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O ESPAÇO ESCOLAR E A DEFINIÇÃO DE CRITÉRIOS DE QUALIDADE PARA O LIVRO DIDÁTICO E DE HISTÓRIA

3. O ESPAÇO ESCOLAR E A DISCIPLINARIZAÇÃO DE UMA PRÁTICA SOCIAL: A CONSTITUIÇÃO DE CRITÉRIOS DE QUALIDADE PARA O LIVRO DIDÁTICO

3.6 O ESPAÇO ESCOLAR E A DEFINIÇÃO DE CRITÉRIOS DE QUALIDADE PARA O LIVRO DIDÁTICO E DE HISTÓRIA

Mas quais características são atribuídas ao livro didático para que atenda a essas concepções de educação e sociedade apresentadas anteriormente?

Para responder esse questionamento analisou-se o que tem sido apontado como critério de qualidade ao livro didático, ou seja, elementos que dão um adjetivo positivo ou negativo a esse material.

É necessário, antes de partir para as características atribuídas a tal material, afirmar que tanto os Critérios de 1994 quanto as Definições de 2001, no que diz respeito às intervenções sobre o que deve ser a produção cultura, possuem a mesma estratégia de escrita, que se caracteriza pela existência de uma linguagem eufêmica, marcada pela utilização de formas negativas para se afirmar o que se espera do livro didático e de História. Em síntese, se diz o livro que não se quer, deixando subentendido o que se espera.

A escolha dessa tática pode estar associada à existência de uma resistência no que tange a intervenção do Estado sobre essa produção cultural. Novamente é possível voltar a Michel de Certeau para pensar os embates entre os agentes sociais que compõem o espaço escolar.

O uso de tais sentenças nos Critérios de 1994 e nas Recomendações de 2001 tem a função de constatação que as obras didáticas não fazem e a partir disso deixam implícito o que deveria ser o livro didático. Feitas essas observações pode-se adentrar as características estabelecidas a esse material.

Os Critérios de 1994 afirmam que o que foi considerado relevante na avaliação foi o aspecto físico da produção do livro, ou seja, o tipo de papel, impressão, encadernação etc., aspectos referentes à formulação metodológica, isto é, a forma que o conteúdo era organizado e abordado pelo livro; atualização e acerto de informações científicas – os livros não deveriam apresentar erros em relação às disciplinas acadêmicas de referência; ter todos esses elementos atrelados a um projeto gráfico que incorpore as diversas linguagens do que ele denomina de “era da imagem” (FAE/MEC, 1994, p. 11).

É possível perceber como existe uma tentativa de pensar a aproximação dos livros aos progressos científicos, tanto da área das ciências de referência como das da educação, pedagogia, psicologia da educação, psicolinguística, entre outras. Ao mesmo tempo, colocar esse material como concorrente com uma sociedade marcada pelo boom das imagens, que pode ser exemplificado por meio da televisão e sua propagação.

Visto dessa forma, é possível afirmar que o espaço escolar encontra-se em disputa com outros espaços de formação, como a televisão, internet, igreja, partidos políticos, família, dentre outros. Tal fato o leva a uma constante necessidade de se ressignificar para garantir a crença em sua legitimidade para a produção do conhecimento necessário a todo cidadão em situação de formação.

Indiretamente, os Critérios de 1994 ainda afirmam que o livro didático deve ser inteligente, competente, inserir-se no universo adotado, ser legível e hierarquizado. Tais características permitem inferir duas coisas. A primeira é o papel que foi dado ao livro didático. Ao afirmá-lo como competente e inteligente, o documento comete um ato de nominalismo, dando características humanas a um objeto, como se sozinho ele fosse capaz de realizar o ato de construção de um ensino de qualidade, criando um desfoque nos principais agentes do processo de ensino-aprendizagem: o professor e o aluno.

A segunda acaba por justificar a primeira, faz-se necessário lembrar que a maioria dos professores das escolas públicas não possuíam licenciatura referente à disciplina escolar que ministravam42, fazendo assim do livro didático a saída para a carência de formação, ao mesmo tempo em que reduziam os gastos públicos com ela. Esse fato se justifica na medida em que o manual do professor passa a ser apontado como necessário aos livros didáticos, rompendo com o modelo de livro do professor como um livro igual ao do aluno, porém, com exercícios resolvidos.

