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Existe algo de fascinante na possibilidade de enquadrar uma história inteira, diferentes mundos e até mesmo sensações íntimas em um único frame. Aquele momento exato que consegue compilar tudo o que remexia por dentro quem observava, revirando seus órgãos e sentidos, as luzes, as cores e a temperatura do que se insinuava no tempo; a junção entre aquilo que atravessa quem via no preciso momento do acontecimento; o tempo paralisado pelo obturador e a sua reverberação em quem aprecia o resultado final do recorte capturado criando, ainda, novas histórias e possibilidades a partir do seu olhar, “Meu ponto de vista é certamente subjetivo, mas é assim que as coisas devem ser na arte: em sua obra, o artista decompõe a realidade no prisma da sua percepção e usa uma técnica pessoal de escorço para mostrar os mais diversos aspectos da realidade.” (TARKOVSKI, 1990, p. 26)

Eu sou de um tempo no qual ainda predominava o analógico. Comprávamos filme para encaixar na câmera, pensávamos quais momentos caberiam naquelas poses (8, 16, 24, 36) sem desperdiçar, sabendo que havia apenas uma chance para cada foto e tínhamos que esperar a revelação. A hora da verdade. Tempo. O momento no qual receberíamos as fotos impressas em papel para manuseá-las e constatar o que havia funcionado ou não, se alguém tinha colocado o dedo na lente, se alguma havia queimado. Tempo... Dilatação... Suspensão... Também ficava a matéria. Registros guardados em álbuns, pequenos portais secretos. Por algum motivo, inclusive, enquanto escrevo essas palavras, a imagem que teima em se “A verdadeira poesia é uma função de despertar” (BACHELARD, 2018, p. 18)

“Quando falo de poesia, não penso nela como gênero. A poesia é uma consciência do mundo, uma forma específica de relacionamento com a realidade.” (TARKOVSKI, 1990, p. 18)

materializar na minha mente é a de um caixa de supermercado com opções de filmes à venda na hora do pagamento dos produtos que havia selecionado. Ali como que junto dos bombons, pilhas, baterias ou barbeadores. A lembrança de algum dia na praia, o início da preocupação com o ISO35 depois de um contato mais estreito com a

fotografia e a última imagem sobreposta em poeira de lembrança: uma máquina fotográfica compacta. Alguns dos diferentes tempos de contato com a fotografia no cotidiano.

Em poucos anos a relação mudou completamente. O que predomina agora é a instantaneidade, a câmera constante como extensão da comprovação, o compartilhamento frequente e instantâneo para poucos segundos de apreciação. Momentos que parecem existir apenas se registrados e passados adiante nesse mar momentâneo das redes sociais.

35 - Sigla de International Standards Organization - a medida que indica a sensibilidade do sensor da câmera à luz do ambiente (https://www.infoescola.com/ fotografia/sensibilidade-iso/)

Tudo o que se passa passa demasiadamente depressa, cada vez mais depressa. E com isso se reduz o estímulo fugas e instantâneo, imediatamente substituído por outro estímulo ou por outra excitação igualmente fugaz e efêmera. O acontecimento nos é dado na forma de choque, do estímulo, da sensação pura, na forma da vivência instantânea, pontual e fragmentada. A velocidade com que nos são dados os acontecimentos e a obsessão pela novidade, pelo novo, que caracteriza o mundo moderno, impedem a conexão significativa entre

Parece um saudosismo melancólico, certo? Não exatamente. Esse poder de eternizar o extraordinário em um único quadro ainda me fascina, sendo analógico ou não, mas de alguma maneira essa relação com o tempo gera um incômodo. É difícil acompanhar todas as transformações, essa avalanche constante.

Para mim a fotografia se mostra como um portal. Um espaço de suspensão. Um mundo subjetivo externado, uma intimidade exposta, uma necessidade de diálogo, uma comunhão de sensações, uma visão compartilhada. O que me atravessa, entrego para você que também vê, sob sua própria ótica. Uma experiência.

