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ESPAÇO LITEROLINGUÍSTICO EM DOM CASMURRO DE MACHADO DE ASSIS LITEROLINGUISTIC SPACE IN MACHADO DE ASSIS’S DOM CASMURRO

No documento Editorial do n. 50-A (páginas 95-109)

JORGE LEITE DE OLIVEIRA 1

1 Doutorando em Literatura do Programa de Pós-Graduação em Literatura da UnB. Membro do grupo TOPUS. Orientador: Prof. Dr. Sidney Barbosa. (e-mail: jojorgeleite@gmail.com)

RESUMO

Aborda, no espaço literolinguístico, aspectos estilísticos e literários do texto, na narrativa do romance machadiano Dom Casmurro. Identifica a presença, os significados ocultos e a importância das frases utilizadas pelo narrador no corpus estudado, além de aspectos relacionados ao dialogismo do autor. O objetivo é realizar um levantamento frasal, com análise dos aspectos propostos, que caracterizem o espaço teórico do sistema linguístico utilizado na literatura. Cita, ainda, em apoio a sua pesquisa, teóricos que discorrem sobre o “espaço das palavras”, como Foucault, Gama-Khalil, Borges Filho, Bakhtin, entre outros. Conclui que esse é um tema cujas análises dos seus diversos aspectos espaciais, cronotópicos e linguísticos podem ser mais aprofundadas pelos teóricos literários.

Palavras-chave: Estilística, Espaço literolinguístico, Figuras de linguagem, Análises.

ABSTRACT

The study investigates, in the litero-linguistic space, the narrative's stylistic and literary aspects of Machado de Assis's novel Dom Casmurro. It identifies the presence, the figurative meanings and the importance of phrases used by the storyteller within the observed corpus, as well as aspects related to the author's dialogism. The goal is to map Machado de Assis's phrasing, with an analysis of the proposed aspects, and their characterization within the theoretical space of the linguistic system used in literature. It also refers theorists that discourse about the "space of words", such as Foucault,

Gamma-Khalil, Borges Filho, Bakhtin, among others, to support the findings of the research. The study concludes that this is an issue whose analysis of its various spatial and linguistic aspects can be more extensively explored by literary theorists.

Keywords: Stylistic, Literolinguistic Space, Figures of

speech, Analysis.

Na análise espacial, diversos teóricos, como, por exemplo, Foucault e Bakhtin constatam a necessidade do estudo do espaço linguístico pela teoria literária. Tendo em vista a importância desse assunto, proponho a análise literolinguística de espaços textuais observados no corpus estudado (romance machadiano Dom Casmurro), com o propósito de identificar a presença das diversas figuras de linguagem utilizadas por Machado de Assis em seu trabalho do espaço linguístico concomitantemente à sua construção textual romanesca.

Chamou-nos a atenção para a necessidade de construção da interdisciplinaridade entre literatura e linguística, na análise da construção textual, as seguintes palavras de Borges Filho: “Não somente o linguista se debruça sobre o sistema linguístico [...]. No entanto, da mesma forma que a teoria literária não elegeu ainda o espaço como um dos temas principais de suas reflexões, a gramática e a linguística também não o fizeram” (BORGES FILHO, 2007, p. 111).

O objeto deste artigo será o dialogismo, bem como a estilística espacial e suas figuras de linguagem representativos das contradições e egocentrismo do protagonista Bento Santiago, o Dom Casmurro. No que se refere a essas figuras, anotarei seus aspectos simbólicos, satíricos e irônicos no dialogismo que estrutura a obra e sua relação com o espaço representativo do estado de espírito das personagens em seus enunciados.

De acordo com Bakhtin, tendo em vista sua eficácia, “[...] o diálogo é a forma clássica de comunicação discursiva. Cada réplica, por mais breve e fragmentária que seja, possui uma conclusibilidade específica ao exprimir certa posição do falante que suscita resposta” (BAKHTIN, 2003, p. 275). A essa interação entre interlocutores, sejam eles falantes ou escreventes, Bakhtin denomina de posição responsiva (loc. cit.). Nesse sentido, lembro que esse teórico russo (2003, p. 274) já nos advertia sobre a necessidade de atentarmos para o enunciado como a “real unidade da comunicação discursiva”.

