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CAPÍTULO I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1.2 Esperança

1.2.1 Conceptualização da Esperança

A esperança (Hope) é uma variável psicológica cuja importância começa a ser reconhecida, embora a sua conceptualização se estenda desde há algumas décadas (Snyder, 1995). Trata-se de um constructo que, a par de outros (optimismo, eficácia), é muitas vezes descrito na literatura relacionada com a personalidade e a motivação, assim como o optimismo.

Snyder et al. (1991) indicam-nos que, na definição clássica, era assumido que a esperança se tratava da percepção generalizada de que os objectivos podem ser alcançados. A expectativa de alcançar os objectivos pode ser usada para explicar diversos comportamentos, incluindo aqueles que envolvem a saúde mental e a saúde física.

As primeiras concepções conhecidas desta variável psicológica remontam às décadas de 50 e 60, altura em que alguns autores consideraram que a esperança está associada à tentativa de atingir os objectivos a que cada individuo se propõe, assim como à definição do caminho que o individuo escolhe para os tentar alcançar (Cantril, 1964). Posteriormente, nas décadas de 70 e 80, a Psicologia da Saúde começou a debruçar-se sobre este tema, considerando que, se as variáveis “negativas” como a depressão e a ansiedade, se mostravam como preditores de um decréscimo da qualidade de

vida, nomeadamente nos doentes crónicos, os factores positivos poderiam ser preditores da presença de melhores estratégias de coping.

Podemos considerar que Lee, Locke, e Latham (1989) foram dos primeiros investigadores que formularam um conceito de esperança, considerando que esta permitia aos indivíduos incrementar metas na sua vida e definir quais as adaptações que consideravam necessárias implementar de forma a atingi-las.

Para Snyder et al. (1991) a esperança é um construto disposicional, isto é, caracteriza-se por ser um traço estável da personalidade, embora possa sofrer oscilações de acordo com as experiências vivenciais do sujeito; segundo os autores, a esperança é um conceito complexo que integra uma componente cognitiva com influência da componente afectivo-comportamental que a permite evoluir.

No entanto, os autores alertam para o facto de poder existir a tentação de confundir esperança com desejo, sendo que o desejo constitui uma parte essencial da esperança, mas a esperança não se reduz ao desejo. Chegam mesmo a evidenciar três traços que distinguem os dois construtos: (1) o desejo pode ter como objectivo qualquer coisa / a esperança focaliza-se no possível; (2) o desejo quer tudo e imediatamente / a esperança sabe esperar para obter o que pretende; (3) o desejo tem muito de instinto / a esperança é mais racional.

Deste ponto de vista, a esperança é, principalmente, centrada no Self, é encarada na perspectiva de cada sujeito e no percurso que este traça relativamente às metas que pretende alcançar. Existe, assim, a necessidade de compreender o papel dos factores externos na conceptualização da esperança e verificar como estes poderão influenciar as componentes cognitivo-motivacionais dos sujeitos (Snyder et al., 1996).

Esta influência é importante relativamente às acções e aos percursos que cada indivíduo implementa, contudo, a esperança é uma característica da personalidade e, como tal, está sujeita à avaliação que o individuo faz das suas próprias acções e dos percursos que deve percorrer para atingir as suas metas.

Como anteriormente referido, existe uma estreita relação entre as emoções positivas e a esperança. Estas vão permitir ao sujeito ter um locus de controlo interno, levando a reforços positivos que incentivam à acção, minimizando ou permitindo ter estratégias de coping mais adaptadas às adversidades do percurso até à meta.

Mais recentemente, Snyder, Lopez, Shorey, Rand e Felman (2003) definem esperança enquanto mecanismo que permite a reflexão e a percepção individual das capacidades que cada pessoa tem para alcançar os seus objectivos, para além de ter em conta as estratégias que permitem avaliar as suas próprias motivações inerentes às acções e aos percursos que são implementados com o intuito de alcançar esses mesmos objectivos.

A visão predominante é de que um nível de esperança elevado está associado a resultados positivos. O foco em psicologia da saúde está em promover e manter a saúde e em prevenir, detectar e tratar a doença, podendo a esperança estar implicada em cada uma destas áreas. Na prevenção secundária (reflectem as cognições ou acções para eliminar reduzir ou limitar os problemas uma vez surgidos), ou seja após o desenvolvimento da doença física, o papel da esperança será o de ajudar as pessoas a cooperarem com a dor e incapacidade. Seaton e Snyder (2001, citado por Snyder et al., 2003), verificaram na sua clínica que as pessoas com altos níveis de esperança, parecem suportar melhor a dor física que os seus pares com baixos níveis de esperança.

A adesão a regimes médicos representa outro exemplo de prevenção secundária. Estes autores reportam que scores elevados da “hope scale” predizem a permanência num tratamento com fármacos (para além de outras variáveis demográficas e psicológicas).

1.2.2 Esperança na Investigação em Cardiologia

São alguns os estudos que avaliam este construto em contexto clínico, especificamente em pessoas com doença cardíaca.

Evangelista et al. (2005) no seu estudo com mulheres sujeitas a transplantação cardíaca verificaram a existência de baixos níveis de esperança e altos níveis de ansiedade, depressão e hostilidade, tendo a esperança sido identificada como preditora de estados de humor e qualidade de vida.

Rustoen, Howie, Eidsmo e Moum (2005) num estudo a 93 doentes com insuficiência cardíaca comparados com 441 indivíduos, verificaram que após controlo das variáveis demográficas, os doentes com insuficiência cardíaca apresentaram níveis de esperança mais elevados que o grupo de controlo, segundo estes autores devido à adaptação a uma doença crónica. Os doentes com problemas de pele e doenças psiquiátricas apresentaram níveis de esperança mais baixos, identificando-se estas duas comorbilidades como preditoras da esperança.

A esperança parece-nos uma variável pertinente na temática da recuperação do estado de saúde do doente cardiovascular.