Dessa maneira, ainda percebo a lente, esteja ela em que suporte estiver, como um pequeno abismo de sonhos abertos, um

acontecimentos. Impedem também a memória, já que cada acontecimento é imediatamente substituído por outro que igualmente nos excita por um momento, mas sem deixar qualquer vestígio. (LARROSA, 2014, p. 22)

A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. (...) A informação não é experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência. Por isso a ênfase contemporânea na informação, em estar informados e toda a retórica destinada a constituir-nos como sujeitos informantes e informados; a informação não faz outra coisa que cancelar nossas possibilidades de experiência. (LARROSA, 2014, p. 18, 19)

convite ao mergulho no que te transborda e foi assim que a fotografia veio somar ao processo de construção. Abriu-se em possibilidades de transbordar as palavras compartilhadas em imagens reverberando ainda experimentos vividos em sala de ensaio. “É antes uma agitação interior, uma festa, também um trabalho, a pressão do indizível que quer ser dito”. (BARTHES, 1980, p. 27).

Então a fotografia não entrou aqui como um suporte documental no sentido jornalístico ou mesmo informativo. Na verdade, esse dispositivo documental veio somar na criação artística. O ensaio cria seu próprio portal a partir dos relatos e das vivências e, assim, faz-se um suporte documental em si mesmo porque passa a ser documento de criação e dispositivo para as obras que seguem sendo construídas nesse conjunto. Sejam as palavras que compartilho com você agora, o filme ou ainda a cena.

Começamos da única maneira que poderíamos começar, pelo encontro. A fotógrafa Thaís Salomão e eu conversamos, trocamos referências e imaginamos o que trilharíamos. Apesar de amarrar as diretrizes, optamos por um processo fluido, com margem para experimentação e transformação. Assim como nas gravações, dividi a realização dos ensaios em dois dias, ambos os encontros ocorreram pela manhã. Primeiro fomos à Praia do Amor (Recife/ PE) e, uma semana depois, estivemos em Aldeia (Camaragibe/PE). Desde um dos muitos começos aqui narrados percebi a forte presença dos quatro elementos da natureza já nas palavras de Mia Couto e, no decorrer do processo, a presença continuou pulsante. Sabíamos, portanto que gostaríamos de trabalhar a reverberação dos relatos no meu corpo, como isso se tornava unidade em mim, os elementos da natureza, a sobreposição de imagens dessas tantas mulheres em uma só e também prisões e liberdades tanto da mulher que registrava como da que se deixava registrar.

Na praia começamos a criar a nossa própria intimidade e a perceber que já tínhamos uma maneira de fotografar juntas. Espelho, tecido, água, terra, fogo e ar. Amarras visíveis e invisíveis

transpassando pele e tecido. No mato uma vez mais terra, água, fogo e ar e ainda moda, acessórios, pele, nudez, vazios, espaços abandonados, ressignificação, desprendimento e transmutação.

Será que eu aguento? Será que eu vou aguentar? Vamo’lá. (Transcrição de Marisa. Relato cedido à autora em 11.06.18)

“Porque eu tive força de vontade. Se eu não tivesse força de vontade eu acho que eu já tava morta.” (Transcrição de Teta. Relato cedido à autora em 11.06.18)

Aproveito o momento para te convidar a um mergulho particular. Na minha jornada dei de encontro com uma necessidade urgente de abrir espaços na garganta, no peito e nas asas e o encontro com as 11 mulheres reverbera isso.

A partir da provocação-criadora, com essa primeira inquietação pessoal, a mola propulsora, embebida pela fala dessas mulheres e diante das provocações vivenciadas na sala de ensaio, comandadas pelas diretoras Hilda Torres e Analice Croccia, me vi

“Acho que a gente nunca é, a gente está.” (Transcrição de Nataly Barreto. Relato cedido à autora em 12.06.18)

em processo fotográfico com Thaís Salomão como uma das maneiras de sentir e transbordar as questões que me atravessam. Um ponto de partida para a construção da narrativa. Imagens desabrochando a partir de palavras, sensações emergindo de experimentos cênicos e de percepções iniciais. Percebendo também que essas mulheres e eu somos espelhos, narrativas, molduras e janelas umas para as outras, que nos apoiamos, incentivamos e reverberamos. Tal qual uma pedra que, ao beijar o oceano, provoca ondas ao seu redor, somos ressonância umas para as outras. Faço minhas as palavras de Margareth Rago:

