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fílmicas e narrativas dos receptores

Capítulo 3: Recepção e Mediações: situacional, midiática e geracional

3.1. Mediação situacional: cinema, lugar

3.1.1. Espaços de exibição e público

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A seleção e a classificação dos espaços, assim como as categorias que irão sinalizar a caracterização do público dividem-se em dois planos: de maneira resumida, enquanto a seleção dos espaços leva em consideração circuito alternativo e sistema multiplex, as categorias prévias que sinalizam o público estudado fundamentaram-se, basicamente, em hipóteses sobre classe social, num sentido amplo, e não, propriamente, no sentido marxista. E esses dois planos, além de se articularem entre si, esbarram na discussão sobre capital econômico, capital cultural (Bourdieu, 2011) e apropriação dos espaços na cidade de São Paulo.

Em outras palavras, a escolha dos cinemas, orientou-se pelas seguintes categorias: circuito alternativo e sistema multiplex – ou então, cinema mais legitimado (Augusta e Frei Caneca) e cinema mais comercial (Iguatemi e Marabá) –, e classe social/capital econômico – cinema mais elitizado (Iguatemi) e cinema mais popular (Marabá), considerando a localização desses espaços na cidade de São Paulo um indicador importante de capital econômico e cultural.

Para tornar possível a comparação entre um espaço do circuito alternativo e um espaço do sistema multiplex foram escolhidos o Espaço Itaú de Cinema Augusta e a rede Cinemark35, tendo em vista que o Espaço Itaú de cinema, antigo Espaço Unibanco, ainda é

uma empresa relativamente pequena – embora venha crescendo, seus números não se comparam com os da rede Cinemark. Com apenas três cinemas na cidade de São Paulo, o Espaço Itaú apresenta, pelo menos na unidade da Augusta e do Shopping Frei Caneca, uma programação menos voltada aos Blockbusters, com maior diversidade linguística, por conseguinte filmes das mais variadas nacionalidades e, usualmente, filmes independentes, experimentais e de arte, ou, então, com um conteúdo fílmico mais preocupado com a crítica do que com o entretenimento do público. A rede Cinemark é uma grande multinacional que, praticamente, domina o mercado exibidor brasileiro, com salas em dezenove shoppings

35 As escolhas também foram baseadas na dissertação de mestrado de Carlos Gonçalves (2001), que além de

realizar a pesquisa de campo no Espaço Unibanco Augusta e no Cinemark SP-Market, traz um mapeamento do mercado exibidor de São Paulo, ou então, dos espaços de exibição e das empresas que fazem parte do circuito alternativo e do sistema multiplex. Contudo, essa categorização dos espaços também se dá em complementariedade com a observação participante.

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centers na cidade de São Paulo e “542 salas em 69 complexos distribuídos em 35 cidades brasileiras” (Cinemark, 2014).

Já para estabelecer a diferenciação dos públicos quanto ao capital econômico – sem desconsiderar que, de maneira geral, o público de cinema ainda é composto predominantemente pelas classes média e alta e por estudantes e professores – foram selecionados os cinemas Playarte Marabá, localizado na Avenida Ipiranga (Centro de São Paulo), e Cinemark Shopping Iguatemi, localizado na Avenida Brigadeiro Faria Lima (Jardins). É possível perceber certa diferença, mediante a observação participante, entre as pessoas que frequentam o Playarte Marabá e as que frequentam o Shopping Iguatemi. Enquanto se verifica o acesso das camadas populares ao Playarte Marabá, o Shopping Iguatemi é reconhecidamente frequentado pelas classes mais altas, tendo em vista que se localiza em uma avenida financeiramente rica de um bairro em que o padrão de vida é alto.

O Playarte Marabá parece romper com as referências usuais sobre o mercado exibidor, ou, então, é justamente um exemplo da incipiente diversificação do mercado comentada no primeiro capítulo. É uma espécie de resistência ao sistema multiplex, tendo em vista ser um dos poucos cinemas tradicionais da cidade de São Paulo que não se transformou em outro tipo de estabelecimento ou num cinema especializado em filmes adultos. Ao mesmo tempo não se caracteriza como um circuito alternativo em função de sua programação. É um cinema que, para se manter em funcionamento, foi comprado e reformado, em 2008, pela empresa Playarte, e, ironicamente, apresenta a programação dentro da rede Playarte que menos se distancia das programações comuns no sistema multiplex, isto é, Blockbusters hollywoodianos legendados e filmes mais comerciais, preocupados com o entretenimento.

