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Espaços sociais de interação no ciberespaço: as comunidades de aprendizagem

POR UMA NOVA ABORDAGEM DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA QUE PROPICIE A FORMAÇÃO CRÍTICA DO

QUADRO 2.1 ELEMENTOS DA FORMAÇÃO CRITICA DO SUJEITO

9 Mason (12) descreve as conferências mediadas por computador como uma forma escrita de interação eletrônica entre pessoas.

2.3. Espaços sociais de interação no ciberespaço: as comunidades de aprendizagem

A interação social dos cursos a distância pode ser descrita como uma prática social no ciberespaço e pode vir a formar o que se denomina de Comunidades de Aprendizagem. A interação social e a formação de comunidades nos cursos EaD são necessárias, e mesmo as práticas bancárias reconhecem sua relativa importância (Klobas e Renzi, 2002). O que difere entre o método bancário e o método problematizador é o papel que a interação social assume no processo de ensino-aprendizagem, que, se em cursos que pretendam promover a formação crítica do sujeito elas assumem um papel central, em cursos bancários, que são a maioria, a interação social é relegada a um segundo plano, que quando existente, é tomada como prática complementar ao fazer pedagógico do curso.

Como já foi visto, a maioria dos cursos EaD tem um enfoque bancário e pecam pela ênfase no individualismo da aquisição de conhecimento. São cursos que, ao oferecer a flexibilidade de tempo e espaço, grande atrativo dos cursos online, não valorizam a estrutura didática e pedagógica interativa, que além de minimizar o isolamento também contribue para práticas de aprendizagem colaborativa e em grupo. Essa tendência poderia estar relacionada à influência das abordagens do viés da Psicologia, que tendem a privilegiar uma prática pedagógica que, para o sucesso da aprendizagem, mantém o indivíduo isolado de seu contexto, tanto de sua vida offline de suas relações comunitárias de vizinhança como de sua vida online de suas relações no ambiente educativo do curso.

Visto como uma espécie de evolução das plataformas de aprendizagem, as conferências entre as pessoas têm sido reconhecidas como estratégicas para a aprendizagem, mesmo nas abordagens individualistas. Já se reconhece a necessidade de envolvimento social dos alunos para que a aprendizagem ocorra, mas, como coloca

Garrison (1997, p. 3), seu papel restringe-se a apoiar a construção de sentido e a confirmação do entendimento. Esse é apenas um nível de envolvimento, que, se permanece na visão individualista, vai optar por criar espaços de interação separados da prática de ensino e aprendizagem, como fóruns de discussão para bate-papo, que não são bem-vindos nos fóruns exclusivos de aprendizagem de conteúdo. Ou seja, algo que esteve fora da proposta bancária toma-se importante na medida em que tal proposta pressupunha certas condições que ela mesma não incorporava na sua reflexão, a exemplo da importância da comunidade entre os alunos que, em sua adaptação à EaD não se preocupou em criar ambientes de interação social e até mesmo suprimia-os completamente, encontrou tantas dificuldades que voltou atrás para incorporá-la, porém ainda como um “adicional” ao processo de ensino-aprendizagem.

E preciso primeiro desmistificar as compreensões fáceis da EaD, que se mostram ideológicas na medida em que tomam uma pequena parte para o todo, e paralelamente, é preciso ser construtivo na medida em que se elabora uma proposta alternativa, isto é, a existência de “comunidades virtuais” em cursos de método bancário não significa que a interação social procurada no Projeto Humanista esteja acontecendo, mas, sim, que ela poderia ocorrer. Este estudo reafirma, portanto, que a diferença está na forma de apropriação das TICs, e que, no caso das comunidades virtuais, pode também expressar apenas mais um uso alienador pelo viés individualista ou ser a ferramenta-chave para o fomento da ação dialógica em espaços de encontros coletivos e de possíveis interações sociais dadas pela ação comunicativa.

Uma visão contrária à individualista de Garrison e seu grupo, que prevê a necessidade de comunidades de aprendizagem para incrementar o processo cognitivo individual, é apresentada por Klobas e Renzi (2002), que se aproxima à proposta de

formação crítica deste estudo. Eles acreditam que não se pode dissociar aspectos sociais do processo de aprendizagem e que os cursos deveriam acolher e promover que tais trocas pessoais acontecessem no próprio ambiente de aprendizagem, sem separação entre trocas comunicativas pessoais e de conteúdo, o que poderia ser entendido como um aspecto da educação contextualizada na EaD. Esses autores comungam do pensamento de Palloff e Pratt (1999) de que “na educação a distância, para que o processo de aprendizagem seja

bem sucedido, é preciso dedicar atenção especial ao desenvolvimento do senso de comunidade com o grupo de participantes

De tal forma que se compreende que uma formação crítica deve passar necessariamente por um processo coletivo de troca de idéias, reflexão crítica e interação social, e que assim conduza a uma re-significação de informações, e uma validação do conhecimento. Nesse processo realizado a distância, a comunidade de aprendizagem assume central importância porque é o veículo por onde a aprendizagem acontece nesse novo ambiente. Quando o contexto pessoal atravessa o discurso que busca uma significação coletiva para o conteúdo trabalhado, aí está presente uma comunidade de aprendizagem. Renzi e Klobas (2002) utilizam justamente essa característica para identificar a formação de uma comunidade de aprendizagem, isto é, quando não existem espaços delimitados e separados para as trocas pessoais e de conteúdos de aprendizagem e os alunos fazem do processo de aprendizagem uma mistura real de conteúdo e contexto pessoal.

