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Espaço da passagem e do encontro: rua

No documento FATIMA APARECIDA DA SILVEIRA GRECO (páginas 103-107)

2. Espaços e Meios de Socialização

2.1. Lugares singulares

2.1.3. Espaço da passagem e do encontro: rua

Esse(a)s aluno(a)s jovens adolescentes urbano(a)s vivenciam o espaço da cidade. A cidade

é produzida a partir da articulação de áreas diferenciadas com temporalidades diferenciais que se produzem, fundamentalmente, da constituição de uma forma de apropriação para uso que envolve especificidades que dizem respeito à cultura, aos hábitos, costumes, etc., que produzem singularidades espaciais que criam lugares na cidade das quais a rua aparece como elemento importante de análise (CARLOS, 1996, p. 86).

Para o(a)s aluno(a)s jovens adolescentes a rua é considerada um lugar prazeroso, pois é na rua do bairro que jogam, brincam, namoram e se encontram, eles e elas. A rua do caminho da escola e a rua da própria escola no centro da cidade também são lembradas como lugar de ficar, de conviver com pessoas e objetos da cidade. É onde ocorrem as ações, onde se vislumbra a vida, dele(a)s e da cidade, onde vivem sem o poder de hierarquias e comando, sentem-se livres. É o ‘lugar de encontro’ com os amigos e com as amigas.

Esse sentido da rua, como espaço de entretenimento no tempo livre do(a)s jovens adolescentes, guarda um hábito e um costume próprio de alguns antigos bairros da cidade, que, como diz CARLOS (1996, p. 87), mantêm a rua como “idéia da construção dos caminhos que junto com a casa criam o quadro da vida”. E, dessa forma, a rua ainda tem o sentido singular do lugar de socialização no tempo livre, pois “se joga e aí se aprende no contato com o outro uma nova dimensão da vida - aquela que se constrói na prática social onde está posta a sociedade urbana em constituição: com seus símbolos e funções informativa e lúdica” (CARLOS, 1996, p. 91).

O(a)s jovens adolescentes, ao darem esse sentido à rua, o de um lugar de encontro deles e delas, onde buscam a socialização sem normatização, parecem estar expressando sua identificação com ela e resistindo às outras novas formas e funções das ruas e de outros objetos geográficos que a cidade vem assumindo na sua produção urbana.

Em bairros do centro antigo e mesmo nos bairros mais periféricos da cidade, as condições da paisagem sórdida das ruas à noite, sem segurança ou infra-estrutura, expulsam delas seus habitantes, que as vêem como um lugar de perigo. Durante o dia o lugar da rua como espaço de sociabilidade, do contado com o outro é, cada vez mais, apenas o lugar da circulação: de pessoas para o trabalho, transitando pelo comércio, do

comércio e dos veículos. No centro, o fluxo intenso afasta os jovens adolescentes das antigas tradições de brincadeiras, jogos, festas juninas, etc. Nos bairros, ele(a)s resistem e utilizam as ruas nos finais de semana, quando esses fluxos diminuem, possibilitando o encontro, as práticas e as vivências, ou seja, a ação.

Os novos bairros construídos na cidade são programados mais em função do acesso ao trabalho dos habitantes e, por isso, as ruas são vias de circulação rápida para automóveis e se tornam lugar menos das pessoas e mais dos carros em velocidade. Os novos bairros agrupam casas e vizinhos desconhecidos, sem história comum, diferente de alguns antigos bairros da cidade, dificultando as relações de sociabilidade entre os moradores, pois muitas vezes eles estão mais tempo no trabalho do que em casa. Suas novas ruas são um lugar com história a construir, mas já não contam com antigas tradições e interação entre os vizinhos pelos laços de amizade, das conversas na calçada, dos jogos entre as crianças e jovens.

Essas novas relações sociais no urbano mudam e, com elas,

A rua, a praça, o logradouro funcionam de modo diferente segundo as horas do dia, os dias da semana, as épocas do ano. Dentro da cidade e em razão da divisão territorial do trabalho, também há paisagens funcionalmente distintas. A sociedade urbana é una, mas se dá segundo formas-lugares diferentes. É o princípio da diferenciação funcional dos subespaços (SANTOS, 1997a, p. 69).

As ruas dos bairros da cidade estão cada vez mais se transformando de ‘lugar do estar’ em ‘lugar de passagem’: de pedestres, de veículos, policiais e bandidos, de trabalhadores desconhecidos; perdendo o sentido de ‘lugar de encontro’ e tornando-se um lugar de insegurança, de perigo, da velocidade, da circulação de mercadorias, de camelôs, de bares, etc. O lugar da rua como espaço da sociabilidade, das atividades que identificam hábitos e costumes ali vividos por ele(a)s se esvazia cada vez mais. Mas ele(a)s circulam pelas ruas, mapeiam a cidade nas suas idas e vindas da escola, no bairro e, nesse caso,

saber orientar-se numa cidade não significa muito. No entanto, perder-se numa cidade, como alguém se perde numa floresta, requer instrução. Nesse caso, o nome das ruas deve soar para aquele que se perde como estalar de graveto seco ao ser pisado, e as vielas do centro da cidade devem refletir as horas do dia tão nitidamente quanto um desfiladeiro (FERRARA, 1990, p. 8).