Apesar de tal documento ser o indicadordos critérios de avaliação que definiram o que deveria ser o livro didático, elencando critérios de qualidade, ele expressou essa ideia de forma mais concisa a partir do momento em que trabalhou com cada componente curricular, reservando muito pouco ao que deveria ser comum a todas as áreas de conhecimento. Isso

42 Essa informação se torna plausível na medida em que a exigência e compromisso da formação específica em

nível superior para os professores da educação básica se deu por meio da LDB (Lei 9.394/96) e que esta, até a nova redação, Lei 12.796, de 2013, permitia a formação mínima de Ensino Médio para atuação no Ensino Fundamental. Outro elemento que reforça essa afirmação são os dados apresentados no documento Estudo

exploratório sobre o professor brasileiro com base nos resultados do Censo Escolar da Educação Básica 2007

(2009b). Segundo o estudo, o número de professores com Ensino Superior, exercendo a função de docência em 2007, era de 61,7%, um pouco mais que a metade. É necessário também levar em conta que esses dados já incorporam o Ensino Médio como parte do Ensino Fundamental, sendo este o que mais possui professores com formação específica em Nível Superior, 87%.

decorre da própria natureza e forma de elaboração do documento, a partir dos materiais que já existiam no mercado, fazendo com que fossem consideradas as características que esse material já possuía e não as que se achavam necessárias.

Já o Recomendações de 2001 repetiu as características apresentadas no de 1994 com mais especificidade e propôs: adequação didático-pedagógica, tratando da necessidade de os livros didáticos assumirem uma concepção teórica educacional que perpassasse toda a obra e que fosse coerente com ela; qualidade gráfica e editorial, diz respeito a questões de impressão, e layout das obras; pertinência do manual do professor, existência de um manual do professor que trouxesse textos que estivessem para além do livro do aluno, assim como sugestões de leitura, entre outros; não induzir ao erro, uma vez que os livros podem não possuir erros, entretanto, sua elaboração pode levar os discentes a incorrerem naquele; não possuir erro conceitual, não expressar preconceito43, nem discriminação, questões últimas que são tratados nos Critérios de 1994 a partir de cada componente curricular e não em uma dimensão geral.

De forma indireta, as Definições de 2001 ainda apontam que os livros didáticos de forma geral devem sintetizar os conteúdos, ser um material de referência, diversificado, flexível à organização escolar, projeto político pedagógico, diversidade de interesses e expectativas sociais e regionais; levar em conta suas diferentes funções, possuir forma e suporte variado, desenvolver as capacidades cognitivas dos alunos, promover a abstração, generalização, percepção do significado do aprendido para o cotidiano; favorecer a manifestação do que o aluno já conhece; introduzir o conhecimento novo em relação ao conhecimento já possuído; inserir o conhecimento novo em relação a outros da área; estabelecer relação entre a aprendizagem e processos mais globais.

Os indicativos de qualidade propostos partem do mesmo princípio, abordam questões metodológicas, ou seja, atuam na valorização das potencialidades de trabalho com os conteúdos através de uma dimensão didático-pedagógica, que atuam em duas direções: a) a centralização do aluno como foco do processo de ensino-aprendizagem, novamente expressando uma ruptura em relação à hierarquia escolar constituída; b) e possibilidade da construção e um conhecimento que proporcione a interpretação da realidade em termos mais globais, garantida por meio de procedimentos de abstração e generalização.

43 Essas questões não são inéditas ao documento de 2001, elas também estavam no de 1994. Entretanto, no

É possível inferir assim que novamente uma demanda é posta ao espaço escolar. Já não se tratava apenas de lidar com outros espaços de formação e informação, era necessário lidar com a perda de valor que o conhecimento escolar acumulou ao longo de décadas. Levada às proporções máximas, tratava-se de superar a seguinte pergunta: por que aprender esse conhecimento se nunca o usarei ao longo da vida?

As Recomendações de 2001 apresentam duas saídas para a transformação do livro, a primeira é a tendência à pedagogização do livro didático, sem necessariamente levar em conta a dimensão didática de cada saber disciplinar (o que cada saber escolar pode ensinar potencialmente), isto é, tudo é resolvido pela reorganização do livro em sua relação com novos objetos e formas de ensinar. A segunda foi apontar na direção do aluno como chave de interesses e investir na possibilidade de utilização de tais conhecimentos como forma de intervenção em suas realidades, uma tentativa de restituir o valor dos conhecimentos escolares. É necessário apontar que as teorias da aprendizagem também se direcionavam nesse sentido.

Tais teorias também devem ser pensadas como produtos e produtoras do espaço escolar. É da necessidade de explicar os problemas que se empreendem nesse espaço que estas se desenvolvem. Teoria e prática fazem assim parte do mesmo constructo: a necessidade de interpretação da realidade concreta a fim de orientar as ações dos agentes sociais que se relacionam com essa espacialidade. Um verdadeiro conhecer para agir.

3.7 A HISTÓRIA E O ESPAÇO ESCOLAR: CONSTRUINDO O LIVRO DIDÁTICO DE

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