo de Serpa (Colección de Crónicas Árabes de la Reconquista, Trad. Ambrosio Huici Miranda, pp. 11-12 e 17-23).

168

Em 1154, Ibn Wahibi atacou e ocupou Niebla, surpreendendo os habitantes de noite. A população não reagiu, pelo que o governador de Córdova e Sevilha, Yahia b. Yumur, contra-atacou. Ibn Wahibi fugiu e Ibn Yumur massacrou a população, pelo que acabou destituído por Abd al-Mumin (Ambrosio Huici,

Un Nuevo Manuscrito de “al-Bayan al-Mughrib”, al-Andalus, n.º 24, pp. 68-69).

169 Abdallah Khawli, Le Garb Andalus à l’Époque des Secondes Taifas, p. 31. O autor recolheu a

portugueses e o lugar ocupado por Muhammad, um filho de Sidray b. Wazir, o que nos leva a pensar que o golpe de mão pode ter sido perpetrado pelos Banu Wazir.

Documentos relacionados