A linguagem narrativa, em virtude da ocupação textual das palavras, com seu significante e significado, de acordo com Foucault (2000, p. 168), tem por base, na

interação comunicativa oral ou escrita, seus enunciados, que extrapolam as simples orações, pois exigem um posicionamento responsivo das pessoas do discurso. Desse modo, o espaço textual analisado representa o estado psicológico das personagens, em especial das protagonistas, em sua interação dialógica observada na narrativa romanesca.

Também será observada a utilização dos gradientes sensoriais presentes na análise espacial da linguagem utilizada nos trechos da narrativa selecionados, além da relação dos personagens no espaço e no tempo romanesco. Segundo Borges Filho (2007, p. 69), “Por gradientes sensoriais, entendem-se os sentidos humanos: visão, audição, olfato, tato, paladar. O ser humano se relaciona com o espaço circundante através de seus sentidos. Cada um deles estabelece uma relação de distância/proximidade com o espaço”. E, adiante (p.70), esse teórico explica que há, além da relação distância/aproximação diversas possibilidades de sentidos na criação literária textual. Observaremos, pois, a representação do estado psicológico da personagem nos enunciados selecionados, com base em sua posição responsiva.

Dom Casmurro (DC)1 é um romance que admite contraditórias hermenêuticas, tendo em vista seu aspecto heteroglóssico2 riquíssimo. Segundo Mikhail Bakhtin (1983, p. 293), as palavras que dizemos não são nossas; são frutos da interação de variadas perspectivas do indivíduo e da sociedade que representam a “estratificação e aleatoriedade da linguagem”. Consoante esse filósofo e teórico literário, até mesmo o modo de nossa expressão está carregado de estilos, contextos e variadas intenções que são assinaladas pelo tempo e pelo meio social em que estamos. Tudo o que nos rodeia, como a sociedade em que vivemos, o nosso âmbito profissional e as experiências adquiridas com a idade exercem influência em nosso dialogismo interativo, seja na comunicação oral ou escrita. Desse modo, proponho nesse artigo a análise literária complementada pela identificação estilística da obra Dom Casmurro do nosso melhor e mais completo escritor: Machado de Assis.

Narrado em primeira pessoa, Dom Casmurro será analisado como obra representativa, em seu dialogismo, como espaço do egocentrismo humano caracterizado por seu protagonista e narrador Bento Santiago, o Dom Casmurro. Já no seu capítulo inicial, este se refere a alguém do bairro seu conhecido “de vista e de chapéu”, o que significa que não lhe desfrutava de maiores intimidades. Entretanto, esse rapaz estava

1 Tendo em vista o grande número de edições e editoras que publicam as obras machadianas, optamos por citar apenas a sigla DC e o capítulo correspondente ao romance em análise.

2 Heteroglossia: heter(o)-: do grego heteros, a, on. El. comp. “outro”, “diferente” + gloss(ia): língua, linguagem (Dic. Aurélio da língua portuguesa). Para Bakhtin, heteroglossia é a multiplicidade de vozes que existe na interação verbal. O que falamos (enunciado) é a forma individual de explanar sobre o que já existe no meio social e época em que vivemos, influenciado por fatores como idade,

viajando com Bento Santiago, sentara-se-lhe próximo e manifestara o desejo de aprovação do interlocutor à produção de alguns versos que aquele compusera. Como é próprio de quem não se interessa muito por escritos alheios, embora alegasse cansaço, Santiago fechara os olhos algumas vezes, o que, para o rapaz, demonstrou pouco caso ao seu texto. O candidato a poeta aborreceu-se, então, e espalhou pela vizinhança o apelido com o qual se fez conhecido o narrador que também deu nome ao romance. Na explicação do apelido, que acabou “pegando”, ainda que o narrador alegasse não se importar, vem a justificativa do título Dom, que teria surgido por ironia, para lhe atribuir “fumos de fidalgo”.

Ocorre aqui o fenômeno espacial do distanciamento do narrador em função da importância a que se atribuía. Seu vizinho, embora tenha se sentado perto, buscando uma aproximação e até mesmo uma intimidade não existida, ao menos nas palavras do narrador “conhecido de vista e de chapéu”, não conseguiu sua simpatia, ainda que o futuro Dom Casmurro lhe tenha demonstrado um certo interesse. Linguisticamente, patenteia-se aqui a função fática, na qual o contato é rompido após um primeiro contato entre as personagens, seguido do afastamento de uma delas, segundo o conceito de funções da linguagem de Jakobson (1995, p. 126).

