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3 A chegada do arcebispo em tempo de crise: o anúncio de uma missão

3.2. As primeiras palavras do Bispo

Passados alguns dias de sua chegada, A Tribuna Religiosa publicou a primeira Carta Pastoral do arcebispo, na qual afirmava que havia, naquele momento presente, duas forças divergentes no mundo moderno: o capitalismo e o comunismo. No documento inaugural, o arcebispo não redimiu o capitalismo da sua insensibilidade social, mas ressaltou que tal sistema poderia passar por modificações racionais, para melhor responder às necessidades humanas (A Tribuna, 22.03.52, p.01).

A alternativa do comunismo, para ele, era inviável e enganosa, pois sugeria a coletividade e a igualdade social, a partir da suspensão do direito dos indivíduos de ter capital

52 Desde que a Igreja Católica perdera seu lugar junto ao Estado Brasileiro, com a secularização trazida pela

República, a Igreja Católica tentou se reposicionar ao lado Estado. Além disso, passou a atuar com uma postura centralizadora da Igreja junto a Roma. Buscou-se construir uma Igreja romanizada, que não atendia aos interesses nacionais, mas uma Igreja obediente a Roma. In MIRANDA, Carlos Alberto Cunha. Igreja Católica no Brasil: uma trajetória reformista (1872-1945). Dissertação do Mestrado da UFPE, 1988.

e uma propriedade, mas previa e legitimava um novo grupo que ocuparia as instâncias de poder do Estado que, por sua vez, iria dispor de um capital e de propriedades. Enfaticamente afirmou que

O regime comunista exige a constituição de nova casta que tenha, de certo modo, autoridade no Estado para estabelecer os planos e trabalho e produção, continuadora ainda mais rígida do papel dos antigos padrões capitalistas. Esta casta forma inevitavelmente a nova classe exploradora que passa a viver da produção nacional (A Tribuna, 22.03.52, p. 01).

No seu discurso, o comunismo também não merecia crédito, porque não confiava nas pessoas para gestão da economia e da política, mas ao Estado caberia a responsabilidade de conduzir os interesses econômicos. A esse respeito, afirmou:

A consecução deste fim arrebata aos indivíduos toda e qualquer iniciativa particular, para entregar ao Estado tudo o que concerne à direção, à repartição e ao controle de todas as formas de atividade social e econômica. Em todos os setores, da agricultura, da indústria, do ensino, das férias, em tudo, o Estado submete os indivíduos, com todos os seus anseios, no seu programa oficial. Operários, estudantes, velho ou moço, deve o homem submeter-se ao programa prefixado, onde tudo é organizado, repartido e vigiado pelos poderes públicos. (A Tribuna, 22.03.52, p.01).

Furtivamente as palavras do arcebispo, após sua fascinante chegada, ancoraram na negação do comunismo e na expectativa da intelectualidade católica. Respondendo a tais esperanças, eloquentemente, fez menção à Rerum Novarum, como alternativa para resolver a urgência da questão social. No seu discurso, afirmou que a classe trabalhadora sofria certos abusos por parte da classe produtora, e a Igreja, por sua vez, estava ciente disso, e disposta a conduzir a melhoria social dos operários. Depois de apresentar a Arquidiocese como sabedora da situação afirmou:

Somente depois de analisarmos o trabalho na sua realidade individual e social, de estudarmos as condições atuais do trabalho industrial, a posição do operário na economia, depois de apreciarmos todas essas questões à luz da doutrina da Igreja, é que poderemos, levando em conta a evolução da economia e do direito, propor sugestões cristãs, capazes de contribuir para um equilíbrio harmonioso do Capital e do Trabalho na civilização Moderna (A Tribuna, 22.03.52, p. 01).

Quando usou o argumento “à luz da doutrina da Igreja”, estava dizendo que outras propostas sociais que ferissem o catolicismo não resolveriam o problema social de forma pacífica e harmoniosa. Para o arcebispo o socialismo oferecia uma proposta errada e injusta, pois partia do pressuposto de estabelecer a igualdade social. E para Dom Antônio seria um grave equívoco, porque a desigualdade social é legítima, pois existem trabalhos diferentes que requerem remunerações discrepantes, portanto não seria justo, segundo o arcebispo, estabelecer um único parâmetro de remuneração do trabalho.

