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2 CIDADANIA: LUTA POR DIREITOS E POR PARTICIPAÇÃO

6.2 Formação de intelectuais negros/as: a experiência dos membros do GTAAB

6.2.4 Espaço do trabalho: fazer e aprender com o outro e escrever a muitas mãos

A formação de assessor para assuntos da Comunidade Negra, de acordo com Azeviche, foi forjada pelas próprias pessoas que passaram a desempenhar essa função. Azeviche disse que as pessoas do GTAAB não tinham experiência anterior em assessoria e que todo quadro do Movimento Negro foi forjado pelo próprio movimento. Segundo ela, a sua formação de assessora foi sendo construída na prática. Com a prática, ela entendeu que assessorar “era buscar informações para ajudar lideranças, o Secretário” a concretizar as propostas do Movimento Negro. Ela acrescentou que essa formação demandou muito esforço porque os integrantes do GTAAB, bem como a maioria dos militantes do Movimento Negro que começava a desenvolver ações dentro do Estado, não entendiam nada de Estado.

O espaço físico de trabalho era uma das adversidades enfrentadas pelos/as integrantes do GTAAB. O Grupo, mesmo sendo ligado ao gabinete do

Educando-se no combate ao racismo e formando-se enquanto intelectuais...

secretário, foi instalado distante do prédio do gabinete dele. Isso dificultou o contato e a convivência com outros funcionários da Secretaria. Sobre isso, Anike disse:

quando eu cheguei, eu queria ir embora mesmo porque o nosso prédio, o espaço físico que foi dado pro Grupo não, não era dos melhores e ficava na Rêgo Freitas. Então, já havia uma distância física do gabinete, nós estávamos em um prédio na Rêgo Freitas; era um prédio que era da Secretaria de Educação, aqueles mil prédios que a Secretaria tem e nós fomos ficar lá, acho que, no sexto andar. Era um prédio feio; era um prédio velho; distante do gabinete que é uma pena porque lógico que você.... O encontrar é muito importante. Então, nós estávamos distantes do Secretario; nós ficamos distantes dessas Comissões; nós ficamos distantes dos departamentos da Secretaria que cuidam do dinheiro, por exemplo. Muitos de nós só em algum evento é que nos procurávamos. Mas muitos de nós, tirando a Azeviche que era coordenadora do Grupo, não conhecíamos o gabinete, o Secretário pessoalmente e tudo mais

(ANIKE).

Dulce também apontou o espaço físico de trabalho como uma das adversidades enfrentadas pelo GTAAB porque “botaram a gente numa sala, num muquifo lá na Rêgo Freitas. Então, a gente ficava meio isolado, assim, [tinha] pouca participação nas discussões... nas políticas públicas da Secretaria”. Isso dificultou muito o trabalho do Grupo.

Outra adversidade apontada por Dulce foi a dependência que havia com relação à vontade do secretário de Educação. Nesse caso, “enquanto havia uma preocupação política do Secretário de Educação com essa questão, até que a gente teve algum espaço... com a saída do Secretário, substituição, mudança de governo, aí realmente a coisa foi se esvaziando, a gente foi ficando isolado, até que o Grupo se desfez”.

Azeviche acrescentou a essas adversidades, apresentadas anteriormente, a falta de experiência com a administração pública. Naquele momento, quando se encontrava alguma pessoa negra “que tinha uma experiência na administração pública, essa pessoa não tinha experiência nenhuma em relações étnico-raciais e, quase sempre, dificultava porque era uma pessoa sempre muito legalista”. De acordo com Azeviche, o que essas pessoas tinham dificuldades de entender era que não havia espaço para as questões da Comunidade Negra no Estado e, por isso, o papel desses/as assessores/as era fundamental para abrir esses espaços.

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Diante dessas adversidades, os membros do GTAAB desenvolveram ações, premeditadas ou não, que possibilitassem a aproximação com as equipes técnicas e os demais funcionários da Secretaria de Educação.