Tal posicionamento de afastamento, em relação à própria vizinhança, fica comprovado pelas palavras mesmas do narrador de que “Casmurro” tem o significado de “homem calado e metido consigo mesmo”. Tal fato contradiz, entretanto, sua informação sobre os “amigos da cidade”, que lhe não eram vizinhos, ou seja, ao contrário do rapaz do trem e da vizinhança, estavam afastados, mas desfrutavam de sua amizade e o consideravam boa companhia, pelo teor dos convites: “Dom Casmurro, domingo vou jantar com você.” — “Vou para Petrópolis, Dom Casmurro; a casa é a mesma da Renânia [...].” — “Meu caro Dom Casmurro, não cuide que o dispenso do teatro amanhã; venha e dormirá aqui na cidade [...]” (DC, cap. I).

Em Dom Casmurro, como posicionamentos responsivos encontramos três tropos3: 1º) Catacrese: “Voltei-me para ela; Capitu tinha os olhos no chão.” (DC, cap. XIV). A expressão "olhos no chão", representada pelo gradiente visual mirando o chão, significa "de cabeça baixa", pensativa ou envergonhada, mas também pode expressar o

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As figuras de palavras (ou tropos) são aquelas que se caracterizam pelo desvio da significação, considerada normal, das palavras. No corpus estudado, encontramos as seguintes figuras de palavras: a) catacrese: metáfora que já foi incorporada à nossa língua, de tal modo que consta dos dicionários em geral. Segundo Azeredo (2008, p. 487), a catacrese é semelhante às “expressões idiomáticas”; b) diáfora ou antanáclase: esses nomes que assustam, na realidade representam o chamado trocadilho no qual se emprega a mesma palavra com o sentido ambíguo, o chamado duplo sentido; c) metáfora: é a substituição de um termo por outro, devido a uma relação de semelhança entre ambos (associação semântica). Costuma ser uma comparação sem o uso da palavra como; d) metonímia: ocorre quando se transfere o significado de um termo para o outro, que não lhe equivale, mas que, na contiguidade das ideias, se lhe associa semanticamente.

desejo de apenas manifestar, sem palavras, pelo uso da função fática, a vontade de estar em contato com o vizinho que amava. A interação, na função fática proposta por Jakobson (1995, p. 126), é apenas a do contato interrompido ou prolongado, como posição responsiva, que não precisa ser físico e, sim, psicológico. No capítulo anterior o narrador faz uma descrição minuciosa de Capitu, que denota sua posição social inferior em relação à dele, embora este se mostrasse apaixonado:

[...] Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor; não cheiravam a sabões finos nem águas de toucador, mas com água do poço e sabão comum trazia-as sem mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos (DC, cap. XIII).

2º) Diáfora ou antanáclase: "[...] disse-me no dia seguinte que estava por tudo, que eu era a única renda e o único enfeite que jamais poria em si. Ao que eu repliquei que a minha esposa teria sempre as mais finas rendas deste mundo." (DC, cap. CI). Nas palavras de Capitu, "renda" tem um sentido mais restrito do que a mesma palavra dita por Bentinho, que desejava externar à amada o desejo de lhe proporcionar uma vida melhor financeiramente. “Renda”, para ela, significava exclusivamente o seu amor a Bentinho. Em sua atitude responsiva que completa o enunciado, segundo o conceito bakhtiniano, o jovem demonstra seu orgulho pela fortuna de sua família, que faz questão de lembrar à amada. Era como se lhe dissesse que, apesar da pobreza dela, ele podia, se quisesse, comprar-lhe as carícias.

3º) Metonímia: “José Dias dividia-se agora entre mim e minha mãe, alternando os jantares da Glória com os almoços de Mata-Cavalos (DC, cap. CIV). O bairro foi citado no lugar da pessoa que ali reside, ou seja, D. Glória, mãe de Bentinho (continente pelo conteúdo). Ocorre, nesse caso, uma aproximação do agregado que demonstra interesse solícito, tanto pela mãe quanto pelo filho. Essa proximidade ora de uma ora de outro, caracteriza a posição de subalternidade de José Dias, que, em busca da satisfação de suas necessidades de abrigo e alimentação, como era próprio dos agregados, estava sempre presente em um dos lares, buscando agradar aos seus “benfeitores”. Com isso, o sentimento de alta importância de Bento Santiago aumentava cada vez mais.