Caberia aos industriais estabelecer um valor justo e correspondente à competência do trabalhador, pois o arcebispo entendia que, como “os operários depositam na mão dos seus chefes uma parte de sua liberdade, exigem que os mesmos pensem na necessidade humana dos seus subordinados”. Continuou ele asseverando que a remuneração humana deveria ser fixada, respeitando o equilíbrio, a manutenção da própria empresa e a felicidade dos patrões e dos operários (A Tribuna, 22.03.52, p. 01).

Em outro trecho da sua Carta Pastoral, Dom Antônio escreveu sobre a incapacidade do comunismo de atender às necessidades dos brasileiros, já que, mesmo abstraindo de uma justificativa cristã, o comunismo era essencialmente inadaptável para o Brasil,

pois os regimes devem procurar uma espécie de raiz na própria índole do povo, na sua própria estrutura racial. A Rússia aceitou o comunismo e a ele se submeteu, mais por uma questão de índole comunitária e gregária. Povo sujeito a mais que uma tradição rígida, escravizado a uma rotina. Com um sentido mórbido de disciplina e hierarquia; de uma inatividade que tocava as raias da indolência; povo imprevidente e sem iniciativa, a Rússia possuí, por assim dizer, uma espécie de tendência ao Coletivismo, uma espécie de entrega passiva à escravidão. Parece que a própria massa pensava que só um núcleo ativo e evoluído poderia impor-lhe o progresso dos povos personalistas. Mesmo assim, apesar da índole e da formação do povo, o regime teve que admitir flexões, aceitando princípios capitalistas. Admita-se, pois, que a Rússia tivesse necessidade de um sistema coletivista, o que é realmente é discutível. E no Brasil?Mesmo sob o ponto exclusivamente político seria um grande erro a adoção de um sistema de predominância coletiva neste país. Pois a nossa mais alta expressão é a afirmação da personalidade, ciosa de sua autonomia (A Tribuna, 22.03.52, p. 01).

Depois de chamar o povo russo de preguiçoso, com palavras amenas e com uma pitada de um discurso civilizatório, o arcebispo desqualificou o comunismo para a realidade brasileira, pois “sob o ponto de vista meramente político, o comunismo é inadaptável ao Brasil, onde as afirmações de valor humano e de liberdade do individuo estão no fundo espiritual da sua própria civilização ocidental” (idem).

Continuou o seu discurso anticomunista, dizendo:

E se quiserdes a prova disso, perguntai aos que se dizem comunistas. O que pensam eles do trabalho obrigatório, de ligação forçada a uma empresa, dos salários fixados por decretos, da supressão do direito de greve, da submissão a cooperativas ou cantinas de usinas, da distribuição de rações iguais por cartões de racionamentos! (A Tribuna, 22.03.52, p. 01).

Advertiu que a proposta comunista transformaria os indivíduos em peças amorfas controlados por um Estado Tirano, que se fundamentaria no coletivismo para os trabalhadores e cercaria de privilégios os dirigentes do Estado. Dom Antônio foi mais incisivo na sua argumentação sobre a dita dissimulação dos comunistas, quando disse:

O sonho que eles alimentam não é o do coletivismo. Não! São apenas capitalistas camuflados! Eles sonham com um grande abalo na organização social, para que haja uma mudança, na esperança de que, libertos do jugo do dinheiro, terão, possibilidade de gozar, na vida, de uma situação melhor, segundo suas qualidades de iniciativa, seu espírito de empreendimento, seu gosto de aventura, seus esforços pessoais. Por mais que eles desejem entrar em luta contra a injustiça atual de sua situação, são apenas expressões de plena essência capitalista! (A Tribuna, 22.03.52, p. 01). Por fim, naquele primeiro documento pastoral, o Bispo enfatizou que a Igreja Católica era a única via para atender aos anseios dos industriais e consolar os operários. Ela, na sua antiga tarefa de cuidadora dos mais fracos e legitimadora dos mais fortes, no discurso de Dom Antônio, tomaria a causa operária nos braços, porém sem deserdar os industriais do seu fiel consolo. A Igreja Católica acalentaria os dois rebanhos, sem negar um nem outro.

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