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CAPÍTULO I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1.1 Insuficiência Cardíaca

1.1.6 Terapêutica da Insuficiência Cardíaca

A última década alcançou avanços significativos na abordagem terapêutica da insuficiência cardíaca. Com a população cada vez mais idosa, e a prevenção da morte súbita por doença coronária, muitos pacientes desenvolverão cardiomiopatia, colocando verdadeiros desafios em termos terapêuticos, no sentido de decidir quem beneficia com a multiplicidade de terapêuticas que hoje possuímos.

A terapêutica para esta síndrome conta na actualidade, para além da terapêutica farmacológica associada ao aconselhamento, com a revascularização coronária por cirurgia de derivação aortocoronária ou angioplastia coronária, com a cirurgia valvular, com a terapia de ressincronização cardíaca associada ou não ao cardioversor desfibrilhador implantável, e o transplante cardíaco precedido ou não de assistência ventricular mecânica (European Society of Cardiology, 2008). Alonso-Pulpón e Peraira (2003), fazem alusão a um campo por desbravar, da regeneração miocárdica, levantando a questão de que será esta técnica o futuro do tratamento na insuficiência cardíaca crónica avançada.

Podemos considerar três épocas nas propostas de tratamento farmacológico da insuficiência cardíaca crónica, correspondendo às diversas explicações fisiopatológicas para esta síndrome. Ao antigo conceito fisiopatológico que considerava esta síndrome como uma “falência da bomba”, em que o problema central seria uma diminuição do inotropismo cardíaco, corresponde a terapêutica inotrópica, em que os digitálicos assumiram o papel principal, em associação com os diuréticos nas fases congestivas da síndrome. Os conceitos de pré-carga e pós-carga conduzem- nos à época seguinte, em que, do ponto de vista fisiopatológico, se valoriza o

estado da vasculatura pré e pós cardíaca, introduzindo-se na terapêutica os vasodilatadores. É com a introdução do conceito de insuficiência cardíaca como doença sistémica, com uma explicação fisiopatológica baseada na estimulação dos mecanismos neuro-hormonais, a compreensão do papel do sistema da renina-angiotensina-aldosterona e do sistema simpático, que entramos na época actual. É proposta uma abordagem terapêutica com inibidores da enzima da conversão da angiotensina I, a que se segue a espironolactona, os bloqueadores adergénicos beta, os antagonistas da angiotensina II. A boa utilização dos meios farmacológicos é compensada por uma melhoria sintomática, uma melhor qualidade de vida e uma maior sobrevivência dos doentes (Perdigão, 2000).

A revascularização coronária por cirurgia de derivação aortocoronária ou por angioplastia está indicada em pacientes com cardiomiopatia isquémica e disfunção ventricular esquerda avançada, diminuindo a sintomatologia da angina e melhorando a sobrevivência (Alégria, Palazuelos, & Azcárate, 2003; Cotrufo et al., 2005). Falcoz et al. (2006), identificaram melhoria significativa da qualidade de vida, dois anos após cirurgia cardíaca em todos os domínios do medical outcomes study 36-item short form health survey (SF-36).

A cirurgia valvular no doentes com insuficiência cardíaca crónica de etiologia valvular e é de particular interesse nos doentes sintomáticos com má fracção de ejecção do ventrículo esquerdo (European Society of Cardiology, 2008).

Até surgir a terapia de ressincronização cardíaca, o transplante cardíaco era a única terapêutica para doentes com insuficiência cardíaca refractária. A terapia de ressincronização cardíaca é dirigida a melhorar a sincronização da contracção ventricular, em doentes com insuficiência cardíaca refractária, em classe III/IV da classificação da New York Heart Association, com uma alteração significativa da condução intraventricular,

melhorando a sincronia e função ventricular mediante uma estimulação biventricular (Rodríguez-Padial, Castellanos, Alcalá, & Maicas, 2003). Cleland et al. (2005), num estudo de 383 doentes com insuficiência cardíaca em classe III/IV da classificação da New York Heart Association devido a disfunção sistólica esquerda e dissincronia cardíaca, seguidos por um período de 30 meses, recebendo 159 doentes terapia de ressincronização cardíaca associada a terapia farmacológica e 224 apenas terapia farmacológica, verificaram que a terapia de ressincronização cardíaca melhora os sintomas, a qualidade de vida, reduz as complicações e o risco de morte.