Os habitantes da cidade de Uberlândia, entre eles o(a)s jovens adolescentes, têm estado expostos a uma nova hierarquia de circulação espacial. Todos os habitantes podem circular por vias rápidas de casa para o trabalho e encontrar todas as suas necessidades de consumo material e não material em seus bairros. Essa estrutura espacial mantém os habitantes em seus próprios bairros, principalmente durante os dias da semana, pois as formas espaciais abrigam cada vez mais novas funções como o comércio, serviços de bancos que são oferecidos pelas casas lotéricas, postos de saúde, correio e lazer, entre outros serviços que estavam, antes, concentrados no centro antigo da cidade. Nos finais de semana, essas funções são assumidas por novos objetos urbanos em formas espaciais que articulam consumo, lazer e entretenimento, e atraem e concentram a população nesses novos outros espaços do urbano.

Essas mudanças se refletem nos objetos fixos da cidade, como as ruas, as casas, que são resultados do trabalho corporificado em objetos culturais. Não faz mal repetir: susceptível a mudanças irregulares ao longo do tempo, a paisagem é um conjunto de formas heterogêneas, de idades diferentes, de pedaços históricos representativos das diversas maneiras de produzir as coisas, de construir o espaço (SANTOS, 1997a, p. 68).

A socialização na rua vem sendo substituída por outros hábitos e meios e espaços de socialização. E, se o(a)s jovens adolescentes resistem na rua apenas pelo sentido do encontro, não achando mais nela as antigas tradições, ele(a)s também parecem adaptar-se às novas formas e funções da rua e a substituem por outros lugares, objetos geográficos, da cidade.

Entre suas preferências por outros espaços e meios de socialização estão: a televisão, a música e o ‘shopping-center’ da cidade. A televisão, como um meio de socialização, substitui as relações entre vizinhos e as relações entre as pessoas da própria família, criando outros comportamentos, hábitos de consumo e valores diversos e complexos.

Esses novos hábitos da cidade e do mundo moderno afastam seus moradores das relações inter-pessoais, preservando a individualidade e reforçando o privado. Com isso, no sentido de lugar de encontro da vida que tinha a rua, se esvai. Embora Uberlândia não seja metrópole, parece se ‘metropolizar’ e, nesse processo, a rua “deixa de ser extensão da casa

para se contrapor a ela”. A sociedade uberlandense vive a passagem da sociabilidade no espaço público da rua para outra relação entre as pessoas e as casas “ vivem trancadas com as pessoas dentro, diante da televisão, sem contatos com a vizinhança, pois cada vez mais a casa tem a função de preservar a individualidade reforçando o privado. Desse modo, o que era público, o que acontecia no ambiente da rua se fecha ‘intramuros” (CARLOS, 1996, p.87).

No cotidiano podemos ver, sentir, passar pelas ruas e perceber que elas têm assumido os aspectos semelhantes, de temporalidades e ritmos, aos de uma metrópole, pois

os lugares da cidade se delimitam, se fecham, se tornam exclusivos. De um lado produz-se um espaço onde se limita cada vez mais rupturas entre os lugares do trabalho, do lazer, da moradia, onde a estratificação socioespacial se revela nos acessos diferenciados funcionalmente. De outro, como a sociedade existe no uso, dado pelas divisões no espaço, as atividades tendem a se desenvolver, na metrópole, em ambientes fechados. (...). O que significa que se atenua a sociabilidade na metrópole com o aprofundamento da diferenciação entre o ‘público’ e o ‘privado’ (ibid., p. 87).

Podemos, então, dizer que a rua, ainda (sen)tida como lugar prazeroso do tempo livre pelo(a)s jovens adolescentes, tem representado um objeto de resistência: entre ser um lugar para o encontro dele(a)s, de jogos, brincadeiras e entretenimento no tempo livre e um lugar de encontro menos espontâneo e mais normatizado pelas novas formas e funções sociais que assume no espaço urbano dessa cidade. Ao mesmo tempo ele(a)s têm substituído as ruas pelas ‘ruas-passarelas’ do ‘shopping-center’, que representa um novo ponto de encontro, principalmente, para jovens adolescentes, oferecendo-lhes entre lazer e entretenimento outros jogos e brincadeiras de comando eletrônico.

Essas ruas mais normatizadas estão nos seus mapas de circulação, no bairro e no centro da cidade e são lugares que expõem as contradições da vida urbana, um “observatório privilegiado da diversidade: ponto estratégico para apreender o sentido das transformações”, que podem lhes oferecer possibilidades de compreensão e vislumbrar mudanças, no ‘seu mundo’ e na configuração do mundo atual, “para definir estratégias de controle e intervenção” (BRESCIANE, 1985, p.39).

No documento FATIMA APARECIDA DA SILVEIRA GRECO (páginas 103-107)