Talvez esses autores indiquem uma consideração das comunidades virtuais como estratégicas, e, no enfoque deste estudo, em duas direções. A primeira, na valorização de uma educação contextualizada, a princípio na consideração do contexto individual dos alunos como parte integrante da prática pedagógica, embora os autores não

se refiram à também necessária inclusão desses contextos na elaboração dos currículos. Para eles, a experiência de aprendizagem faz parte da vida cotidiana dos alunos e esta é também parte integrante do processo de ensino-aprendizagem, e, portanto, o curso deve ser aberto o bastante para incluir e ser o espaço social dessas trocas significativas do contexto real da vida de cada um, como uma estratégia necessária para a criação de um senso de comunidade.

A segunda direção em que contribuem Renzi e Klobas é a da possibilidade de formação aí de um espaço de representação. As comunidades de aprendizagem formadas segundo o enfoque desses autores oferecerem a oportunidade do sujeito poder fazer a articulação entre cotidiano, espaço e comunidade, isto é, operar a síntese do espaço percebido, concebido e vivido. Esse momento de articulação pode transcender a sua articulação como representação do espaço, e, pode tomar-se um espaço vivo e espontâneo, do devir, que não está completamente ordenado e programado, mas que é construído cotidianamente, através da comunicação dialógica, em espaços coletivos de interação, e, portanto, como um potencial espaço de representações. De forma que as comunidades de aprendizagem trazem latente a possibilidade de se constituírem em espaços sociais construídos pelos professores e alunos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, que podem transcender o ensino burocrático de conteúdos, da visão bancária, e se constituírem nos espaços necessários para a transformação social almejada no ensino problematizador.

Desta forma, as comunidades de aprendizagem, se formadas nesse sentido de Renzi e Klobas, poderiam ser a base para a ação dialógica de Freire, e, portanto, para o desenvolvimento da formação crítica do sujeito, através do tratamento dos cinco elementos essenciais para a formação crítica do sujeito que foram recortados da teoria da ação

dialógica. Pois a comunidade de aprendizagem apresenta a potencialidade de tomar-se um espaço social, haja vista que poderia suportar e promover a relação dialética entre reflexão crítica e prática social (imaginada por Renzi e Klobas), dadas em um relacionamento horizontal e com um compartilhamento de idéias, com vistas, como uma prática social engajada no Projeto Humanista, à ação política.

Tal tarefa não é fácil, porque pressupõe muito mais do que a existência de uma comunidade de aprendizagem e as suas condições de propiciar trocas interativas. Como dito anteriormente, se a formação crítica do sujeito continua não sendo a escolha política na educação é justamente porque ela tem o potencial de transformação social, pois, “esta é

a razão por que a concepção problematizadora da educação não pode servir ao opressor. Nenhuma ‘ordem ’ opressora suportaria que os oprimidos todos passassem a dizer: ‘Por quê?’” (Freire, 1987, p. 75). Tudo começa com uma opção político-pedagógica que

escolha promover a formação crítica do sujeito através de uma educação problematizadora, e, desde que essa escolha seja feita, este estudo pretende servir como uma primeira reflexão acerca de como poderia ser encontrado e desenvolvido o método problematizador de Paulo Freire na educação a distância. De forma que este estudo se desobriga neste momento a continuar apontando que esta não é a prática comum, porque possivelmente ela sequer foi ainda experimentada. Mas procura desenvolver uma possibilidade de elaboração da ação dialógica na EaD como uma potencialidade latente nas TICs que poderiam ser usadas segundo critérios e objetivos do Projeto Humanista que fundamenta essa opção político-pedagógica. A partir de agora, este estudo vai se debruçar sobre a possibilidade vislumbrada através da ação dialógica desenvolvida em comunidades de aprendizagem para verificar como a EaD poderia suportar e promover a formação crítica do sujeito.

O principal, no entanto, seria perceber a potencialidade existente nessas comunidades de, no momento em que tais trocas comunicativas acontecem de forma dialógica, em um ambiente que promove o relacionamento horizontal e o compartilhamento de idéias, essa comunidade de aprendizagem possa construir um espaço social, onde seja operada a relação dialética entre reflexão crítica e prática social. E, tudo isso com um principal e imprescindível objetivo: o de formar criticamente o sujeito para a ação política.

Ao fundamentar esta tese na teoria crítica desenvolvida por Paulo Freire, parte- se do pressuposto que a ação dialógica é uma prática pedagógica necessária para promover a formação crítica do sujeito. E que ela seria possível na EaD, desde que os seus cinco elementos essenciais existissem e fossem trabalhados também no curso a distância. Em resumo, a formação crítica do sujeito no ciberespaço deve seguir as mesmas premissas de Paulo Freire, só que para um novo contexto. Isto é, a ação dialógica é uma prática pedagógica necessária para a formação crítica do sujeito crítico nos processos de ensino- aprendizagem presenciais e também nos a distância. O próximo capítulo trabalha um possível desdobramento na EaD dos cinco elementos essenciais para a formação crítica: o relacionamento horizontal, o compartilhamento de idéias, a reflexão crítica, a prática social e a ação política, procurando encontrar formas de identificar a ação dialógica em cursos a distância. Esse estudo será a base para a elaboração de um modelo empírico que possa ser usado para a verificação da capacidade de um curso a distância promover a ação dialógica como prática libertadora do Projeto Humanista de formação crítica do sujeito.

3. OS CINCO ELEMENTOS ESSENCIAIS DA FORMAÇÃO