O cardioversor desfibrilhador implantável é usado para tratar arritmias em pacientes de alto risco podendo ser usado em conjugação com a terapia de ressincronização cardíaca ou isolado quando não existe indicação para esta terapia. Este dispositivo é recomendado para prevenção primária no sentido de reduzir a mortalidade em doentes com disfunção ventricular esquerda devido a enfarte do miocárdio, com fracção de ejecção do ventrículo esquerdo inferior ou igual a 35% em classe II ou III da classificação da New York Heart Association e para prevenção secundária em sobreviventes de fibrilhação ventricular (European Society of Cardiology, 2008). Provavelmente dado o tipo de terapia em si (com percepção de descarga eléctrica aquando da intervenção deste dispositivo), a qualidade de vida dos indivíduos implantados com este life saving, são influenciados por sintomas psiquiátricos (ansiedade fóbica e somatização), influenciando os domínios físico e psicológico da qualidade de vida, conforme encontrado por Godemann et al., 2004. O COMPANION, estudo que compara a terapia farmacológica, o pacemaker e o cardioversor desfibrilhador implantável na insuficiência cardíaca, mostrou que a terapia de ressincronização cardíaca sozinha ou combinada com cardioversor desfibrilhador implantável, reduziu a morte por qualquer causa ou hospitalização (Bristow et al., 2004).

O transplante cardíaco é indicado para doentes com insuficiência cardíaca avançada, com consumo de oxigénio em prova cárdio-respiratória menor ou igual a 10ml/Kg/min e em classe III/IV da classificação da New York Heart Association, sem possibilidades de outro tratamento (Almenar & Martínez, 2003). A sobrevivência actual a nível internacional é de 81% após um ano e 65% após cinco anos, com melhoria da qualidade de vida (Hosenpud, Bennett, Keck, Boucek, & Novick, 2000). Num estudo, Grady et al. (2005), encontraram melhoria da qualidade de vida cinco e seis anos após o transplante cardíaco. A escassez de dadores implica um elevado tempo de espera que nos casos da insuficiência cardíaca grave pode ser assistida por dispositivos de assistência ventricular, enquanto ponte para o transplante, com bons índices de qualidade de vida até um ano após o implante do dispositivo e com itens do domínio físico associados a risco de morte. Dew et al. (2001), reportam melhoria da qualidade de vida em doentes que tinham recebido assistência ventricular, um ano após o transplante cardíaco.

A cirurgia de remodelação do ventrículo esquerdo é recente e pretende restaurar o tamanho e forma do ventrículo, sendo apropriada a pacientes com ventrículos dilatados após um enfarte agudo do miocárdio anterior, aumentando a sobrevivência e diminuindo os internamentos hospitalares (Feingold & DeNofrio, 2003).

A reabilitação cardíaca ainda pouco generalizada, é primariamente direccionada para ser realizada após enfarte agudo do miocárdio, sendo conhecida pelos seus inúmeros benefícios ao nível do sistema músculo- esquelético, aumentando a capacidade funcional, a qualidade de vida e diminuindo a mortalidade (Sainz, 2003).

Como constatamos, temos ao dispor múltiplas terapêuticas médicas com orientações que começam na actualidade a definir a elegibilidade dos doentes com insuficiência cardíaca, com resultados descritos ao nível da

morbilidade e mortalidade, mas ainda pouco explorado quanto às consequências destas intervenções médicas ao nível da qualidade de vida desta população.