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3 A chegada do arcebispo em tempo de crise: o anúncio de uma missão

3.1. O espetáculo

Figura 01. Dom Antônio de Almeida Moraes Júnior.

No dia 16 de março de 1952, o navio Pedro II se encontrava a poucos metros do cais do Porto, e “uma imensa multidão de católicos, que se espraiava ao longo dos armazéns e da Praça Rio Branco, começava a vivar o seu novo e esperado chefe espiritual e agitar os lenços ao ar, numa bela e eloquente demonstração de estima e de simpatia àquele que Deus lhes enviava.” (Jornal do Commercio – JC, 18.03.52, p.03).

Após o desembarque, Dom Antônio de Almeida se dirigiu à Praça do Rio Branco, onde se encontravam os senhores Governador do Estado, General Comandante da 7° Região Militar e o Almirante Comandante do 2° Distrito Naval, o Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça e Prefeito do Município. Parte dos ocupantes do poder do Estado de Pernambuco veio recepcionar o arcebispo (JC, 18.03.52, p.03).

O tumulto promovido pelas manifestações de religiosidade e de alegria com a chegada do eminente arcebispo foi transmitido nas principais estações de rádios da cidade do Recife. O mais esperado, pelos ouvintes das rádios e pela multidão católica, foi o momento do discurso do arcebispo. Dom Antônio de Almeida interrompeu as palmas e as bandeiras das Associações Católicas que insistiam em demonstrar sua força, e se referiu à maioria dos estados brasileiros, ao mesmo tempo em que manifestou seu singular apreço à classe operária. (JC, 18.03.52, p.03).

À noite, o arcebispo recebeu uma homenagem no Teatro Santa Isabel, promovida pelo padre Belchior Maia de Ataíde, Dr. Nilo Pereira e Costa Porto, em nome do Clero, do Governo do Estado e do laicato. (A Tribuna, 19.03.52, p.01).

No dia seguinte à publicação da sua primeira Carta Pastoral, alguns alunos e o Reitor da Universidade Católica de Pernambuco compareceram ao Palácio dos Manguinhos para apresentar votos de boas vindas ao novo arcebispo (cf. CABRAL, 1993, p.146).

Portanto a chegada de Dom Antônio de Almeida foi festejada por uma multidão sem nome e pelas autoridades que o recepcionaram com muita cortesia, alegria e entusiasmo. Possivelmente muitos curiosos compareceram, outros cheios de fé e de respeito foram dar boas vindas ao novo chefe da Igreja Católica de Pernambuco. E outros estavam no cais do porto no dia da chegada do arcebispo por acaso.

Num artigo sem assinatura, publicado n’ A Tribuna, o autor anônimo comentou sua indignação ao ouvir o seguinte comentário de um moço que estava no meio da multidão no cais, no dia da chegada de dom Antônio: “eu quero saber do arcebispo... Vim aqui esperar minha mãe, que chega por este vapor” (A Tribuna, 31.05.52, p.05). O autor, indignado com o comentário, afirmou que as ruas e as calçadas foram testemunhas da ânsia e do desejo da multidão de conhecer o arcebispo. A voz do moço era dissonante da grande melodia de alegria que esperava D. Antônio. O autor, possivelmente, num tom de exaltação afirmou: “Ninguém, efetivamente, lhe havia perguntado o que fora ali fazer, pois, de fato, a ninguém interessaria conhecer os seus sentimentos de enfadonho, a respeito do grande acontecimento daquele dia inesquecível.” (A Tribuna, 31.05.52, p.05).

O autor desconhecido terminou seu artigo, falando da grandiosidade e do brilho do dia da chegada de dom Antônio de Almeida e o possível motivo do impertinente comentário do moço desconhecido do cais:

Certamente, havia por ali muitos curiosos, atraídos, seja pela novidade, seja pelo renome do novo Pastor, que nos chegava de Minas Gerais, como verdadeira bênção do céu. A não ser, porém, aquele cidadão, que não me parece haver tomado suficiente a dose de “chá em pequeno” não me consta que alguém mais houvesse manifestado o menor pensamento de desagrado à pessoa augusta do Pontífice, com que a Santa Sé acabava de regiamente nos presentear.