Como organização interna do GTAAB, havia divisão de tarefas entre os seus membros. Quando eu perguntei para Anike sobre a participação deles/as em eventos para divulgar os trabalhos do Grupo e discutir estratégias de atuação, ela respondeu:

Realmente o grupo fazia mesmo tinha até uma divisão de tarefas. Por exemplo, havia uma divulgação em algumas..., não de uma forma tão organizada, eu, não fui a muitos lugares, não. Era uma divisão mesmo; eu ficava com as palestras no interior que eram bastante interessantes, que eram muito interessantes (ANIKE).

Essa divisão de tarefas promovida pelo GTAAB foi importante porque possibilitava o envolvimento de todos membros do Grupo, na medida em que cada um/a ficava responsável por organizar determinada atividade sem prejudicar um outro princípio do Grupo, que era o desenvolvimento de trabalhos em conjunto.

Escrever a muitas mãos

O trabalho em grupo, em conjunto, era um princípio e uma forma de aprender com o outro membro do Grupo.

Nós fizemos muitos textos juntos que é uma coisa muito difícil; você conseguir fazer um texto a tantas mãos; você imagina? Dava duas, quatro, seis, oito, com a Azeviche, era muita mão, mas eu acho que primeiro um exercício maravilhoso para nós, para isso. Isso que causou acho que o impacto também na escola. Quando ele chegava na escola porque, naturalmente, a escola um ano antes do centenário da abolição, ela não acreditava; era muito difícil que a escola... tem uma questão até da própria auto-estima da escola, da direção, ela quer [...] colocar que a escola dela está ótima; que a escola dela não tem isso (ANIKE).

Segundo Azeviche, todos os textos do GTAAB deveriam passar por alguém da CENP e isso gerava uma aflição muito grande. Ela acrescentou que a facilidade de Josué Bastos e Carlos para escrever ajudou muito na elaboração dos textos. Esse exercício de escrever em grupo foi importante porque ele possibilitou utilizar orações como: “a população negra foi escravizada pela classe dominante branca...” ao invés da “o negro foi escravo e o branco escravizou”.

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Sobre esse princípio de trabalho em grupo, Dulce disse que tudo era feito em dupla. Esse formato buscava, durante a elaboração de um texto, evitar equívocos que poderiam emergir por meio do discurso; assim, era possível aprimorar o discurso e dizer o que se pretendia da melhor forma possível que expressasse a postura do GTAAB sem que o texto fosse barrado pela CENP. Por isso, essa “experiência era sempre em dupla”.

Josué Bastos também assinalou que “o grupo ajudava na concepção dos papers” que eram elaborados para apresentações em palestras, congressos e outros eventos para os quais o GTAAB era convidado. Além dessa colaboração, ele sublinhou que também em conjunto havia uma avaliação de “como tinha sido a fala em tal lugar”.

Ainda sobre os textos escritos a muitas mãos, Anike diz:

nós escrevemos em todas as mãos, com quatro que é bem difícil quando nós escrevemos para revista para propostas da CENP; eram propostas de normas pedagógicas, um artigo enorme que era para aquele ano sempre dura dois anos por aí que chamou mesmo “Cor, Gen, Gente e Genética” que era para equipe de biologia para sair para toda a Rede e saiu mesmo porque era da CENP (ANIKE).

Como exemplos de trabalho escrito em conjunto, Anike cita as revistas da CENP e do projeto “Salve 13 de Maio?”. Sobre isso, ela diz:

E se você observar, talvez olhando “Salve 13 de Maio?”, dá para perceber, também por esse trabalho da CENP, que os nossos trabalhos foram muito escrito em conjunto e o que é, às vezes, muito difícil que você escreva junto com o outro, e para nós era muito importante isso; era um exercício, realmente, fundamental (ANIKE).

Ainda sobre essa questão do trabalho em conjunto, Josué Bastos destacou que a presença do Carlos no Grupo foi central e muito importante porque ele “tinha esse salutar hábito dos filósofos de sistematizar (pensamentos, leituras, etc.)”. Além de ser um intelectual de uma “erudição legal e tal, ele soube sistematizar uma série de coisas e transformar aquilo num embrião de um projeto pedagógico” (JOSUÉ BASTOS).

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