O dialogismo romanesco prossegue com a utilização de seis figuras de sintaxe, a serem analisadas em seguida à sua identificação textual. A primeira é o anacoluto4: “Sancha ergueu a cabeça e olhou para mim com tanto prazer que eu, graças às relações dela e Capitu, não se me daria beijá-la na testa” (DC, cap. CXVIII). Mais uma vez, a função fática está presente, no posicionamento responsivo das personagens que se caracteriza aqui por uma interação por meio do gradiente visual, que expressa predominantemente a vontade do narrador em manter um contato íntimo com a amiga de Capitu. Na análise do espaço textual, verifica-se a ocorrência, na frase, de uma fragmentação da sintaxe, em virtude do pronome “eu” ficar sem função sintática.

Outra figura é a anadiplose5: “Relendo o capítulo passado, acode-me uma ideia e um escrúpulo. O escrúpulo é justamente escrever a ideia.” (DC, cap. LXIV). Criativo caso dialógico entre autor (que escreve), narrador, personagem que, na representação do fenômeno de heteroglossia, manifesta-se também como autor e leitor da própria narrativa textual, assumindo o lugar do autor real do texto.

Em terceiro lugar, ocupa o espaço textual a epizeuxe6: “Examinando bem, não quisera ter ouvido um desengano que eu reputava certo, ainda que demorado. Capitu refletia, refletia, refletia...” (DC, cap. XLII). A repetição da palavra “refletia” passa ao leitor a ideia de uma reflexão profunda, sem fim, de Capitu em sua preocupação de livrar Bentinho da ida para o seminário. O gradiente da audição expressa descontentamento do narrador-protagonista. Mas o narrador, em sua paixão cerceada pelo desejo da mãe em fazê-lo padre, pensa em várias estratégias para se livrar dessa obrigação e ficar com a amada. Uma delas é a que o torna, mais tarde, arrependido: expressa à própria mãe o desejo de não ir para o seminário, mas ela se nega a atendê-lo. Nesse caso, cumprir a vontade da mãe e ir para o seminário seria estar próximo dela pelo sentimento de devoção cristã e distante da namorada pela não realização de seus almejos passionais. Porém, em seu egoísmo de “bom menino” que não quer contrariar a mãe, sem renunciar ao desejo de manter seu relacionamento amoroso, Bento Santiago pensa em outras estratégias. De uma delas já se arrependera, qual fora a de contar com a ajuda do agregado José Dias para tentar convencer dona Maria da Glória Fernandes Santiago, mãe do adolescente, a não o internar no seminário.

Não teve jeito, foi para lá, como consta no cap. LIII; mas Bento Santiago não renunciaria ao objeto de sua paixão: ter Capitu como esposa. Para isso, continuaria tramando outras soluções até conseguir realizar seu sonho. “Fui para o seminário. Poupa-me as outras despedidas.” O narrador se dirige, nessa frase, ao narratário, além

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Anacoluto: figura de construção (ou de sintaxe) que consiste em se interromper uma frase com a sua continuação por outra.

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Anadiplose: ocorre quando há a repetição de palavras ou sequências de palavras no fim e no início de dois versos ou duas frases.

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de refletir sobre os sentimentos de pesar de sua prima Justina, que suspirava e talvez “chorasse”. Já o tio Cosme tem outra forma de interagir com Bentinho: de modos irônico, pois sabia que este não tinha vocação para padre, diz-lhe para voltar “papa”. José Dias nada dizia, mas animara muito, na véspera, o “patrãozinho”. O desejo do agregado, entretanto, era viajar com Bentinho para a Europa, onde dizia que este poderia formar-se em direito. O jovem, porém, tinha outra intenção e fez-lhe ver que poderia cursar medicina “aqui mesmo” (DC, cap. LIII). Em seu egocentrismo, Bento Santiago só enxergava o que lhe fosse favorável às ambições pessoais. Os desejos de José Dias, percebidos por seu patrãozinho, não tinham o menor significado para este, se não lhe atendesse aos projetos pessoais.