E também as de Clarissa Pinkola Estés:

Uma vez que não focalizo um grupo organizado de mulheres, mas lido com uma multiplicidade de subjetividades, com dispersões de pensamentos e práticas, esse trabalho abre-se para várias áreas de expressão, das lutas feministas ao amor pela literatura, na tentativa de mapear interpretações de mundo e experiências diferenciadas, mas, de certo modo, simultâneas e atravessadas pelo desejo de transformação individual e coletiva. (RAGO, 2014, p. 40)

(...) pois, com uma única tirinha de palha, podemos acender nosso fogo a partir do fogo delas... ter inspirações a partir das suas inspirações. (...) Uma mulher assim iluminada não consegue encontrar o próprio caminho à luz de uma vela ou à luz das estrelas, sem também lançar luz para outras. (ESTÉS, 2007, p. 62,63)

Hoje o impulso ganha corpo. Hoje os pensamentos, desejos, reverberações e sensações se lançam em dança estruturando células, ossos, músculos e tecido. Bailam em terra, fogo, água e ar para tornar carne o que antes era ideia e verbo, “(...) eu soube que meus pés foram criados para andar por campos de lavoura, para cobrir quilômetros na terra batida no escuro, para ingerir nutrientes da terra direto através das solas, e para andar empertigada, deslizar e girar na roda de dança (...)” (ESTÉS, 2007, p. 115, 116) e “acho que por fim chegou a hora – e sem consultar qualquer médico – em que posso também andar descalça sempre que possível, para que eu possa realmente enxergar e ouvir...” (ibidem, p. 118).

Parto do impulso fogo, aquele que me acende por dentro e me traz luz para questões que habitam meu interior e o que

me rodeia. Escuridões e entre lugares que há muito precisam ser observados, rasgados e escancarados. Narrativas de uma memória em chamas começam a brotar, flamejar na minha alma em diferentes intensidades, mas com a certeza de que precisam queimar ressignificando o todo.

Guiada pelo fogo me vejo reverberando em todos os elementos que me habitam e habitam tudo. Terra, água e ar também se mostram presentes e estruturados em volta da chama que me aquece. Elementos que permeiam os registros no solo, nas plantas, nos escombros, nas construções de pedra, no sol, no mar, no rio e no vento.

FIGURA 23: Foto: Thaís Salomão. Modelo: Natali Assunção. 2018.

(...) hoje eu posso me perder, mas eu tenho meus mapas e minhas bússolas, eu, eu

FIGURA 24: Foto: Thaís Salomão. Modelo: Natali Assunção. 2018.

mesma. E aí é muito forte pra mim, né? Porque hoje eu sei mais ou menos me reconectar com minha essência. Então por mais que a vida possa dar os tropeços e a loucura, mas eu tenho a minha essência de não me violentar mais. E isso pra mim é muito importante, muito libertador. (Transcrição de Denise. Relato cedido à autora em 11.06.18)

Olha, prisão pra mim (gagueja) é um conceito tão amplo, né? Não é só aquela caixa que a gente entra e fica dentro dela. Não é só aquela cela que eu tenho lá no interior da

delegacia. (...) Prisão é, não é só quando você tá dentro de uma cela, quando você tá dentro de uma caixa. Prisão, a pior prisão que existe é essa que aprisiona você, que aprisiona o ser, o espírito, a capacidade de pensar criticamente, de pensar filosoficamente, quanticamente, né? É isso que eu imagino hoje como uma verdadeira prisão, você- e o nosso maior desafio, sair dessa prisão. (Transcrição de Tereza. Relato cedido à autora em 12.06.18)

Antes eu não tinha liberdade, eu não tinha felicidade, eu não sabia o que era alegria, né? Criei esses meninos e, com o tempo, né? Há 12, 13 anos pra cá é que eu tenho mais, sou livre, faço o que eu quero, faço o que eu gosto, né? É... Tenho comunicação com as pessoas, que eu não tinha, era privada disso e... Tenho liberdade, né? Liberdade pra fazer o que eu quero, o que eu tenho vontade, né? Tanto pra mim quanto pra meus filhos é... (Transcrição de Geni. Relato cedido à autora em 12.06.18)

