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Ao longo dos tempos, desde as primeiras sociedades pré-históricas até à actualidade, a Natureza, mas acima de tudo, a Terra, tem sido valorizada e até sacralizada, embora de modos diversos, relativamente ao conceito que existe actualmente. A Terra carrega, em si, uma carga simbólica que a conecta à fecundidade, à fertilidade, à criação e à regeneração, como verdadeira mulher e mãe também. Por isso, é-lhe atribuído um carácter doce, protector, mas firme e permanente. “É a Terra-

Mater ou a Tellus Mater bem conhecida das religiões mediterrânicas, que dá nascimento a todos os seres.” (Eliade, 2006:148). “ (…) os primeiros homens viveram um certo tempo no seio da sua mãe, isto é no fundo da Terra, nas suas entranhas”

(Eliade,2006: 149).

“Os espaços subterrâneos, onde os homens procuravam o contacto com o

transcendente e as forças da fertilidade, capazes de originarem e de manterem a vida, ou de reproduzirem a cultura, tornando-se verdadeiras grutas-santuário, continuaram longa tradição que remonta, pelo menos, ao Paleolítico Médio, quando ali se desenvolveram os primeiros enterramentos e outras práticas de carácter ritual.”

(Gomes, 2007:150).

“ As grutas, lugares escuros, silenciosos, em geral húmidos e correspondendo a

espaços limitados, contendo formações geológicas peculiares, foram consideradas, durante a Pré e a Proto-História, locais sagrados e de culto, capazes de conduzirem ao interior da terra, ao lugar de residência das forças da Natureza, onde existiam os mistérios do nascimento e da morte, da génese de deuses e heróis mas, também, da ligação com o transcendente e o conhecimento superior.” (Gomes, 2007:154)

No mundo actual, vários são ainda os mitos e simbologias que se encontram associados ao conceito de ‘Terra-Mãe’, não sendo, portanto, exclusivos das religiões da Pré-História. Entre as muitas designações atribuídas à Terra, encontram-se as que remontam à tradição indo-europeia: Urd, Erda, Ertha, Terra, Gaia, Hera, Deméter ou Europa, todas elas com o significado de ‘deusa’, mãe primordial e mitológica.

Actualmente, em várias partes do mundo, ainda se praticam ritos e se respeitam simbolismos que se encontram associados à Terra. Por outro lado, conceitos como o da água, das grutas e de todos os produtos tirados da terra são, de algum modo, considerados sagrados e com bastante carga simbólica. Neste contexto e mesmo pela sua forma física de envolvimento, de ninho e gestação, de refúgio e protecção, atribui- se, frequentemente, a uma caverna ou a uma gruta, simbologia universal de origem, de nascimento e até de iniciação, através de um renascimento. Por isso, como Vaz de Figueiredo (2010:1) afirma, as cavernas estão muitas vezes associadas, simbolicamente, ao útero, ao colo materno, à genitália feminina, ou, como Mário Varela Gomes (2007:154) diz: “Elas foram, por excelência, lugares de culto e espaços

de iniciação, com acesso restrito, onde se encenaram rituais de passagem, e mergulhava nas profundezas da terra ou até nas águas primordiais, quiçá mesmo no ventre da grande deusa-mãe, mas onde também se conheciam alguns dos segredos ali guardados, voltando-se ao exterior renascido e com novo estatuto.”

Ou seja, a gruta estaria associada à iniciação, enquanto zona de passagem para o mundo dos sonhos, das ideias ou da transcendência, “Elas foram, por excelência,

lugares de culto e espaços de iniciação, com acesso restrito, onde se encenaram rituais de passagem” (Gomes, 2007:154); “(...) a gruta é o palco onde a luz do dia trabalha as trevas subterrâneas” (Bachelard, 1990:156).