Ao ser visitado, no seminário, pelo agregado, Bento diz o seguinte: “José Dias [...] contava-me tudo isso cheio de uma admiração lacrimosa.” (DC, cap. LXI). Temos nessa frase a figura da hipálage7. Quem estava lacrimoso era José Dias e não a admiração. Qual seria, contudo, a razão dessa “admiração”? As demonstrações de saudades de dona Glória, que o agregado, utilizando o narrador do gradiente da visão (olhos), “escreveu” neles a resposta que esperava de Bentinho e nisso foi atendido: “— Todos estão saudosos, disse-me este, mas a maior saudade está naturalmente no maior dos corações; e qual é ele? Perguntou escrevendo a resposta nos olhos. — Mamãe, acudi eu” (loc. cit.).

Podemos citar, ainda, na obra, a presença das duas últimas seguintes figuras de sintaxe que também representam as contradições do narrador protagonista. A primeira delas é a inversão8: “Um dia, há bastantes anos, lembrou-me produzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga rua de Mata-Cavalos.” (DC, cap. II). O romance explora a contradição dos sentimentos do ser humano, o protagonista, que passara mais de duas décadas sentindo e lutando pela posse de sua amada, por quem sentia uma paixão doentia. Conquistada a musa de seus devaneios, porém, o que deveria ser o coroamento de sua felicidade, o nascimento do filho Ezequiel, tornou-se a razão de seus tormentos, em especial após a morte do amigo de longa data, desde a época de seminário, que morrera afogado. O mar aqui é o divisor de águas simbólico na felicidade das duas famílias, a de Capitu, o filho Ezequiel e Bento Santiago e a de Sancha, Capituzinha, que recebera o nome da amiga, e Escobar.

Não seria sem razão que o agora Dom Casmurro, embora se dizendo um homem de vários amigos e diversas amantes, buscava “ligar as duas pontas de sua vida”. A consciência não o deixava em paz. Tanto é assim que, pensando escrever uma “história dos subúrbios”, que bem representaria as origens modestas da ex-exposa, acaba por narrar os acontecimentos mais marcantes de sua vida com ela, destruídos por

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seu exagerado egoísmo, casa que agora tentava reconstruir ao menos na construção semelhante à da Rua de Mata-Cavalos, mas, então, no Engenho Novo, o que já não seria a mesma coisa.

Por fim, temos a figura do pleonasmo9: “Toda a velha papelada saiu cá fora, e rimos juntos.” (DC, cap. LIV). Essa figura de sintaxe, quando não viciosa, como, por exemplo, nos casos em que se fala, na linguagem popular, “subir para cima”, “encarar de frente”, “ver com os próprios olhos”, “entrar para dentro”, etc., serve para reforçar uma ideia. Por vício, entretanto, refiro-me à utilização do pleonasmo sem um sentido estilístico e literário enriquecedor, como o utilizado na obra em análise. Nesse capítulo do romance, o narrador está se referindo ao próprio hábito de escrever, como uma “sarna’, que “quando pega aos cinquenta anos, não despega mais”. O aspecto cronológico é representado, nesse capítulo, junto com o do espaço, caracterizando o

cronotopo proposto por Bakhtin. O narrador lembra-se do seminário e de seus

acontecimentos e dialoga com o narratário do seguinte modo: “Não, senhor meu amigo; algum dia, sim, é possível que componha um abreviado do que ali vi e vivi, das pessoas que tratei, dos costumes, de todo o resto.” Em seguida, volta ao tempo presente e se refere ao seu hábito atual de escrever, na condição de cinquentenário.

Ghent e Leuven (In BEMONG, 2015, p. 12) dizem que foi demonstrado por Mikhail Bakhtin o modo de reconhecimento literário, pela análise cronotópica das transformações temporais e espaciais, refletindo em mudanças radicais, não somente nas atitudes da cultura, como também nas experiências vivenciadas pelas personagens. Além disso, afirmam esses teóricos que

[...] o conceito de cronotopo nos ajudou a entender mais profunda e completamente os conceitos de “dialogismo” e de “heteroglossia” ao conectar a comunicação literária com unidades imaginativas concretas e padrões de gênero. A literatura, portanto,

No documento Editorial do n. 50-A (páginas 95-109)