Então, pra mim, o maior paradoxo, assim, da minha felicidade e infelicidade foi o nascimento do meu filho, né? Quando ele nasceu eu não queria nem olhar para a cara dele, havia uma negação em mim, apesar da sociedade dizer “é o momento mais feliz da mulher” aquele momento... e pra mim eu olhei pra cara dele e fiz “ok, beleza, quando é que eu vou sair daqui dessa sala, que eu to morrendo de frio?”. Então é um momento que pra qualquer sociedade deveria ser um momento feliz, e que pra mim,

internamente, com os conceitos que eu criei, com os preconceitos que me foram passados, com a idealização de uma maternidade, não era, exatamente, um momento feliz. Era um momento muito triste, um momento em que eu, inclusive, passei o parto inteiro repetindo uma música na minha cabeça pra tentar me libertar daquilo ali, tentar cantar pra subir, como diz a história. Então eu acredito que não, não há felicidade, porque a gente tá em busca, e ainda bem que a gente ta em busca o tempo inteiro, né? (Transcrição de Nataly Sousa. Relato cedido à autora em 12.06.18)

Aprisionamento é quando (...) eu pensei que fosse uma sensação de morte, mas não porque, muitas vezes, a morte ela é atrelada a questão de se tornar livre, né? (...) O aprisionamento é muito mais perverso. O aprisionamento, no meu entendimento, é você ser enterrado vivo. (Transcrição de Denise. Relato cedido à autora em 11.06.18)

Eu acho que você só percebe que esteve presa depois que você se liberta... Porque enquanto ‘cê tá ali você não sabe, você só vai se afundando, se afundando sem saber o que tá acontecendo e aí parece que quando você se liberta tudo clareia, assim. (...) Mesmo que as pessoas falem, mesmo que venha de fora, estímulos externos querendo lhe alertar, você não sabe, você não percebe. Só quando você se liberta porque é um processo de dentro. (Transcrição de Nataly Barreto. Relato cedido

à autora em 12.06.18)

A liberdade é você fazer e ser quem você sente vontade de ser de forma ilimitada, sabe? (Transcrição de Karla. Relato cedido á autora em 12.06.18)

Liberdade é você se sentir à vontade pra ser quem você é. (...) Mas é contagiante, quando você se liberta você quer que as pessoas se libertem também, de qualquer coisa que elas possam lhe prender. (...) Eu estou livre, eu não sou, né? Eu estou. Eu estou livre, mas eu espero que eu nunca volte mais, nunca dê passos pra trás, nem volte a me aprisionar por nenhum motivo. (...) eu tô leve e a liberdade é leveza. (Transcrição de Nataly Barreto. Relato cedido à autora em 12.06.18)

Que o mundo externo não tá só na ponta do nariz do companheiro. Eu acho que cada mulher tem uma consciência. E que ela não precisa seguir nada, que ela precisa apenas se olhar no espelho, se reconhecer, que ela não precisa seguir padrão... Tudo começa a mudar aos poucos, né? Eu acho que é um trabalho muito difícil, assim, de reconhecer, sabe? Reconhecer sua força, reconhecer sua beleza, reconhecer seu, seu propósito. Seu propósito não é o outro. Seu propósito é se valorizar, é encontrar sua força. Quando isso acontece muita mágica acontece também junto. Muita mesmo. (Transcrição de Karla. Relato cedido à autora em 12.06.18)

Eu sou feliz. (balança a cabeça positivamente) Eu sou feliz. Eu agora sou. (segue balançando a cabeça positivamente) Eu sou. (Transcrição de Geni. Relato cedido à autora em 12.06.18)

Nesse mergulho vertiginoso em imagens que reverberam sensações, me vi imersa em diferentes forças criadoras. Uma mãe terra que se mostra potência e base para crescimento e fertilidade, sem esquecer a dualidade que pode apresentar no seu poder de destruição quando revolvida e contrariada. Suas memórias de passados contidas em escombros e sua possibilidade de crescimento e pluralidade em todas as vidas que brotam de si.