E mais, o Playarte Marabá não atrai o público usual de cinema de shopping; as pessoas que o frequentam, normalmente, são as que moram no Centro e, principalmente, as que trabalham na região. O fato de se localizar perto do metrô é um indicativo de que é um espaço acessível às camadas populares; ademais, os preços do ingresso e dos produtos da bomboniere são mais baixos do que os cobrados em shoppings e no circuito alternativo, concentrado nas regiões da Rua Augusta e da Avenida Paulista.

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O Marabá é mais emblemático, faz parte da resistência ao sistema multiplex, é da rede Playarte – que, por mais que se aproxime do sistema multiplex em alguns momentos, tem como objetivo se aproximar do circuito alternativo –, e apresenta uma proposta mais popular, visível na sua programação composta, predominantemente, por filmes nacionais e grandes produções norte-americanas dubladas. O interessante é notar que há uma predominância de filmes dublados, o que não acontece na maioria dos outros cinemas tanto do circuito alternativo quanto do de shoppings centers localizados na região central da cidade de São Paulo.

Durante a semana, o Playarte Marabá praticamente não tem público e, no final de semana torna-se um ambiente familiar. Não há uma maior presença de jovens. Durante o trabalho de campo, foi possível ver alguns jovens nas sextas à tarde, porém não é algo tão significativo a ponto de afirmar que a presença de jovens no Marabá seja marcante. A manutenção e a limpeza, algumas vezes, deixaram a desejar, principalmente, em comparação com o Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca e com o Cinemark Shopping Iguatemi. A organização também apresentou falhas – pelo menos no período em que foi realizada a pesquisa de campo –, pois não deixava muito claro qual filme seria projetado em cada uma das diversas salas; aconteceu, inclusive, de o filme mudar de sala em cima da hora da sessão.

Já o Cinemark Shopping Iguatemi é, visivelmente, frequentado por um público pertencente às camadas mais altas; as pessoas que o frequentam parecem desfilar um estilo de vida, exibido nas marcas das roupas, bolsas e sapatos, nas maquiagens, nos perfumes, na ênfase a uma boa aparência, limpa e bem cuidada, e também ressaltado na pretensa qualidade dos produtos expostos nas vitrines e na decoração e disposição dos ambientes. Até as crianças pequenas vestem-se de forma elegante e, às vezes, pouco infantil, pouco confortável.

O Cinemark Iguatemi também apresentou-se pouco frequentado durante a semana no período da tarde e, mesmo, no período da noite; a frequência é maior nas sextas e nos finais de semanas. Também é marcante a presença de famílias e, assim como no Playarte Marabá, não há destaque para o público juvenil, isto é, o número de jovens que frequentam o Cinemark Iguatemi não é sensivelmente maior do que o de pessoas mais velhas.

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Existe um cuidado visível com a manutenção, limpeza e organização das salas e da sala de espera. Os preços do ingresso e da bomboniere equiparam-se com todos os dos espaços da rede Cinemark e também com os da rede Itaú. A programação é composta, em sua grande maioria, por blockbusters norte-americanos e filmes legendados; apenas os filmes infantis são dublados. E, recentemente, foi incorporada a sessão cult, que comporta a exibição de filmes menos comerciais e estrangeiros não norte-americanos, revelando, pelo destaque cult, que a predominância da programação está nos filmes mais voltados ao entretenimento. Assim como outras redes e outros espaços de exibição vêm fazendo nestes dois últimos anos, incorporou a transmissão de jogos de futebol, operas e shows.