Talvez - quem sabe? –aquela frase brotasse apenas de um prurido exibicionismo. Há pessoas que acham elegante a fé anticlerical...Se o caso foi realmente este, creio que “saiu o tiro pela culatra”, pois o tal camarada apenas conseguiu dar um lamentável testemunho de ser uma deselegância. Artigo assinado por V(A Tribuna, 31.03.52, p.05).

No silêncio do arquivo, esse registro saltou aos olhos, por se tratar de uma voz que quebrava todo um coro sobre a chegada do arcebispo. As diversas matérias, no jornal A Tribuna, construíram a chegada do novo arcebispo como se fosse um evento de grande importância para todos. Quando se leem tais artigos, tem-se a impressão de que o Recife parou com a chegada do arcebispo. Esse registro sinaliza a relatividade da percepção sobre os eventos históricos, pois o autor do comentário, taxado de deselegante, não foi afetado com a chegada de um importante símbolo da Igreja Católica, em Pernambuco. Ele esperava apenas por sua mãe, num dia inesquecível para muitos católicos.

Esse documento também nos faz pensar sobre a representação do sagrado que pesava sobre Dom Antônio. Quem a multidão esperou? Um simples homem ou um homem santo enviado por Deus? Para Mirceia Eliade, estudioso da religião, existem duas dimensões espaciais para o homem: o espaço sagrado e o espaço profano. “O sagrado e o profano constituem duas modalidades de ser no mundo” (ELIADE,1992, p.25).

Para o autor, o homem religioso não possui uma percepção homogênea do espaço em que vive, pois a dimensão de sua existência profana apresenta roturas, quebras que o levam ao outro espaço: o sagrado.

Há, portanto, um espaço sagrado, e por consequência, forte, significativo, e há outros espaços não-sagrados, e por consequência sem estrutura nem consistência, em suma: amorfos (ELIADE, 1992, p. 25).

A ruptura que o transporta para o espaço de Deus ou dos deuses lhe garante um sentido de vida diante do mundo da incerteza e do caos. O sagrado confere ao homem sentidos e certezas no mundo da desordem: no mundo profano. Transitar na esfera do sagrado para os religiosos é construir um ponto fixo no mundo do caos. As religiões, Igrejas, templos,

cerimônias religiosas ganham o significado de portas, as quais proporcionam o trânsito do espaço profano para o sagrado.

A cerimônia de chegada de Dom Antônio de Almeida pode ser analisada a partir do aspecto sagrado descrito por Mirceia Eliade. As cerimônias e os cortejos foram usados pela Igreja Católica, uns dos seus mais hábeis instrumentos simbólicos, para ratificar e legitimar a sua dimensão do sagrado. A arquidiocese de Olinda e Recife e membros da Ação Católica e dos Círculos Operários Católicos, Irmandades e Associações religiosas se empenharam na instituição de uma dimensão sagrada à figura de Dom Antônio de Almeida.

Segundo Carlos Miranda, a tradição romanizante52 empreendida no Brasil na primeira e segunda década do século XX, buscou atrelar a imagem dos bispos, com suas dioceses luxuosas e seus trajes imponentes, à imagem sagrada do Papa. O autor afirmou que as aparições públicas dos bispos e dos prelados tinham o objetivo de demonstração de poder, isto é, de demonstração de alcance e de influência junto à população. (cf. MIRANDA, 1988, p.40). O cortejo e as cerimônias foram, nessa perspectiva, e ainda são utilizadas para conferir à própria Igreja Católica e a seus representantes a imagem do sagrado.

O espetáculo do sagrado não se encerrou no dia da chegada do arcebispo. No ano de 1952, ocorreram diversas manifestações de boas vindas a Dom Antônio. Meses após a sua triunfal chegada, ainda se manifestavam em Pernambuco, de diversos setores, vozes calorosas de entusiasmo.

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