A terra se mostrou solo fértil de acolhimento, uma mãe- cúmplice, uma força-mãe, uma guia para o que teima em se fazer terremoto de dentro para fora e ganhar mundo. O fogo também se fez presente. Aquela chama interna que me agitava para que asas fossem abertas e terras desbravadas tomou forma, apresentou-se

Conduzindo toda a dança estava o ar capaz de provocar uma ventania, mas também da evocar sua brisa suave, vento-amigo, vento-provocador, vento-liberdade. Aquele que com o simples toque carrega as possibilidades de uma vida livre que pode tomar a direção que desejar. Uma vida ilimitada capaz de seguir qualquer um dos ventos aportando onde o coração determinar.

Foi então que me vi imersa em água, elemento também capaz de evocar duplicidade, que pode trazer, por exemplo, contemplação, calmaria, tormenta, reflexo, superfície, imensidão e infinidade. por meio do sol e seu calor. Pele aquecida e provocada à dança nas imagens de encontro com um sol-rei, um sol-carinho, um sol-chama que também pode explodir.

O fogo e o calor fornecem meios de explicação nos domínios mais variados porque são, para nós, a ocasião de lembranças imperceptíveis, de experiências pessoais simples e decisivas. O fogo é, assim, um fenômeno privilegiado capaz de explicar tudo. Se tudo o que muda lentamente se explica pela vida, tudo o que muda velozmente se explica pelo fogo. O fogo é ultravivo. O fogo é íntimo e universal. Vive em nosso coração. Vive no céu. Sobe das profundezas da substâncias e se oferece como um amor . Torna a descer à matéria e se oculta, latente, contido como o ódio e a vingança. (BACHELARD, 1994, p. 11, 12)

Não nos banhamos duas vezes no mesmo rio, porque, já em sua profundidade, o ser humano tem o destino da água que corre. A

A água surgiu para mim, portanto, como uma água-irmã, como aquela que acolhe as tormentas e calmarias de um ser em ebulição que ricocheteia dores, angústias, alegrias e pensamentos de uma vida e de muitas outras mulheres que a espelham. Água- espelho que, em um primeiro momento reflete, mas se deixa aberta às mudanças e transformações porque o mínimo movimento pode alterar a imagem. Água-profundeza que mergulha em mim e na qual eu mergulho afundando tudo o que se carrega em mortes-vidas que mantêm a constância da mudança, o rio que nunca para.

A água faz incharem os vermes e jorrarem as fontes. A água é uma matéria que vemos nascer e crescer em toda parte. A fonte é um nascimento irresistível, um nascimento contínuo. Imagens tão grandiosas marcam para sempre o inconsciente que as ama. Suscitam devaneios sem fim. (BACHELARD, 2018, p. 15) água é realmente o elemento transitório. É a metamorfose ontológica essencial entre o fogo e a terra. O ser voltado à água é um ser em vertigem. Morre a cada minuto, alguma coisa de sua substância desmorona constantemente. A morte cotidiana não é a morte exuberante do fogo que perfura o céu com suas flechas; a morte cotidiana é a morte da água. A água corre sempre, a água cai sempre, acaba sempre em sua morte horizontal. Em numerosos exemplos veremos que para a imaginação materializante a morte da água é mais sonhadora que a morte da terra: o sofrimento da água é infinito. (BACHELARD, 2018, p. 7)

Elementos-espelho que me colocam em diálogo comigo e com outras mulheres que vivem as mesmas questões que eu, cada uma em sua singularidade e vivência particular, em diálogo com o ambiente que me rodeia e também ele é refletido. Vejo-me ainda diante de uma possibilidade infinita de mergulho, contemplação e mudança. Esses ambientes podem ser calmos e agitados, podem passear pelos estados distintos e seguir seu fluxo, constantemente seguindo em fertilidade. Elementos-sonho, fontes oníricas de imagens da alma, que desdobram pensamentos-criação. Foi no mergulhar dessas fotografias que desaguei em espelho, refração e metamorfose.

Curioso que a fotografia tenha se apresentado como um dos pilares em um processo criativo cênico. O teatro acontece naquele

momento exato em que atores e plateia compartilham um mesmo espaço ao mesmo tempo. Uma apresentação jamais poderá ser idêntica à outra por mais que se trabalhe com repetição ou que um mesmo público veja o mesmo espetáculo mais de uma vez. O momento é único, só existe o agora e as condições jamais serão as

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