Mesmo na actualidade, as grutas são consideradas locais que transmitem a energia da terra e, por isso, são utilizadas como templos, em muitas religiões, como na cristã, onde a Virgem, inclusivamente, ali aparece. Na Turquia, existe uma lenda que situa o nascimento do primeiro homem e da primeira mulher, numa caverna. No Extremo Oriente, a caverna simboliza o Cosmos, sendo a sua abóbada o Céu e o seu solo a Terra.

Não será, portanto, desprovida de significado e lógica, a utilização de grutas/cavidades subterrâneas durante a Pré-Historia, como sítios de necropolização.

Constituem exemplo deste tipo de ocupação e utilização, as Grutas de Melides, mais precisamente a Gruta da Cerca do Zambujal e que, apesar das suas pequenas dimensões, terá tido grande simbolismo, para a comunidade que a utilizou como local

de enterramento e, por conseguinte, como local de passagem e renascimento dos indivíduos nela sepultados.

A carga simbólica que carrega foi-lhe conferida, portanto, não só por aquilo que é a sua configuração física de caverna - talvez equiparada com o útero - mas também pela conotação de local de passagem para um renascimento espiritual. Este aspecto seria materializado nos próprios ritos que nela se praticavam, enriquecidos pela sua proximidade à água (Ribeira de Melides), elemento purificador. A morte não seria encarada como o fim mas sim como a possibilidade de um recomeço. No entanto, “A

morte, enquanto rito de passagem implica em uma estrutura de sinalização. O rito, profano em sua aparência, abre-se para o sagrado. Na relação entre o caos (morte) e o equilíbrio (vida), os ritos funerários são possuidores da perturbação da morte, mas instauram uma nova ordem.” (Carvalho, 2001:1).

No entanto, a par de todo o simbolismo positivo, existe também conotação negativa que atribui às cavernas uma ligação com as trevas, com o desconhecido, com o mundo infernal, como sendo um espaço de conflito; lugar do sagrado, mas também do maligno, um lugar onde dia e noite coexistem.

Na Gruta da Cerca do Zambujal os mortos foram presumivelmente depositados encostados às suas paredes havendo um indivíduo que foi inumado à entrada, no exterior da cavidade.

Não foi possível identificar a forma das deposições e até se os corpos seriam ou não cobertos com terra, devido à falta de informação proporcionada pela intervenção arqueológica. Sabe-se, apenas, que o número de indivíduos encontrados foi de “pelo

menos 46” (Nogueira, 1927: 42) o que é um número superior ao dos encontrados na

Gruta do Lagar, que fica nas imediações. Pode, no entanto, perceber-se, através do espólio, bem como devido à existência de vestígios de ocre, nos esqueletos, que houve uma ritualização especifica dos mortos.

O outro aspecto importante, a que já aludimos, é a proximidade da gruta à ribeira de Melides. Esta ribeira corre a, aproximadamente, 200 metros, embora na época das chuvas transborde, alagando as duas margens e chegando ao sopé da encosta em que se localiza a cavidade subterrânea. Ou seja, em determinadas épocas,

mas ciclicamente, a ribeira passaria perto da gruta. Este aspecto tanto se pode relacionar com os recursos naturais proporcionados por aquele nicho ecológico, como em uma perspectiva simbólica, onde a escolha do sítio teria tido uma componente transcendente, ligada, não só à cavidade, como local de ligação com a Terra-Mãe e do retorno a ela, como com a água da ribeira que corre próximo, esta podendo ser entendida como símbolo do ponto de partida para o surgimento da vida. A água “É um

símbolo do Gênese, do nascimento, (…) Ela sempre nos reporta à origem (…)”(Dicionário de Símbolos, 2008 - 2012) . “J. Aparicio Pérez (1976, 1997) reconheceu a presença de depósitos votivos, dos séculos VI-II a.C., junto de zonas de queda, de passagem ou de retenção de água, numa trintena de grutas-santuário da Região Valenciana, de Castellón de la Plana” (Gomes e Calado, 2007:155)

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