O Espaço Itaú de Cinema Augusta, antigo Espaço Unibanco, é um espaço legitimado, como é possível constatar pela pesquisa de Carlos Gonçalves, realizada no final da década de 90, e pela observação participante. Ele é frequentado, em grande parte, por estudantes, universitários e professores, pessoas das classes média e alta. Aproximando-se da perspectiva de Bourdieu (2011), pode-se afirmar que esse espaço não se distingue muito do Cinemark Iguatemi levando em consideração o capital econômico, em que, provavelmente, ambos os espaços são similares. A distinção se dá por meio do capital cultural. A ênfase está na escolaridade e qualificação profissional, ou melhor, é uma espécie de distinção pela erudição e também pelo estilo de vida: enquanto, no Cinemark Iguatemi, as pessoas exibem um estilo de vida caro e até luxuoso, no Espaço Itaú, prevalece uma tendência ao estilo de vida alternativo e intelectual. No Espaço Augusta é possível perceber uma atmosfera cult, não só pelo fato de uma livraria dividir espaço com a sala de espera, a bomboniere e um café, mas também pela programação e pelo público que o frequenta.

O Espaço Frei Caneca mantém esse ar de distinção do Espaço Augusta, essa atmosfera cult, própria do circuito alternativo, porém, como apresenta um maior número de salas36 e está dentro de um shopping, tem uma programação menos reticente ao cinema mais

comercial. Entretanto, não existem diferenças significativas quanto à programação, que também privilegia filmes independentes, experimentais, de arte e de várias nacionalidades. E mais, muitas vezes, exibe filmes que dificilmente são exibidos em outros lugares, filmes com poucos recursos de divulgação e distribuição.

36 O Espaço Itaú de Cinema Augusta conta com cinco salas de exibição, já o Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca

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A presença de pessoas mais velhas é mais sensível no circuito alternativo, e o Espaço Augusta e o Frei Caneca não fazem exceção a isso. Há a circulação de bastantes jovens na sala de espera do Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca, entretanto não é possível afirmar que seu público seja composto, predominantemente, por jovens; essa presença também se deve ao fato de haver uma escola de teatro ao lado da entrada do cinema.

A manutenção, a limpeza e a organização da sala de espera e das salas de projeção são bem executadas. A disposição do espaço já revela a intenção de criar uma atmosfera cult e intelectual: há um café; há espaço para leitura na sala de espera; há uma livraria perto da bilheteria. A decoração escura, em concreto, sóbria, com detalhes em madeira e uma parede comportando a exposição de fotos do Instituto Moreira Salles – que, no período da pesquisa de campo, era composta por quadros com fotografias em preto e branco – fazem parte da constituição dessa atmosfera, não voltada apenas para o consumo de pipocas e refrigerantes –, privilegiado na rede Cinemark, em que a decoração é chamativa, vermelha, alegre e a bomboniere ocupa uma posição de destaque –, mas voltada à constituição de um espaço de desfrute, de leitura, em que é possível passar um tempo sentado no café. O público que frequenta esse espaço apropria-se dele de forma diferente daquela como o Cinemark é apropriado: as pessoas chegam um bom tempo antes do início da sessão para ficar no café conversando ou lendo; há menos filas e menos procura pela bomboniere; as próprias embalagens de pipoca e refrigerante são menores do que as encontradas na rede Cinemark.

Em geral, os espaços de exibição apresentam-se como não-lugares, isto é, existe uma padronização e homogeneização dos cinemas. Estar no Cinemark ou no Espaço Itaú ou no Playarte, aparentemente, não faz diferença, tendo em vista que a disposição espacial é praticamente a mesma: há a bilheteria, um espaço para espera e formação de filas, a bomboniere e as salas de exibição. Entretanto, esses lugares padronizados tornam-se lugares por meio da apropriação que o público faz deles, a qual está relacionada à programação e à proposta do circuito exibidor.

Alguns cinemas da rede Cinemark apresentam um aspecto bastante juvenil; é o caso do Cinemark Shopping Metrô Santa Cruz, diferentemente do Espaço Itaú, que é mais sóbrio. Por outro lado, há o Cinemark Iguatemi, que pouco lembra um Cinemark, uma vez que é personalizado, mais sofisticado e elegante, com cores sóbrias e tons pastéis.

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